Vi ele tirar um golfinho e um jarro de flores azuis de dentro da mochila. Ele os colocou no chão e eu olhei para o seu rosto. Não consegui não sorrir ao ver seu rosto coberto por tinta colorida. Ele está parecendo um palhaço.
-O que é tão engraçado? -Sorriu também e continuou tirando as coisas de dentro da mochila. Dessa vez tirou um cachorrinho com um laço amarrado no pescoço. Por que é que ele está com essas coisas na mochila?
-Você. -Continuei sorrindo.
-Está tudo bem? -Ele pegou em meu rosto e olhou dentro do meu olho que quase não está mais aguentando ficar aberto. -Eles te drogaram?
-O que? -Minha cabeça quase caiu quando ele retirou as mãos. -Eu acho que não.
-A quanto tempo você não dorme, Alexia? -Se levantou.
-Eu não sei. -Tentei pensar mas a única coisa que vem em minha mente é um enorme lago com as águas cintilantes.
-Cacete, deve ter sido desde quando você veio pra cá. -Passou a mão no cabelo. -Ok, olha, você precisa descansar.
-Não preciso não. -Minha voz falhou. -Eu não... eu não posso.
-Ninguém vai machucar você.
-Você. -Falei.
-O que tem eu? Eu já disse que não vou fazer mal algum a você. -Se abaixou mais uma vez e pegou o golfinho. -Toma, bebe um pouco.
-Quer que eu beba um golfinho? -Ri.
-É água. -Trouxe em direção a minha boca. -Precisa se hidratar.
Assim que o líquido encostou em meus lábios, senti minha garganta agradecer por isso e não consegui parar de beber até acabar tudo.
-Mais. -Pedi.
-Eu só tenho isso. -Pegou o jarro de flores azuis. -Trouxe comida.
-Eu... -Minha cabeça girou por um momento. -Eu quero ir pra casa.
-Sei que quer. -Colocou o jarro em minha boca. Tem gosto de frango. -Mas eu não posso te ajudar a fazer isso.
-Por quê? -Perguntei de boca cheia.
-Bom, porque... porque isso poderia fazer o Carter meter um tiro em minha testa. E eu não estou afim de morrer por agora. -Sorriu.
-Qual é o seu nome? -Olhei para o seu rosto ainda cheios de tinta.
-Eu não posso dizer o meu nome. -Sorriu mais uma vez. -Isso poderia me comprometer.
-Eu queria poder te chamar de alguma coisa. -Tentei tocar seu cabelo só que ele está longe demais. -Talvez eu te chame de Finn.
-Finn? -Me olhou sem entender.
-Nunca assistiu The 100? Qual é, o que você faz no seu tempo livre?
Ele riu um pouco e trouxe o jarro mais uma vez para minha boca.
-Acredite se quiser mas eu quase não tenho tempo livre.
-E quantos anos tem, Finn? -Mastiguei.
-Já disse que não posso responder, Alexia.
-É só uma idade. -Engoli. -Eu tenho 17. Fiz 17 ontem, pelos meus cálculos.
-Dezessete... -Repetiu em voz baixa. -Muito bem. Eu tenho 19.
-Chutei certo. -Sorri. -Finn. -O chamei. -Você tem namorada? Porque eu te achei um gatinho.
-Não. -Riu. -Ninguém quer namorar um cara que é viciado em drogas.
-Ah, meu Deus. -Olhei para cima. -Eu não devia ter dito isso. Eu acho que... acho que tenho namorado.
-Mesmo? E como ele se chama?
-Eu não... -Pensei. -Não consigo me lembrar.
A maçaneta da porta girou e isso fez Finn se levantar rapidamente.
-Merda. Carter deve ter voltado mais cedo. -Guardou tudo dentro da mochila. -Escuta, você vai ter que fingir que eu não estive aqui, entendeu? -Concordei. -Entendeu mesmo?
-Sim, e-eu entendi. -Concordei repetidas vezes.
-Ótimo. -Correu até umas caixas que possui aqui e se escondeu logo atrás no momento em que a porta se abriu.
-Olá, querida. -Carter entrou e olhou para mim. -Nossa, você está acabada. Sinto muito por ter te deixado nessa cadeira. Deve estar sendo bem desconfortável.
Não o respondi.
-Talvez eu pense em te soltar. Isso, é claro, se você colaborar comigo. -Se aproximou. -Bom, eu tenho que fazer uma ligação agora e eu gostaria muito que você escutasse. Já que essa ligação vai definir o seu futuro. -Sorriu e começou a discar no celular.
Olhei na direção do lugar em que Finn está escondido e ele fez um sinal para eu ficar em silêncio.
-Ayanna, que bom falar com você. -Sorriu e começou a andar pelo cômodo. -Espero que já tenha uma resposta pra mim.
Zack narrando:
Hoje fazem 5 dias que a Alexia está desaparecida. É sábado, dia em que Ayanna vai ter que dizer ao sequestrador que não conseguimos o dinheiro. Porque é isso o que ela vai ter que fazer, já que não arranjamos os cinquenta mil dólares. Nossa única chance era o senhor Gomes. Mas definitivamente não posso contar a ele a verdade. Se eu fizer isso, estarei colocando a minha mãe na cadeia. Mas isso também quer dizer que eu posso estar matando a Alexia agora.
Não sei o que fazer. Não sei como escapar dessas duas opções.
-Zack, seu telefone! -Valentina me gritou do primeiro andar.
Assim que cheguei lá, peguei o celular e olhei no visor. É um número desconhecido.
-Alô?
-Fica quieto. Carter está me ligando agora. Vou te deixar na chamada pra você escutar tudo.
-Tá, tá. -Saí da cozinha e corri em direção ao meu quarto.
-Ayanna, que bom falar com você. Espero que já tenha uma resposta pra mim.
Ela respirou fundo antes de responder.
-Como está a garota?
-Bem, bem. Agora vamos ao que interessa. Conseguiu o meu dinheiro?
-Eu... -Ficou quieta um pouco. -Eu tenho dez mil.
-O que? Está brincando comigo, né?
-Isso é tudo o que tenho, Carter, por favor.
-Você é surda por acaso, sua imbecil!? -Gritou. -Eu pedi cinquenta mil.
-Mas eu não tenho tudo isso, eu... olha, eu só tenho isso. Por favor.
-Eu tenho cara de palhaço, Ayanna? Ãhn? Tenho cara de idiota?
-Eu juro que te pago tudo. Te pago com juros. Mas por favor deixa a garota vir embora.
-Não é assim que funciona.
-Eu te pago. Nem que eu tenha que vender tudo o que tenho. Só deixa ela voltar pra casa. Ela não tem nada a ver com nós dois. Isso é entre eu e você.
-O que? O que é que você está fazendo aqui dentro?
O sequestrador parece estar falando com outra pessoa.
-Carter. -Ayanna tentou chamar sua atenção.
-Por que caralhos você está aqui dentro!? -Gritou.
-Não faça nada, por favor. -Escutei a voz de Alexia e isso me fez ficar alerta.
-Quer saber, eu me cansei de você.
Um som de tiro fez eu jogar o celular pra longe.
-Não, não, não. -Tentei controlar minha respiração mas o nervosismo me fez começar a andar de um lado para o outro.
Fui na direção em que joguei o celular e o peguei com as mãos tremulas.
-Alô. -Quase não consegui falar. -Ayanna...
-Eu não... me desculpa, Zack. -Sua voz está de choro.
-Não. -Passei a mão no cabelo. -Ele não... ele não pode. Ela está... viva ainda, Ayanna. Eu sei que está. Nós só temos que ir atrás dela e...
-Não tem mais o que fazer, filho.
-O que está dizendo? -Pude sentir meus olhos se encherem de lágrimas. -Que merda você está dizendo!? -Não consegui segurar o choro preso dentro de mim. -Não.
-Fizemos tudo o que estava em nosso alcance.
-Isso tudo é culpa sua! -Gritei. -Você a matou. -Passei a mão no nariz.
-Zack, eu...
-Eu nunca mais quero te ver. -Sequei as lágrimas. -Fica longe de mim.
Desliguei a chamada e fui em direção a minha estante. Comecei a soca-la e isso fez todas as minhas coisas caírem no chão. Algumas já quebradas.
-Não! -Soltei o grito que estava preso dentro de mim e continuei a quebrar tudo o que achei pela frente.
-Zack, o que está acontecendo? -Escutei a voz de Valentina vindo da porta. -Meu Deus.
-Tina, ela... ela... -Solucei e quase senti o choro me controlando.
-Ei, está tudo bem. -Se aproximou de mim. -Está tudo bem.
-Ele a matou. Ele a matou. -Repeti diversas vezes e isso fez ela me abraçar. -Ela está morta.
-O que está dizendo?
-E-Eu escutei. Escutei o tiro. Escutei tudo. -Me separei dela. -A Alexia morreu.
Ela colocou a mão na boca e pareceu ter ficado surpresa.
-Mas como você...?
-Foi a minha mãe.
-O que? -Negou.
-Ela não morreu. As duas acabaram se encontrando no dia em que a Alexia foi sequestrada.
-E por que você não contou pra polícia? Eles poderiam ter ajudado, eles...
-Eu não sabia o que fazer. -Funguei o nariz. -Se eu fizesse isso poderia estar fazendo minha mãe parecer suspeita, e isso a faria ser presa.
-Meu Deus. -Ela andou pelo quarto e foi até minha cama. -O senhor Gomes já sabe disso?
-Como acha que vou contar pra ele que a filha dele está morta?
-O que?
Nós dois olhamos assustados em direção a porta e o encontramos parado com os olhos arregalados.
-Senhor Gomes... -Comecei a falar.
-Morta? Como assim morta?
-Eu estava na ligação no momento em que ela foi baleada. -Quase não consegui dizer.
Ele permaneceu em silêncio e segundos depois deu a volta e saiu andando. Comecei a caminhar para ir atrás mas Tina segurou meu braço.
-Não. Deixa ele. Ele precisa um momento sozinho.
Quando eu ia acrescentar mais alguma coisa, escutamos um grito e coisas caindo no chão.
-O que está acontecendo? -Dessa vez foi Alysson que veio correndo até aqui. -Por que está todo mundo gritando?
Ao escutar ela fazendo essa pergunta, senti meu peito se apertando mais uma vez ao perceber o que tinha acontecido.
-Meu Deus. -Senti minhas pernas enfraquecerem e acabei sentando no chão. -Eu não estou me sentindo bem, Tina. -Falei ao me sentir bem estranho. Com a respiração pesada, tremendo... parece até o que eu senti daquela vez que Alexia me encontrou no quarto.
Alexia.
Eu nunca mais vou ver ela? Nunca mais vou poder abraça-la? Então quem vai me socorrer quando eu precisar? Quem é que vai me aconselhar quando eu estiver perdido?
Como é que eu vou seguir com a minha vida? Eu não tenho mais ninguém. Não tenho mais ninguém.
-Ei, olha pra mim. -Tina pegou em meu rosto. -Quer ir ao hospital?
-Não, eu não... -Comecei a chorar mais uma vez.
E assim, eu pude sentir que uma parte de mim havia sido arrancada diretamente do meu peito. É como se a qualquer momento eu fosse desmoronar no chão. É como se tudo ao meu redor tivesse simplesmente parado de funcionar. E foi assim que eu percebi que eu nunca mais vou ver a pessoa que eu amei verdadeiramente em minha vida.
Instagram do livro: @thaynnarabooks