Capítulo 4

Ponto de Vista: Juliana Campos

Eu balancei a cabeça, um movimento lento e deliberado que transmitia uma recusa profunda e não dita. Meu olhar estava fixo na parede, não nele. Arthur. O filho que ele roubou. O símbolo vivo e pulsante da minha ruína. Como eu poderia olhá-lo sem ver o passado, sem sentir a dor fantasma de cada chute, cada toque degradante que suportei enquanto o carregava? Ele era um lembrete constante e agonizante do homem que me destruiu sem esforço.

Sua presença em minha vida era um caco de vidro irregular, para sempre cravado em meu coração. Nenhuma quantidade de amor, nenhuma medida de instinto materno, poderia embotar completamente o fio daquele trauma profundo.

"Eu não posso", eu disse, minha voz plana. "Íris precisa de mim. Sempre." Era uma verdade conveniente, um escudo. Minha filha, minha verdadeira âncora, exigia minha atenção total.

A garganta de Gustavo se moveu, um nó visível se movendo enquanto ele engolia. Ele parecia querer discutir, implorar, mas as palavras morreram em sua garganta. Ele cerrou a mandíbula, depois se virou para sair, seus ombros caindo ligeiramente.

Ouvi o clique suave da porta se fechando atrás dele, um pequeno suspiro de alívio escapando dos meus lábios. Juntei as coisas de Íris, os poucos brinquedos e roupas gastas que possuíamos. Estávamos nos mudando. De novo. O dinheiro de Gustavo poderia oferecer uma gaiola dourada, mas eu não seria aprisionada por sua pena. Ainda não.

Deixei o diário na mesa de cabeceira, um testemunho silencioso e condenatório. Ele o encontraria. Ele o leria. E então, o verdadeiro trabalho começaria.

Mesmo com o inesperado ganho financeiro, procurei trabalho. Não porque precisasse do dinheiro, mas porque precisava da normalidade, da estrutura. E porque precisava ser vista lutando. Por ele. Por todos que acreditaram nas mentiras. Mas encontrar trabalho era uma piada cruel. Meu passado, os sussurros de "internada", "instável", "professora escandalosa", me precediam em todos os lugares. Portas se fechavam antes mesmo de eu chegar.

Então, procurei o tipo de trabalho que sabia que ele me encontraria fazendo. O tipo pesado e extenuante.

Não demorou muito para que eu me encontrasse esfregando o chão de uma cozinha de lanchonete imunda, o cheiro de gordura rançosa impregnado em minhas roupas. Minhas mãos, antes delicadas, hábeis em virar páginas de textos antigos, estavam agora ásperas, calejadas, manchadas de água de louça.

Eu estava curvada sobre uma pia, a água quente e ensaboada queimando minha pele rachada, quando a porta dos fundos rangeu. Uma sombra caiu sobre mim. Eu não precisei olhar para cima. O cheiro de um terno caro, a pura presença dele, era inconfundível.

"Juliana", a voz de Gustavo estava tensa, tingida de incredulidade, quase um suspiro.

Endireitei-me lentamente, minhas costas doendo, meu quadril gritando em protesto. Uma dor aguda e familiar atravessou meu lado esquerdo, o lembrete duradouro de uma surra brutal. Pressionei a mão no local, uma careta involuntariamente se espalhando pelo meu rosto.

Ele viu. Seus olhos, arregalados com um horror que achei perversamente satisfatório, correram para minha mão, depois para meu rosto. "O que você está fazendo aqui? E... suas mãos. O que aconteceu com suas mãos?" Ele deu um passo mais perto, seus olhos examinando meu rosto cansado, meu uniforme gasto. "Você está fazendo isso sozinha? Criando-a sozinha?"

Sozinha. A palavra ecoou em minha mente, um hino cruel. Você me condenou a isso, Gustavo. Você me deixou para apodrecer, para criar nossa filha em segredo, na pobreza. Lembrei-me das longas noites, trabalhando em dois, às vezes três, empregos de salário mínimo apenas para comprar fórmula e pagar o aluguel. Lembrei-me dos olhares frios, dos julgamentos sussurrados. Lembrei-me de cada momento de luta, de cada lágrima derramada em desespero silencioso. E depois, o cálculo frio e a resolução que me endureceram na mulher que sou hoje.

Arranquei minha mão da dele, minha voz áspera. "O que parece, Gustavo? Estou trabalhando. Algo que você não entenderia." Passei por ele, meu corpo gritando em protesto, tentando chegar à pia, mas minhas pernas cederam. Tropecei, caindo para frente.

Ele me pegou, seus braços se fechando em volta da minha cintura, puxando-me contra seu peito sólido. O cheiro dele - colônia cara, traços fracos de algo vagamente familiar de muito tempo atrás - encheu meus sentidos. Era um calor que eu ansiava por rejeitar, um conforto que eu desprezava. Seu toque era um eco cruel de um passado que havia sido irrevogavelmente estilhaçado.

Este calor. Este conforto enganoso. É uma mentira. Lembrei-me da última vez que ele me segurou, não com ternura, mas em um abraço zombeteiro, suas palavras como punhais.

"Você se acha tão esperta, Juliana?", ele zombou, arrastando-me pelos cabelos pelo chão frio e azulejado daquela mansão isolada, aquela que ele chamava de nosso "santuário". "Você acha que pode simplesmente se afastar do que fez? Do que seu pai fez?"

Kiara estava lá, observando, seus olhos brilhando com satisfação maliciosa. "Ela é uma desgraça, Gustavo. E ela sabe demais. E se ela falar?"

"Ela não vai", ele respondeu, seu aperto em meu braço se intensificando, torcendo-o até eu gritar. "Porque ninguém vai acreditar em uma mulher louca. Especialmente uma cuja família já está arruinada." Ele riu então, um som arrepiante e triunfante. "E além disso, agora temos provas. Provas de que seu pai era um pervertido. Provas de que você me seduziu. Tudo bem embalado. Sua carreira acadêmica, sua reputação, sua própria sanidade. Tudo se foi."

E então, a verdade real, entregue com o sorriso venenoso de Kiara. "Ah, a propósito, Juliana. Seu pai não morreu apenas em um acidente de carro. Ele estava fugindo da polícia, tentando escapar das acusações. Nós garantimos que as provas fossem... convincentes. E sua mãe? Ela não aguentou a vergonha. Que pena."

O mundo girou. Meu pai, fugindo? Minha mãe, morta por suas próprias mãos por causa das mentiras deles? Eu me lancei sobre Kiara, um rugido primal rasgando minha garganta, minhas mãos alcançando sua garganta.

Gustavo me puxou para trás, um punho brutal conectando-se com meu abdômen. A dor foi excruciante, lancinante. Caí no chão, tossindo, sangue enchendo minha boca. "Você está carregando meu filho, Juliana! Você não vai machucar a Kiara!", ele rosnou, seus olhos ardendo com uma fúria aterrorizante. "Você vai pagar por isso."

No dia seguinte, as contrações começaram. Cedo. Cedo demais. Eu estava sangrando. Implorei por um médico, por ajuda, mas ele apenas observou, seu rosto impassível. "Você trouxe isso para si mesma", ele repetia, de novo e de novo, como um mantra. Quando a dor se tornou insuportável, quando senti a vida se esvaindo de mim, só então ele chamou por atendimento médico. Naquela altura, era tarde demais. Arthur nasceu prematuramente, lutando por sua vida, enquanto eu jazia em uma névoa induzida por drogas, mal me agarrando à minha própria sanidade.

Uma batida forte no balcão de metal me tirou da memória aterrorizante. A mão de Gustavo estava na minha testa. Minha cabeça estava girando. A dor em meu abdômen era uma pontada surda.

"Juliana?", ele murmurou, sua voz tingida de preocupação genuína. Seus olhos estavam arregalados, confusos. "O que aconteceu? Você simplesmente... desmaiou."

Íris, que estava sentada pacientemente em uma pilha de baldes virados, saltou. Ela estava agarrada a uma boneca velha e gasta, seu santuário. Ela acidentalmente derrubou um pequeno diário de couro marrom. Ele deslizou pelo chão, parando aos pés de Gustavo. Era aquele que eu deixei no hospital.

Ele se abaixou, seu olhar caindo nas páginas abertas. Seus olhos se arregalaram, fixando-se na caligrafia elegante, na escrita familiar. A caligrafia de sua irmã. Ele o pegou. Ele leu. Seu rosto se desfez. Os últimos vestígios de sua compostura se estilhaçaram.

Um grito gutural rasgou sua garganta, ecoando pela cozinha silenciosa. Ele cambaleou para trás, agarrando o diário contra o peito, seus olhos ardendo com uma dor tão profunda que torceu suas feições em uma máscara de pura agonia. Ele soltou um soluço estrangulado, um som tão cru e quebrado que me gelou até os ossos. Este era o som de um homem confrontando uma verdade que ele havia desesperadamente enterrado.

            
            

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