Após ficar no parque mais cedo percebi que não teria onde dormir, até que vi um lugar mais escondido, com algumas árvores e decidi que seria ali que eu passaria a noite. Como eu estava com fome por só comer dois pães com um pouco de água o dia todo, eu fui tentar dormir para parar de sentir a dor em minha barriga.
-Eu não tenho culpa se você é uma garota rebelde que fugiu dos pais, agora saia daqui- diz o guarda zombando da minha situação, instantaneamente com as suas palavras meus olhos enchem de lágrimas e sem querer ouvir mais palavras venenosas eu coloco a minha mochila nas costas e saio dali.
As pessoas realmente são más, ele simplesmente supôs na mente dele algo que não é verdade. Ele em nenhum momento se preocupou em perguntar se eu estava bem, o do porquê de eu está nessa situação. O todo poderoso, o que tudo sabe, afirmou algo sem ter base nenhuma. Mas tudo bem, isso não é nenhuma surpresa, são apenas pessoas me mostrando que estou certa, não devo confiar em ninguém, não devo esperar nada de nenhuma pessoa. Príncipes encantados só existem em desenhos e no mundo real aquele que não se salva, acaba morrendo.
Caminho mais um pouco pela rua que está sem movimento, não sei que horas são, mas já é tarde da noite, as pessoas a essa hora devem estar em suas casas, alimentadas e quentinhas embaixo da coberta de suas camas. Como está perto do meu aniversário, eu sabia que teria que sair do orfanato e passar a viver sozinha, coisa que eu já era, sozinha. No entanto, eu teria todo o suporte para achar um local para eu morar e um emprego. Mas nem isso eu pude ter. A vida me dar algo e depois ela toma, a única coisa que eu tinha era o orfanato e até isso foi tirado de mim.
Com os meus pés cansados de caminhar, avisto uma mulher deitada na calçada com duas crianças, decido ficar próximo a ela, eu sei que não devo confiar em ninguém, mas pelo fato dela ser mulher e está com crianças meu cérebro fórmula que aquela mulher não fará nada a mim, ela não tem como, não com duas crianças. Ao sentar na calçada, a mulher me olha desconfiada.
-Boa noite- digo. Mas ela não responde e o silêncio volta reinar ao local, com algumas olhadas dela para a minha direção. Será que ela acha que vou machucar ela e as crianças?. Ao ficar remoendo isso em minha mente, levo um pequeno susto ao ouvir o som das crianças chorando.
-Mama, fome- diz uma menininha que aparenta ter 2 anos puxando a camisa da mãe para baixo, deixando dessa forma um dos seus seios exposto, e prontamente a criança o suga, entretanto após alguns segundos mamando a criança larga o peito e chora mais alto ainda. O que me deixa confusa.
-Mama, fome- repete mais uma vez apertando o seio da mulher.
-Calma, meu anjo. Vamos dormir que passa- a mulher diz tentando acalmar a criança em seu colo e mesmo no escuro da noite percebo que ela chora.
- Mamãe, eu também estou com fome- dessa vez quem fala é um menino na faixa dos quatro anos. - Minha barriga dói, mamãe- diz chorando. E então o choro da mulher se junta aos dos filhos. Compadecida com toda a situação a chamo.
- Senhora - ela olha para mim. Continuo - Eu tenho alguns pães aqui, sei que é pouco, mas posso lhe dar 4 pães. E também um pouco de água. -ela olha para mim e chora escondendo o seu rosto com as mãos. A quanto tempo eles não comem?
Pego o saco de pão na mochila e retiro 4 pães, deixando dois para mim. - Tome, você precisa mais do que eu-ela fica parada olhando para o saco com os pães, e a atitude vem da criança de 4 anos que pega o saco da minha mão e abre pegando um pão e dando uma mordida.
-Obrigada, você é um anjo. Já tem 3 dias que não comemos nada, e nem mais leite o meu seio produz- fala em meio ao choro e eu choro junto com ela. -Que Deus lhe abençoe, pois eu não tenho como- diz com um olhar de gratidão. Ela pega o saco na mão da criança e pega o pão oferecendo a menininha que também come e ela faz o mesmo. Quando eles terminam de comer os pães, ofereço água para todos eles que bebem no copo descartável. E após algumas horas ver aquelas duas crianças dormindo tranquilamente me deixa satisfeita por poder pelo menos diminuir um pouco da sua dor. E não importa que para isso eu tenha tido que abrir mão de algumas coisas.
- Como uma menina tão boa e bonita veio parar aqui?- a mulher me pergunta me tirando dos meus devaneios. Eu olho diretamente em seus olhos e digo:
- A maldade do ser humano me trouxe até aqui- digo e seu olhar de curiosidade se transforma em pena. - E imagino que foi o mesmo motivo de você estar aqui-continuo a dizer e em seu olhar enxergo tristeza.
- Sim- ela diz cobrindo os seus filhos com um pano com vários rasgos e fecha os olhos. E entendi aquilo como se o assunto estivesse terminado, e eu respeito a sua escolha, pois assim como ela, eu não queria me aprofundar em lembranças dolorosas.
E sentada na calçada em meio ao silêncio, com a visão da lua cheia e das estrelas acima da minha cabeça, peço a Deus que cuide de mim, e que me ajude nessa difícil fase da minha vida.