Seis Anos Preso em um Voto Quebrado
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Capítulo 2

Eu o observei assinar, sua mão trêmula, mas firme. Cada traço da caneta parecia um golpe de martelo, estilhaçando os últimos vestígios do nosso passado compartilhado, mas também forjando um caminho para o meu futuro. Ele me devolveu os papéis amassados, seus olhos ainda crus de confusão.

"Obrigada, Caio", eu disse, minha voz mal um sussurro.

Parecia surreal, aceitar um divórcio de um homem que era incapaz de entender o que estava assinando, muito menos a dor que levou a isso.

A hora seguinte foi um borrão. Fui ao cartório, protocolei os papéis e recebi o carimbo oficial que marcava o início do período de espera de 30 dias. Estava feito. O primeiro passo foi dado. Então, trouxe o Caio de 18 anos de volta para nossa casa. Ou melhor, a casa dele. A casa em que eu ainda estava presa.

Ele entrou, seus olhos ansiosos percorrendo a sala de estar. Sua testa se franziu. "Está... diferente", ele disse, a voz hesitante. "Não exatamente como conversamos. É tão... fria."

Ele estava certo. Era fria. Não na temperatura, mas no sentimento. Lembrei-me de como passamos horas sonhando, desenhando plantas para nossa futura casa. Um espaço aconchegante e convidativo, cheio de cores quentes, texturas macias e o cheiro de comida caseira. Um lar onde nossas risadas ecoariam.

Nossos dias de recém-casados nesta mesma casa foram cheios de calor. Escolhemos cada peça de mobiliário juntos, debatemos sobre amostras de tinta e celebramos cada pequena adição ao nosso ninho. As paredes deveriam ser adornadas com nossas memórias, nossa arte, nossos sonhos compartilhados.

Mas isso foi há uma vida. Um Caio diferente, uma Alana diferente. O Caio de 28 anos havia, lenta e sistematicamente, purgado nossa estética compartilhada. Seu gosto havia mudado, espelhando seus afetos. Minhas pinturas vibrantes, antes orgulhosamente exibidas, foram relegadas ao depósito. Em seu lugar, pendiam peças abstratas e minimalistas que Fernanda admirava.

Ele começou a trazer para casa presentes que não eram para mim. Ou melhor, presentes que eram para mim, mas claramente escolhidos por Fernanda. Lembro-me de um ano, no meu aniversário, ele me deu uma dúzia de lírios. Lindos, caros. Mas eu era severamente alérgica a lírios. As flores ficaram na mesa de jantar, sua fragrância enchendo lentamente a casa, até que meus olhos incharam e minha garganta se fechou, me mandando para o pronto-socorro.

"Qual é o seu problema, Alana?", ele havia esbravejado, quando finalmente consegui ofegar as palavras "reação alérgica". "A Fernanda disse que você amava lírios. Ela me ajudou a escolhê-los. Você não pode simplesmente apreciar a intenção em vez de ser tão difícil?" Ele passou todo o trajeto até o hospital no telefone, acalmando uma Fernanda chorosa, garantindo a ela que não era culpa dela, antes de se virar para me fuzilar com o olhar. "Sinceramente, Alana, às vezes acho que você faz essas coisas só para chamar a atenção."

Eu o encarei da cama do hospital, ligada a um soro, meu rosto inchado e coçando. Ele realmente acreditava que eu me machucaria intencionalmente para irritar Fernanda. O homem que eu amava, o homem que uma vez memorizou cada uma das minhas alergias, havia esquecido tudo. Ou pior, ele não se importou o suficiente para lembrar. Aquele foi o momento em que eu realmente entendi o quão pouco eu significava para ele.

Agora, o jovem Caio olhava ao redor, seu olhar demorando nas paredes brancas e austeras, nos móveis angulares. Ele passou a mão suavemente sobre uma escultura de metal fria. "Isso não somos nós", ele murmurou, a voz tingida de confusão. "Parece que outra pessoa mora aqui."

Ele estava certo. Outra pessoa morava.

Ele se moveu com propósito, pegando um porta-retrato de Fernanda e Caio - seu eu mais velho - da lareira. Seus olhos se arregalaram quando viu a foto da mulher sorridente, o braço dela casualmente entrelaçado com o de seu eu futuro. Então ele viu o bebê no colo de Fernanda, um bebê minúsculo, impossivelmente pequeno, com seu próprio cabelo escuro. Seu rosto jovem se desfez novamente.

Ele cuidadosamente colocou a foto virada para baixo. Então começou a limpar a sala. Ele tirou a arte minimalista, substituindo-a por nada, deixando espaços vazios nas paredes. Ele juntou os objetos decorativos frios e os empilhou ordenadamente, quase reverentemente, perto da porta. Ele até encontrou o vaso do incidente dos lírios, ainda guardado em um armário, e o descartou com um arrepio. Ele estava tentando apagar a presença da outra mulher, restaurar o calor que uma vez definiu nosso lar. Ele estava tentando consertar o que seu eu futuro havia quebrado.

Ele ficou no centro da sala de estar, o sol do final da tarde entrando pelas janelas recém-limpas, banhando-o em um brilho dourado. Quase parecia certo. Quase.

"Não deveríamos ficar parados", ele disse, virando-se para mim, seus olhos jovens cheios de uma determinação renovada. "Vamos. Vamos terminar isso. Eu vou com você. Para garantir que tudo corra bem."

Eu assenti, um leve sorriso tocando meus lábios. "Ok, Caio." Sua ânsia, seu desejo de ajudar, era um contraste gritante com a indiferença a que eu estava acostumada.

Eu o levei ao quarto de hóspedes, um espaço pequeno e sem uso que parecia a quilômetros de distância do quarto principal. "Você pode ficar aqui", eu disse, gesticulando para a cama arrumada. "É silencioso."

Ele assentiu, ainda olhando ao redor com aquela expressão curiosa e um pouco triste. "Obrigado, Alana."

Eu o deixei lá, retirando-me para o quarto principal. Era estranho, o silêncio na casa. Pela primeira vez em anos, o peso opressivo da presença de Caio, o Caio mais velho, parecia ter sido levantado. O ar parecia mais leve. Deitei-me na cama, meu corpo doendo com uma exaustão que ia até os ossos. Mas em vez da ansiedade habitual, havia uma calma silenciosa. Os papéis do divórcio estavam protocolados. Eu estava livre. Quase.

Fechei os olhos e, pela primeira vez em anos, caí em um sono profundo e sem sonhos. Foi o tipo de sono que rejuvenesce, que permite que o espírito se cure.

Na manhã seguinte, acordei me sentindo estranhamente revigorada. A luz do sol entrava pelas cortinas, suave e convidativa. Eu me espreguicei, um luxo esquecido, e balancei as pernas para fora da cama. Assim que meus pés tocaram o chão, eu o vi.

O jovem Caio estava parado silenciosamente na porta, os ombros caídos, o rosto pálido e abatido. Em sua mão, ele segurava um laudo médico, suas páginas amassadas, como se ele o estivesse segurando por horas. Seus olhos, inchados e vermelhos, encontraram os meus. Estavam cheios de uma nova onda de agonia crua, uma dor que superava até mesmo o coração partido dos papéis do divórcio.

"Alana..." Sua voz era apenas um sussurro rouco, denso de lágrimas não derramadas. "Por que você não me contou?"

Meu olhar caiu para o documento em sua mão. Era o laudo do acidente de carro. Aquele que detalhava o aborto espontâneo. Aquele que confirmava que eu nunca poderia ter filhos.

Sua voz falhou, um som cru e gutural. "Por que você está se divorciando de mim... por que você está se divorciando de nós... quando ela tirou tudo de você?" Ele deu um passo à frente, seus olhos ardendo, não com raiva de mim, mas com uma proteção feroz. "Não podemos deixá-la vencer, Alana. Não podemos."

Meu coração martelava contra minhas costelas. Ele tinha visto. A ferida mais profunda, exposta. E eu soube, naquele momento, que ele não estaria apenas assinando papéis. Ele estaria lutando por uma justiça que seu eu futuro me negara.

A porta se abriu com um estrondo, batendo contra a parede com um barulho ensurdecedor. Minha cabeça se virou bruscamente, meu coração pulando para a garganta. Lá, na porta, estava o Caio de 28 anos. Seus olhos, frios e calculistas, varreram o quarto, pousando em mim e, finalmente, no jovem Caio, que instintivamente se moveu para me proteger.

"Que porra está acontecendo aqui?" Sua voz era um rosnado baixo, tingido de veneno. Ele deu um passo para dentro do quarto, seus olhos se estreitaram, seu olhar queimando buracos no jovem que ousava ficar entre nós. "Quem é esse?"

            
            

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