Capítulo 2

Ponto de Vista: Juliana Campos

A mãozinha de Íris parecia impossivelmente delicada na minha, quase translúcida. Sua pele estava fria, mesmo na abafada sala de espera do hospital. A cardiopatia congênita que ela herdara de Gustavo, aquela que mantivemos em segredo, era uma presença constante e aterrorizante. Era um relógio em contagem regressiva.

"Mamãe, podemos tomar sorvete depois?", ela sussurrou, sua voz fraca.

Apertei sua mão. "Se você for corajosa para os médicos, querida."

Naquele momento, uma voz familiar e profunda cortou o silêncio estéril. "Arthur, pare de correr!"

Minha cabeça se ergueu bruscamente. Gustavo. E Kiara. Eles saíram de uma sala de consulta no final do corredor, Arthur saltitando à frente deles, um carrinho de brinquedo vermelho vivo na mão. Meu passado, meu presente e toda a minha dor, cuidadosamente embalados em um quadro horripilante.

Os olhos de Gustavo encontraram os meus através da extensão de linóleo polido. Ele vacilou, seu passo falhando. Ele parecia... desconfortável. Culpado, talvez? Um pensamento fugaz, rapidamente descartado. Gustavo Medeiros não sentia culpa verdadeira. Apenas inconveniência.

"Juliana", ele disse, sua voz baixa, enquanto se aproximava. Kiara, sempre a parceira atenta, passou o braço pelo dele, suas unhas bem cuidadas cravando-se sutilmente em seu bíceps. "O que você está fazendo aqui?"

Eu simplesmente segurei a mão de Íris com mais força, seus dedinhos quase desaparecendo em meu aperto. Eu não respondi. Apenas comecei a passar por eles, meu olhar fixo à frente, como se fossem invisíveis.

Kiara, no entanto, não seria ignorada. Ela apertou seu aperto em Gustavo, puxando-o para mais perto, depois estampou um sorriso largo e insincero no rosto. "Ora, ora, se não é Juliana Campos!" Sua voz era enjoativamente doce, um veneno envolto em açúcar. "Que coincidência te encontrar aqui, de todos os lugares."

Continuei andando, puxando Íris comigo.

"Ainda fugindo, eu vejo", Kiara ronronou, sua voz se projetando. "Assim como você fugiu de suas responsabilidades. E assim como seu pobre pai fugiu da verdade."

Meus passos vacilaram. As palavras foram um golpe físico. A velha ferida, infeccionando por seis anos, se abriu. Meu pai, Dr. Hélio Matos, um homem cuja integridade era sua própria respiração. Eles arrastaram seu nome na lama, mancharam-no com mentiras de fraude acadêmica e assédio sexual. Tudo para destruí-lo, e a mim.

Kiara deu uma risadinha, um som frágil e desagradável. "Oh, me perdoe. Esqueci que você não gosta de falar do querido papai. Ou do seu relacionamento bastante... não convencional com Gustavo, seu ex-aluno. Que escândalo, não foi? Quase arruinou a reputação da USP, todo aquele caso sórdido." Ela fingiu um suspiro simpático. "Embora, em retrospecto, suponho que foi para o melhor. Seu pai exposto como o monstro que era, e você... bem, você encontrou sua verdadeira vocação, não é? Manipular homens de origem humilde."

Meu sangue gelou. O zumbido em meus ouvidos ficou mais alto. Lembrei-me do rosto presunçoso de Kiara no casamento, da tela do projetor exibindo as provas fabricadas, dos sussurros, das zombarias. Lembrei-me do jeito que Gustavo ficou lá, impassível, enquanto meu mundo implodia.

Lembrei-me de tentar explicar, de tentar fazê-lo ver a verdade. Mas ele apenas me encarou, seus olhos cheios de uma convicção arrepiante. "Você está doente, Juliana. Pervertida. Assim como seu pai."

Uma vozinha feroz rompeu minha névoa de dor. "Meu vovô não era um monstro!" Íris gritou, seus pequenos punhos cerrados. Seu rosto estava corado, seu peito arfando. "Ele era gentil! Você é o monstro!"

O sorriso açucarado de Kiara desapareceu. Seus olhos brilharam com puro veneno. "Cuidado com o tom, sua pirralha mal-educada!" Ela se lançou para frente, sua mão disparando. Eu me movi, mas não rápido o suficiente. Ela empurrou Íris.

Minha filha caiu para trás, atingindo Arthur, que passava correndo por nós naquele exato momento. Arthur, pego de surpresa, tropeçou, depois recuperou o equilíbrio. Ele não gostava de ser tocado, especialmente por Íris. Ele reagiu instintivamente, alimentado pelo ódio de Kiara. Ele empurrou Íris com as duas mãos. Mais forte.

Íris gritou, um som gutural de pura agonia, enquanto sua pequena cabeça batia na quina de uma cadeira de metal. Seus olhos reviraram. Um fino filete de sangue floresceu em sua têmpora, gritante contra sua pele pálida. Sua respiração falhou, depois parou.

Pânico. Pânico cru, primitivo e sufocante subiu pela minha garganta. "Íris!" Minha voz era um grito estrangulado. Caí de joelhos, embalando seu corpo mole. O sangue estava se espalhando. Seus lábios estavam ficando azuis. Ela não estava respirando.

Minha visão se afunilou. Vi o sorriso triunfante de Kiara, os olhos arregalados e aterrorizados de Arthur. Vi Gustavo, congelado, seu rosto uma máscara de horror. Todos os anos de abuso, as mentiras, a dor, a traição, culminaram neste único e devastador momento.

Algo se quebrou dentro de mim. Minha mão disparou, alimentada por uma raiva tão profunda que parecia uma entidade separada. Minha palma conectou-se com a bochecha de Kiara com um estalo doentio. A força do golpe a fez cambalear para trás, sua bolsa de grife voando.

"Sua... sua vadia desgraçada!" Eu gritei, minha voz crua, irreconhecível. "Você fez isso! Você sempre faz isso! Você tirou tudo! Minha família! Minha vida! E agora minha filha? Você é um monstro, Kiara! Um monstro parasita e odioso!"

Kiara agarrou sua bochecha ardente, seus olhos arregalados de choque e fúria. "Gustavo! Você viu isso? Ela está louca! Assim como disseram!"

Uma multidão se formou, um mar de rostos sussurrantes, todos me encarando. O julgamento deles, seu desgosto mal disfarçado, pareciam pedras atingindo meu espírito já quebrado. Louca. Desequilibrada. Perigosa. Eles me chamaram de coisas piores. Eles me trancaram por isso.

Arthur, ainda parado sobre a forma prostrada de Íris, começou a tremer. Seus olhos, fixos em sua irmãzinha, encheram-se de lágrimas. "Ela... ela está quebrada", ele sussurrou, sua vozinha rachando.

Gustavo finalmente se moveu. Ele pegou Íris em seus braços, seu rosto branco como papel, a mancha escura de sangue em sua têmpora um contraste gritante com sua camisa impecável. "Íris! Querida, acorde!", ele implorou, sua voz embargada de emoção. Ele se virou para seu assistente, que havia se materializado aparentemente do nada. "Chame um médico! Agora! Emergência! E tire a Kiara da minha frente!" Sua voz retumbou, crua com um medo desesperado que eu não ouvia dele há anos.

Os médicos se aglomeraram, suas palavras um borrão frenético. "Traumatismo craniano... parada cardíaca... precisamos estabilizar o batimento cardíaco dela... preparar para a cirurgia."

Gustavo, segurando Íris com força, seguiu-os para a sala de emergência. "Lista de transplante! Ela precisa de um coração! Eu pago qualquer coisa! Façam o que for preciso!"

Eu o vi ir, uma estranha mistura de satisfação e terror agitando-se em meu estômago. Ele agarrava sua filha, pensando que ela era uma estranha.

Íris, mal consciente, seus olhos se abrindo e fechando, estendeu uma mão fraca em direção a Gustavo. "Papai...", ela sussurrou, sua voz quase inaudível.

Gustavo congelou, seus olhos se arregalando. Ele olhou para Íris, depois para mim, um horror crescente se espalhando por seu rosto. Seu mundo cuidadosamente construído, suas mentiras meticulosamente elaboradas, estavam começando a se desfazer. Ele parecia um homem que tinha acabado de olhar para o abismo e visto o próprio reflexo.

"Papai?", ele repetiu, sua voz embargada. Ele olhou para Íris, depois enterrou o rosto em seu cabelo. Seus ombros tremeram. Ele estava chorando. Por Íris. Por nossa filha.

"Consigam uma compatibilidade! Encontrem um doador! Não me importa quanto custe!", ele gritou, sua voz grossa de lágrimas. Ele abraçou Íris com força enquanto os médicos a levavam, em direção à sala de cirurgia. "Encontrem uma compatibilidade!"

Kiara, com o rosto vermelho e inchado do tapa, havia sido levada pelo assistente de Gustavo. Ela estava chorando, seus soluços ecoando pelo corredor. Mas suas lágrimas eram por si mesma, por seu ego ferido, não por Íris.

A porta da sala de cirurgia se fechou, deixando-me sozinha no corredor silencioso e estéril. Minhas pernas cederam. Caí no chão, minhas mãos tremendo. A raiva se foi, substituída por uma resolução fria e calculista.

Ele finalmente está sentindo. A dor. O medo. O desespero. A impotência. Este foi apenas o primeiro pagamento. Haveria mais.

Meu telefone, apertado na minha mão, vibrou. Era uma mensagem de um número desconhecido. Sua entrevista foi confirmada. Fundação Dr. Matos. Vaga de assistente.

Um fantasma de sorriso tocou meus lábios. Minha vingança estava apenas começando. Não era apenas por Íris, mas por meu pai. Por tudo que eles tiraram.

            
            

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