Meus dedos voaram pelo teclado, digitando uma mensagem para a única pessoa que me ofereceu uma tábua de salvação: minha professora da APM, Dra. Helena Petrov. *Dra. Helena, estou pronta. A bolsa para o conservatório na Europa. Estou aceitando. Hoje.*
A resposta dela foi imediata: *Excelente, Flora! Eu sabia que você conseguiria. Já garanti seu voo para esta noite. Você só precisa fazer as malas.*
Fazer as malas. Uma risada, amarga e oca, escapou dos meus lábios. O que havia para levar? Uma vida de momentos roubados, de sonhos escondidos sob um cobertor da possessividade do Guilherme. Enfiei o essencial em uma pequena mala de mão, deixando para trás as roupas de grife, as joias brilhantes, a gaiola de ouro. Eram dele. Nunca foram verdadeiramente meus.
Antes de sair, fiz uma última coisa. Peguei o medalhão de prata que Guilherme me deu. O "símbolo de sua lealdade eterna". Olhei para as iniciais gravadas, F.V. e G.M. Uma piada cruel. Com um movimento do pulso, abri o fecho e o joguei na fonte ornamentada no pátio da mansão. Afundou sem uma ondulação, assim como suas promessas.
Minha próxima parada foi uma lan house. Eu precisava encontrá-los. A família que Justino Prado mencionou anos atrás, quando eu ainda era uma adolescente ingênua no sistema de adoção. A família de magnatas da tecnologia que ele vagamente disse que estava me procurando. Era um tiro no escuro, uma aposta desesperada, mas o que eu tinha a perder agora? Digitei furiosamente, procurando por qualquer vestígio, qualquer conexão.
Mais tarde naquele dia, enquanto esperava meu voo, vi o carro do Guilherme parar em um restaurante de luxo no Itaim Bibi. Ele saiu, impecável como sempre, e então Carla apareceu, agarrada ao seu braço, sua risada tilintando ao sol da tarde. Ele acariciou o cabelo dela, seus olhos cheios de um afeto que antes era reservado para mim.
Meu estômago se revirou. Ele parecia tão feliz. Tão alheio. Ele se achava tão esperto. Mas sua felicidade foi construída sobre meu coração partido. E ele ainda não tinha ideia do que estava por vir. Ele pensava que me tinha amarrada, um animal de estimação que ele poderia chamar quando quisesse. Ele pensava que eu estava esperando. Ele pensava que eu sempre estaria lá. Ele estava errado.
Finalmente voltei para a mansão vazia. O silêncio era ensurdecedor, um contraste gritante com a sinfonia caótica dos meus pensamentos acelerados. Guilherme não estava em casa. Claro que não. Ele estava com a Carla, comemorando seu noivado falso.
Meu celular tocou. Uma mensagem do Guilherme: *Acabei de pousar, amor. Já com saudades. Mal posso esperar para te contar sobre os negócios que fechei.*
Mentiras. Tudo mentira.
Naveguei pelas minhas redes sociais. Carla não resistiu. Ela postou um vídeo do Guilherme a pedindo em casamento, um close do diamante em seu dedo. *Noiva do homem mais maravilhoso do mundo! Tão animada para o nosso futuro!* Meu futuro. Meu futuro estilhaçado.
Alguns dias depois, eu os vi novamente. Uma manchete de jornal, uma foto brilhante. Guilherme e Carla, de braços dados, em um baile de caridade. Ela usava um vestido que ele me comprou no ano passado, um verde esmeralda cintilante. Ele a olhava com aquele olhar intenso e possessivo que costumava reservar para mim. O mundo via um casal apaixonado, uma combinação perfeita. Eu via uma traição tão profunda que abriu um buraco na minha alma.
Meu sangue gelou. A imagem do Guilherme, com o braço em volta da Carla, seus olhos a adorando, queimou em minha retina. Era uma réplica de uma memória, uma distorção cruel de um passado que já foi meu. Ele estava imitando os gestos, os olhares, as promessas que fez a mim. Não era apenas que ele tinha seguido em frente; ele estava me substituindo completamente.
Lembrei-me dos primeiros dias. Ele me proibiu de ir para a APM, alegando que levaria muito tempo, muita energia de nós. "Sua música é linda, Flora", ele disse, sua voz suave, quase convincente. "Mas meu amor é um compromisso em tempo integral. Eu preciso de você aqui, ao meu lado." Ele chamou isso de amor. Eu chamei de controle. Ele me pintou um quadro de felicidade doméstica, onde minha paixão pelo piano era um hobby charmoso, não uma ambição ardente.
Ele usou meu passado contra mim, minha vulnerabilidade do sistema de adoção. "Ninguém vai te amar como eu, Flora", ele sussurrou, suas palavras uma corrente de seda. "Ninguém vai te entender." Eu acreditei nele. Deixei que ele desmontasse meus sonhos, peça por peça, até que apenas os dele restassem.
Agora, observando-o com a Carla, tudo se encaixou. Ela era sua marionete escolhida, disposta a desempenhar o papel que eu recusei. Ela desejava seu status, sua riqueza, sua família poderosa. Ela era tudo o que ele queria: complacente, ambiciosa de maneiras que o serviam. E ela havia explorado habilmente suas fraquezas, sua necessidade de controle, seu medo de perder o prestígio com o avô.
Carla. Minha suposta melhor amiga. Lembrei-me de seus "conselhos" quando eu estava lutando com a possessividade do Guilherme. "Ele só te ama demais, Flora", ela arrulhava, seus olhos grandes e inocentes. "Ele só está preocupado com você. Você deveria ouvi-lo." Ela tinha sido uma co-conspiradora, uma cobra na grama, sussurrando veneno em meu ouvido enquanto afiava suas próprias facas pelas minhas costas. Foi ela quem plantou sementes de dúvida sobre minha música, sugerindo que era "exigente demais" para uma mulher no mundo do Guilherme.
Uma onda de náusea me invadiu, espessa e enjoativa. Não era apenas coração partido; era uma repulsa profunda, que vinha da alma. Meu corpo tremia, um suor frio brotando na minha pele. Cada fibra do meu ser gritava em protesto.
Meu celular vibrou novamente, uma mensagem da Carla: *Acabei de sair da prova do meu vestido de noiva! É divino! Queria que você estivesse aqui, amiga!*
A audácia. A crueldade pura e absoluta. Ela estava esfregando na minha cara, girando a faca. Ela sabia. Ela sempre soube. E ela se deleitava com a minha dor.
Meu mundo se estilhaçou novamente, mas desta vez, não houve surpresa, apenas uma clareza fria e dura. As mentiras do Guilherme, as manipulações da Carla, a pressão do avô dele - era tudo uma armadilha meticulosamente elaborada. E eu caí nela, cega por um amor que nunca foi correspondido.
Ele chegou em casa tarde da noite, cantarolando uma melodia alegre. Parecia amassado, cansado, mas satisfeito. Ele entrou na sala de estar onde eu estava sentada, imóvel, olhando para o nada.
"Flora? Você ainda está acordada?", ele perguntou, fingindo surpresa. Sua voz era muito animada, muito casual. "Pensei que você estaria dormindo."
Ele se aproximou, me puxando para um abraço. Seus braços pareciam estranhos, seu toque oco. Eu não respondi, não me movi. Ele parou, depois se afastou um pouco, sua testa franzida. "Tudo bem, amor?"
Seus olhos, antes cheios de um calor que eu desejava, agora tinham um brilho de cálculo. Ele estava analisando, avaliando, procurando por rachaduras na minha fachada. Ele não tinha ideia.
Eu não respondi. Apenas olhei para ele, olhei de verdade, pela primeira vez em muito tempo. O homem que me prometeu o mundo, o homem que me construiu uma gaiola de ouro, o homem que me traiu da maneira mais hedionda possível. Ele era um estranho. Um monstro.
E eu tinha chegado ao meu limite.