"É isso que você quer, Clara?!", ele rugiu, a voz rachando com uma raiva aterrorizante que eu nunca tinha ouvido. "É isso que é preciso para você ficar satisfeita?!" Ele arrancou o celular do bolso, rolando furiosamente, e apagou o contato de Karina, o número dela, todas as fotos. Ele jogou o celular na mesa, a tela trincando. "Pronto! Ela sumiu! Feliz agora?"
Olhei para ele, meu coração martelando contra minhas costelas, não de medo, mas de puro choque. Este não era o Guilherme que eu conhecia. Este era um estranho volátil, seus olhos selvagens, sua mandíbula cerrada. Senti um pavor frio me invadir.
Ele não esperou por minha resposta. Ele varreu o braço pela mesa, mandando a pilha de revistas, os cartões de crédito, a caixa do anel, tudo para o chão. O anel de diamante rolou para debaixo da geladeira, brilhando zombeteiramente no caos. "Você acha que eu não te amo? Depois de dez anos? Você acha que era isso que eu queria?"
Ele avançou sobre mim, agarrando meus braços, seu aperto machucando. "Você está sendo irracional, Clara! Você é teimosa pra caralho, sempre foi!" Suas palavras eram venenosas.
Ele me empurrou para trás, e eu tropecei, caindo com força no chão de madeira polida. O impacto fez meus dentes rangerem, e uma dor aguda subiu pela minha coluna. Olhei para ele, as lágrimas embaçando minha visão. Meu Guilherme, o gigante gentil que nunca levantaria a voz, muito menos a mão, se fora.
O homem de quem eu me lembrava passaria horas me ouvindo, paciente e gentil. Ele me traria sopa quando eu estivesse doente, seu toque suave e reconfortante. Este homem, de pé sobre mim, seu rosto contorcido de raiva, era um monstro.
"Dez anos, Clara! Dez anos que eu aguento sua obsessão pela carreira, suas exigências à distância! Você sabe a pressão que eu sofro? Meus pais estão constantemente perguntando sobre casamento, sobre uma família! Eu estou fazendo tudo que posso, e você me acusa de não te amar?"
Minha garganta estava grossa com lágrimas não derramadas, meu corpo doendo. Eu não conseguia falar. O abismo entre nós, o abismo de mal-entendidos e traição, parecia largo demais para ser transposto. Estávamos falando línguas diferentes, vivendo em realidades diferentes.
De repente, o celular dele, aquele que ele acabara de quebrar, vibrou na mesa. Não o celular do trabalho, mas o pessoal. Era uma notificação familiar e animada. Karina. De novo.
Seus olhos saltaram para o celular, depois de volta para minha figura prostrada. A raiva em seu rosto se suavizou, substituída por uma urgência frenética. Ele parecia um cervo pego nos faróis. "Eu... eu tenho que ir", ele gaguejou, já se movendo em direção à porta.
"Não!", gritei, encontrando minha voz. Levantei-me com dificuldade, agarrando seu braço. "Não, Guilherme, você não vai! Você escolhe! Agora mesmo! É ela ou eu!"
Ele arrancou o braço, sua unha arranhando minha pele, deixando uma fina linha vermelha em meu antebraço. Ele nem percebeu. "Não seja ridícula, Clara. Isso é importante. É uma emergência do trabalho. Acalme-se, ok? Eu volto assim que puder. Conversamos então."
Ele já estava na porta, abrindo-a. "Apenas... limpe essa bagunça, por favor?", ele jogou por cima do ombro, gesticulando vagamente para a caneca quebrada e os itens espalhados. Então ele se foi, a porta batendo atrás dele.
Eu o observei ir, a imagem de seu rosto em pânico, sua corrida desesperada, gravada em minha memória. Não era uma emergência de trabalho. Era Karina. Sempre Karina. A urgência em sua voz, a maneira como ele abandonou tudo para atender ao chamado dela, gritava uma verdade ainda mais alta do que a caneca quebrada.
Fiquei em meio aos destroços de nossa casa, a manifestação física de nosso relacionamento quebrado. Meu corpo doía, meu coração parecia estar se partindo. O chão estava coberto de detritos, um símbolo dos dez anos que acabáramos de estilhaçar.
Meu celular tocou, me assustando. Era Júlio. "Clara", ele disse, a voz tensa. "Eu acabei de saber... sobre o processo. É ruim. Muito ruim. E o Guilherme... ele vai assumir a culpa pela Karina."
As palavras cortaram o último resquício da minha esperança, confirmando a traição, solidificando sua escolha. Não era mais apenas um caso emocional. Era toda a sua carreira, tudo pelo que ele havia trabalhado, sacrificado por ela.