A cãibra familiar no meu estômago se contorceu, um lembrete severo de anos de estresse e emoção reprimida. Agarrei meu abdômen, uma ação reflexa. Era uma dor fantasma, mas inegavelmente real.
"Ainda tem essas dores de estômago, pelo visto." A voz de Caio, suave e baixa, me assustou. Ele estava encostado na parede oposta da escada de incêndio, um pequeno frasco de antiácidos na mão. Ele deve ter me seguido. "Você sempre tinha quando estava estressada. Aqui." Ele ofereceu o frasco, seu olhar suave, quase preocupado.
Desviei dele, sem quebrar meu ritmo. "Algumas coisas nunca mudam, Caio," eu disse, minha voz fria. "Mas minha dependência de você para remédios de estômago certamente mudou."
Ele abaixou o frasco, uma sombra fraca cruzando seu rosto. "Você deveria descansar, Alana. Tire um tempo de folga. Você está se esforçando demais." Havia uma nota genuína de preocupação em sua voz, mas parecia oca, falsa.
Quase ri. A preocupação dele? Agora? Depois de tudo? "Meus dias de férias já estão reservados," respondi, um pequeno sorriso desafiador brincando em meus lábios. "Para algo muito mais importante do que me recuperar do drama da sua família." Mantive meus olhos fixos na paisagem urbana distante visível através da pequena e suja janela, recusando-me a deixá-lo ver o triunfo fervendo sob minha frieza.
Ele se aproximou, sua mão se estendendo, um gesto lento e deliberado em direção ao meu cabelo. Eu recuei, puxando para trás assim que seus dedos roçaram minha bochecha. Uma faísca, um pequeno choque de familiaridade indesejada, me percorreu.
"Sempre tão teimosa," ele suspirou, sua mão caindo. "Você nunca soube quando desistir." Ele se encostou no corrimão, um olhar melancólico em seus olhos. "Lembra daquela vez na faculdade? Você estava com febre de 39,5, mas insistiu em fazer aquela prova de anatomia. Desmaiou bem no meio dela."
Suas palavras pintaram um quadro vívido. Eu também me lembrava. As luzes fluorescentes, o calor vertiginoso, a sensação da sala girando. Mas a memória dele era higienizada. Ele se lembrava do drama, do espetáculo. Não da dor real.
"Ainda assim, você passou com louvor," ele continuou, um sorriso orgulhoso no rosto. "Nunca foi de recuar, não é? Sempre tão feroz. Tão inflexível."
Ele estava preso em um ciclo de nostalgia, uma recordação seletiva de nosso passado compartilhado. Mas meus pensamentos já estavam em outro lugar. Um zumbido suave vibrou no meu bolso. Meu celular. Uma mensagem privada. Uma presença calorosa e reconfortante na realidade fria e dura de Caio.
Peguei meu celular, um sorriso fraco tocando meus lábios enquanto lia o texto. Era um lembrete, uma âncora para minha vida real, minha felicidade real.
"Você realmente romantiza tudo, não é, Caio?" eu disse, cortando-o, minha voz afiada e fria. "Você faz parecer que estava lá, me incentivando, preocupado." Meu sorriso se torceu em um escárnio amargo. "Mas você não estava, não é? Você estava ocupado demais consolando a Karina, enxugando as lágrimas dela depois que ela tirou nota baixa numa prova surpresa no mesmo dia."
O sorriso dele desapareceu. Seu rosto congelou, as memórias agradáveis se esvaindo, deixando para trás uma verdade nua e desconfortável. Seus olhos, geralmente tão confiantes, piscaram com incerteza. Ele havia sido pego.
Não esperei por sua resposta. Passei por ele, voltando para o hospital. Eu precisava de ar. Eu precisava de distância. Eu precisava me lembrar que sua versão distorcida do nosso passado não tinha poder sobre o meu presente.
Nos dias seguintes, evitei o andar de Karina. Agendei minhas cirurgias estrategicamente, evitei as rondas e me enterrei em papelada. Eu era uma cirurgiã, não uma terapeuta, e certamente não um saco de pancadas para suas narrativas distorcidas.
Mas o hospital é um mundo pequeno. Eventualmente, a evitação se torna impossível. Uma semana depois, me vi do lado de fora do quarto de Karina novamente, obrigada a fazer uma verificação final de alta.
Quando abri a porta, Karina estava se levantando da cama, apoiando-se pesadamente no braço de Caio. Ela ainda estava pálida, ainda frágil, mas um brilho triunfante em seus olhos traía sua força real.
"O que está atrasando a alta dela?" perguntei, minha testa franzida. Olhei para o prontuário de Karina. Tudo indicava que ela estava pronta para ir para casa.
Karina imediatamente desviou o olhar, a mão tremulando em sua testa. "Oh, Alana," ela murmurou, sua voz quase inaudível. "Eu só... ainda estou um pouco fraca. O médico disse que é comum depois... depois de um parto tão difícil. Caio está sendo tão doce, me ajudando. Ele disse que poderíamos ficar mais um ou dois dias."
Sua mão se estendeu, instintivamente procurando a minha, mas eu recuei antes que ela pudesse fazer contato. Eu não ia cair no seu ato de vítima de novo.
"Seu pai ligou, Alana," ela continuou, sua voz ganhando uma força surpreendente. "Ele sente sua falta. Ele diz que seu quarto ainda está o mesmo, esperando por você. Ele quer que você volte para casa. Todos nós queremos." Seus olhos, largos e inocentes, suplicavam a mim.
Eu podia sentir as perguntas não ditas, as acusações veladas dos outros funcionários na sala. Eles olhavam para mim, a médica sem coração, a filha distante.
Fechei os olhos, uma onda de exaustão profunda me invadindo. A farsa era interminável, a manipulação emocional um cobertor sufocante. Eu só queria que acabasse.
"Tudo bem," eu cedi, a palavra um gosto amargo na minha língua. "Eu vou para casa. Por um tempo."
Um sorriso triunfante, rápido como um flash, iluminou o rosto de Karina antes que ela o mascarasse com uma expressão suave e grata. Caio também me observava, um brilho possessivo em seus olhos.
Mais tarde, no banco do passageiro do carro de Caio, encostei a cabeça na janela fria, a paisagem urbana um borrão lá fora. O peso de suas manipulações me pressionava. Eu precisava recuperar alguns itens pessoais do meu antigo quarto, coisas que eu havia deixado para trás em minha partida apressada anos atrás. Coisas que guardavam memórias de uma vida diferente, de uma eu diferente.
Meu cachecol, um tricô de caxemira macio, de alguma forma se soltou. Escorregou do meu pescoço, expondo a pele delicada por baixo. Uma marca pequena, quase imperceptível, um hematoma escuro contra minha pele pálida, agora estava visível. Era um chupão, uma lembrança terna de uma noite passada nos braços do homem que realmente me fazia sentir segura.
Caio viu no retrovisor. Seus olhos, geralmente tão afiados e calculistas, se arregalaram, depois se estreitaram em fendas perigosas. Seu olhar se fixou na marca, uma obsessão silenciosa. A conversa casual morreu em sua garganta.
Suas mãos, ainda agarrando o volante, se apertaram. As veias em seus antebraços saltaram, um indicador claro da raiva fervendo sob sua fachada cuidadosamente composta. O ar no carro engrossou, carregado de uma fúria não dita.