Capítulo 6

Ponto de Vista: Juliana Campos

Gustavo havia lido o diário de sua irmã. Eu sabia. A evidência estava em seus olhos, na maneira como ele evitava meu olhar quando nos cruzávamos no corredor, na palidez sutil de sua pele. Ele estava assombrado. A verdade, finalmente revelada, era um ácido corrosivo, consumindo suas ilusões cuidadosamente construídas.

Eu nunca mencionei o diário. Nunca trouxe à tona o passado. Eu simplesmente existia, uma presença quieta, quase espectral em sua casa luxuosa, movendo-me com uma graça proposital e silenciosa. Meu silêncio era uma arma mais potente do que qualquer acusação.

Kiara Lacerda desapareceu. Não com um estrondo, mas com um gemido. Ouvi sussurros das empregadas, telefonemas abafados no escritório de Gustavo. Ele não apenas a dispensou. Ele desmantelou sistematicamente a vida dela.

"Ela perdeu tudo", ouvi seu assistente, um jovem nervoso, confidenciar a uma governanta. "O Medeiros mandou todos os bens da família dela para uma empresa de fachada nas Ilhas Cayman. E depois as fitas... aquelas que a Kiara fez, implicando-se no escândalo Matos... elas simplesmente 'apareceram' em todos os principais veículos de notícias. Ela está enfrentando múltiplos processos. Fraude, difamação, conspiração. Dizem que ele até vazou algo sobre as contas dela no exterior. A Receita Federal está envolvida."

Um fantasma de sorriso tocou meus lábios. Gustavo, sempre o predador. Ele sabia como destruir. E ele estava fazendo isso por mim. Um ato de expiação distorcido e violento. Era uma satisfação, uma justiça fria e dura.

Lembrei-me dos sussurros nos corredores da USP, dos olhares velados, do desdém mal disfarçado. "Juliana Campos, a professora que dormiu com seu aluno." "Dr. Matos, o pervertido que se aproveitava de jovens." Kiara havia orquestrado tudo, plantado as sementes da dúvida, tecido a teia de mentiras. Ela sempre me odiou, invejou meu intelecto, minha conexão com Gustavo. Ela me via como uma ameaça, uma usurpadora de seu lugar de direito ao lado dele.

Eu tentei ignorá-la, superar o ciúme mesquinho. Eu defendi Gustavo, ferozmente, contra as acusações de que ele era um aluno manipulador. Eu, tolamente, acreditei nele, acreditei em nós. Quando a universidade me chamou, questionou minha ética, meu julgamento, eu me mantive firme, recusando-me a traí-lo, recusando-me a negar nosso amor, mesmo que isso me custasse tudo.

"Você poderia simplesmente dizer que ele se aproveitou de você, Professora Campos", o reitor insistiu, sua voz oleosa de preocupação. "Poderíamos proteger sua carreira. E então poderíamos lidar com a... situação infeliz do seu pai."

"Não", eu disse, minha voz tremendo, mas resoluta. "Eu amo o Gustavo. E meu pai é inocente. Eu não vou mentir."

E minha recompensa? Traição. Internação. A perda do meu filho. As mortes dos meus pais. Kiara foi a arquiteta de tudo, alimentada por seu amor obsessivo por Gustavo e seu ódio venenoso por mim.

A porta do meu quarto se fechou com um clique. Fiquei ali, encostada nela, cortando o olhar demorado de Gustavo. Ele estava me observando do corredor, um olhar assombrado em seus olhos.

Um baque suave contra minha perna. Íris. Ela havia deixado cair um livro colorido e se lançado em meus braços, seu corpo pequeno um conforto quente e sólido.

Eu a abracei com força, enterrando o rosto em seu cabelo macio. "Minha doce menina", murmurei, beijando sua testa. Enfiei a mão no bolso, tirando um pequeno doce embalado individualmente. "Para você."

Os olhos de Íris se iluminaram. Ela o desembrulhou com cuidado, colocou-o na boca e depois olhou para o doce restante na minha palma. Meu olhar vagou para o canto do quarto, perto da grande poltrona onde Arthur costumava se sentar, lendo. Ele estava lá agora, curvado sobre um livro grosso, fingindo não nos notar.

Íris, sentindo meu pensamento não dito, estendeu seu doce. "Arthur, você quer um?", ela perguntou, sua voz doce e inocente.

Arthur recuou, seus ombros tensos. Ele não olhou para cima. Ele ainda estava desconfiado, ainda distante.

"Ele não gosta de doces, querida", eu disse gentilmente, mas Íris balançou a cabeça.

"Gosta sim! Ele me disse! Ele só finge que não. Eu trouxe este só para ele!" Ela estendeu o doce, uma pequena oferenda de amizade.

Arthur lentamente levantou a cabeça. Seus olhos, tão parecidos com os de Gustavo, estavam arregalados e hesitantes. Ele olhou de Íris para mim. "Isso... isso é para mim?", ele perguntou, sua voz mal um sussurro.

Meu coração doeu com uma emoção estranha e complexa. Arthur. Meu menino. Um pedaço do meu coração que eu não sabia como recuperar. Ele estava preso no fogo cruzado de uma guerra da qual não sabia nada. O gelo ao redor do meu coração, meticulosamente construído ao longo de seis anos, começou a rachar, uma fissura minúscula, quase imperceptível.

Eu sorri, um sorriso suave e encorajador, e assenti. "Sim, Arthur. Íris escolheu esse especificamente para você."

                         

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