Haviam várias pessoas espiando de suas casas, a maioria com medo demais de se aproximar, mas outras, assim como eu, andavam decididas até o trem.
- Fred! - escutei a voz de minha mãe, provavelmente da janela do quarto, atrás de mim, mas fingi que não estava escutando.
Meus olhos estavam fixos no trem. Ele era muito maior do que parecia de longe e em movimento. Era metade vermelho e metade de um cinza reluzente, muito diferente das cores que eu estava costumado.
- Alfredo! - a voz do meu pai soou mais forte, realmente brava.
Na falta de uma opção melhor, corri. Já estaria encrencado de qualquer forma, então não custava chegar bem pertinho e ver melhor algo que jamais aconteceria.
Dava para ver os vultos dos passageiros se movendo lá dentro, e até algumas vozes reclamando pela parada incomum. Algumas pessoas pareciam verdadeiramente descontentes por estarem paradas no Bairro das Sombras.
Contornei o trem pelo fundo e fui para o outro lado, totalmente fora da vista das outras pessoas, tanto de dentro do trem quanto as curiosas como eu. Ninguém mais se atreveu a ir tão longe, então o lugar estava completamente silencioso.
Uma porta se abriu com um rangido, bem no fundo do trem, e uma cabeça surgiu. Era um garoto, tremendamente loiro, e seus olhos se arregalaram quando me viu.
- Acho que você não devia estar aqui. - seu tom foi um pouco arrogante.
- Eu só estou no meu bairro. - dei de ombros.
Ele fechou a porta e pulou do trem. Depois caminhou até mim com passos decididos.
- Você mora aqui?
- Claro. - respondi observando suas bochechas avermelhadas na pele clara - Você mora no Bairro do Sol Nascente?
- Eu moro em todo lugar. Mas, se quer saber se conheço o bairro, a resposta é sim.
- Mas nunca esteve aqui?
- Aqui não.
Algumas vozes alteradas cortaram o silêncio, junto com passos pesados dentro do trem. Os olhos do garoto se alarmaram.
- Certo, garoto das sombras. Estou adorando essa nossa conversa, mas haveria algum lugar onde poderíamos nos esconder?
Olhei ao redor, para a vegetação escassa, e a única coisa que conclui foi nos deitar atrás dos arbustos.
- Venha. – o chamei.
O garoto obedeceu sem questionar, nem mesmo pareceu incomodado em deitar com suas roupas limpas na terra. Ficamos com as cabeças lado a lado, em silêncio, e notei como ele parecia ter usado algum perfume recentemente.
- Nada, chefe! – uma voz gritou bem perto de onde estávamos – Acho que ele não está por aqui.
- As pessoas estão começando a reclamar. É melhor continuar o caminho. – completou outra.
Escutei a porta do trem abrir e fechar outra vez, mas nenhum de nós se moveu. Cerca de cinco minutos depois o trem voltou a funcionar com toda a força.
- É, isso foi encantador. – o garoto se levantou e espanou a roupa com as mãos – Você, quem é?
- Fred. – o imitei, embora não me preocupasse com o estado de minhas roupas – E você?
- Patrick. Muito prazer. – ele estendeu a mão para mim – E obrigado pela ajuda.
- Não foi nada. – aceitei sua mão, era grande e com dedos longos.
- Alfredo! – escutei uma voz esbravejando perto demais.
Meus pais estavam chegando, ambos com expressões assustadoras, seguidos por minhas irmãs.
- Droga. – resmunguei.
- Alfredo? – Patrick ergueu uma sobrancelha para mim.
- Fred é apelido. – expliquei rapidamente.
- Alfredo, como você pode fazer algo assim! – mamãe exclamou, mas então percebeu o garoto ao meu lado e freou um pouco – Oh, olá.
- Olá, senhora. Meu nome é Patrick. – ele pareceu tão simpático que até meu pai suavizou a expressão.
- Sou Carolina. – minha mãe se apresentou – Esse é Roger.
- Muito prazer, senhor.
Meu pai apertou a mão sem muita certeza.
- Eu sou Adela. – minha irmã, um ano mais nova que eu, deu um passo a frente com uma expressão estranha.
- Olá, senhorita. – os olhos de Patrick brilharam – Por acaso vocês são gêmeos? – ele olhou para mim com surpresa.
- Não. Eu sou mais velho por um ano. – esclareci, ainda estranhando a expressão de Adela.
- Eu sou Arabella. – a próxima irmã se colocou ao lado da mais velha. Também tinha um olhar vidrado.
- Olá. – repetiu Patrick, agora um pouco mais distraído – E você, pequena?
A caçula o olhava com a boca entreaberta. Era pequena demais, suponho, para imitar a expressão das outras duas.
- Anastasia. – ela respondeu num sussurro, ainda o encarando.
Meu pai resolveu tomar as rédeas da situação diante do comportamento pouco comum das filhas.
- Vamos para casa. – ordenou, pegando a pequena Anastasia pela mão.
- Isso, meninas. – minha mãe se apressou em concordar – E você também, Fred.
Contrariadas, minhas irmãs deram meia volta e os seguiram. Fui mais atrás e Patrick se colocou ao meu lado.
- Família grande, meu caro.
- É, pois é. – dei de ombros.
Ele não saiu do meu lado até que estivéssemos em casa. Pensei várias vezes em fazer perguntas sobre sua vida, principalmente sobre o que ele sabia do bairro do Sol Nascente, mas meus pais estavam pertos demais.
Adela, sem perder a oportunidade, girou graciosamente em direção a Patrick e sorriu:
- Gostaria de tomar um café com a gente?
Meu pai franziu a sobrancelha, afinal o café da manhã mal dava para nós seis, mas ele seria incapaz de ser grosseiro com um rapaz tão educado como aquele. Minha mãe, sorriu meio sem graça.
- Eu adoraria! – Patrick respondeu com um sorriso deslumbrante – Se não for atrapalhar. – acrescentou, olhando para meus pais.
- Não, claro que não. – meu pai se apressou em dizer – É nosso convidado.