Havia uma urgência estranha em seu tom, um lampejo de algo quase humano. Ele se ajoelhou, sua mão pairando, incerto de como ajudar.
Uma risada amarga e sem humor escapou dos meus lábios, com gosto de sangue e traição. *Agora você se importa? Agora, depois de me vender?* Eu só queria desaparecer, me dissolver no pavimento quebrado.
Meu corpo estava falhando. Uma nova agonia floresceu em meu lado, um calor úmido se espalhando contra minhas roupas. Tentei me mover, falar, mas apenas um arquejo rouco escapou.
Sereias uivavam à distância, cada vez mais altas. Logo, paramédicos invadiram o pátio, seus rostos sombrios. Eles trabalhavam com eficiência praticada, suas vozes um murmúrio baixo enquanto avaliavam meus ferimentos.
Então, um gemido agudo.
"Caio! Meu tornozelo! Acho que quebrou!"
Eva. Ela mancou para a vista, apoiada por um dos guardas de Medeiros, uma careta delicada no rosto. Seu tornozelo, talvez levemente torcido, mas certamente não quebrado. Um mero arranhão comparado à ruína do meu corpo.
A cabeça de Caio se ergueu bruscamente. Seus olhos, momentos atrás fixos em mim com uma preocupação confusa, agora se voltaram para ela, perdendo instantaneamente o foco em minha situação.
"Eva! Você está bem? O que aconteceu?" Ele correu para o lado dela, seu braço instintivamente envolvendo-a.
Os paramédicos, com as sobrancelhas franzidas, olharam entre nós.
"Senhor, esta mulher está em estado crítico. Ela precisa de transporte imediato."
Caio acenou com uma mão desdenhosa.
"Ela é sempre dramática. Eva, diga a eles o que você precisa." Ele voltou toda a sua atenção para ela, segurando seu rosto em suas mãos.
Eva, sempre a atriz, fingiu uma tontura, balançando levemente.
"Ah, Caio, eu... acho que vou desmaiar. Minha cabeça... está latejando." Ela fechou os olhos, desabando graciosamente em seus braços.
"Ela precisa de cuidados!", Caio rugiu para os paramédicos, sua voz carregada de pânico. "Levem-na para o hospital agora! Os melhores médicos!"
Uma das paramédicas, uma mulher experiente com olhos gentis, deu um passo à frente.
"Senhor, com todo o respeito, esta jovem tem uma hemorragia interna grave. A vida dela está em perigo. A Srta. Dantas parece estável."
"Você está me questionando?" A voz de Caio baixou, perigosamente. "A prioridade é a Eva. Você entende?"
Observei através de olhos semicerrados enquanto ele levantava Eva em seus braços, carregando-a como uma boneca frágil. Os olhos de Eva se abriram por uma fração de segundo, encontrando os meus. Não havia pena, nem preocupação. Apenas um brilho frio e triunfante. Então ela os fechou novamente, uma expressão serena e vitimizada se instalando em seu rosto.
Ele passou por mim, por meu corpo quebrado, como se eu fosse invisível, um mero inconveniente. Ele a escolheu. De novo. Sempre ela. A última coisa que vi antes que a escuridão me reivindicasse novamente foi a figura de Caio se afastando, embalando Eva, deixando-me sangrando na pedra fria.
Acordei novamente, desta vez em uma suíte de hospital particular, um quarto muito opulento para uma mera paciente. Meu corpo era uma tapeçaria de dor, mas as máquinas zumbiam uma melodia mais suave. Um médico gentil explicou a extensão dos meus ferimentos: múltiplas fraturas, hemorragia interna, um pulmão colapsado.
"Você teve muita sorte, Sra. Almeida. Mais alguns minutos, e..." Ele não precisou terminar a frase.
Fiquei ali, olhando para o teto impecável, uma calma estranha se instalando sobre mim. Eu havia sobrevivido. De novo.
Uma conversa abafada vinha do corredor, trechos de palavras chegando aos meus ouvidos. "...Caio Almeida... furioso... Juiz Medeiros... retaliou... destruiu ele completamente... pelo que fez com a Isabela..."
Meus olhos se arregalaram. Caio retaliou contra Medeiros? Por mim? Uma risada amarga ameaçou escapar. Ele não se importou o suficiente para salvar meu pai, ou mesmo para garantir que eu recebesse atendimento médico. Isso não era sobre mim. Era sobre sua propriedade, sua reputação. Medeiros ousou tocar no que Caio considerava seu, e Caio, em sua possessividade distorcida, revidou. Era uma justiça cruel e sombria, totalmente egoísta.
Dias se transformaram em semanas enquanto eu lentamente começava a me curar. A presença de Caio era um membro fantasma, um vazio dolorido. Ele aparecia nas notícias, cobrindo Eva de presentes, mimando-a publicamente em galas de caridade. Ela, é claro, estava perfeitamente recuperada, seus "ferimentos leves" esquecidos.
Olhei para minhas mãos, antes tão vivas com música e arte. Elas ainda estavam enfaixadas, rígidas e desajeitadas. Senti falta do sussurro do carvão no papel, da vibração vibrante das cordas do violoncelo. Minha antiga vida parecia um sonho distante, um que eu temia nunca mais poder recuperar.
Mas uma nova determinação queimava dentro de mim. Essa dor, essa humilhação, esse ciclo interminável de traição... tinha que acabar. Eu iria me curar. Eu iria desaparecer. E então, eu faria todos eles pagarem. O pensamento era uma promessa silenciosa sussurrada para minha alma machucada.