A mulher com as duas crianças, que ainda não sei o nome, guarda as suas coisas que estão todas molhadas em um saco plástico, em seguida segura as mãos dos seus filhos que choram e tremem de frio levando eles para longe da vista da terrível mulher, que com a saída deles olha para mim de forma esnobe e depois entra na casa. Saindo da inércia que estava o meu corpo, por ainda está processando tamanha crueldade, coloco a mochila nas costas, a mochila não estava molhada pelo simples fato de que eu estava deitada sobre ela quando tudo aconteceu. Caminho rapidamente com o intuito de alcançar aquela família. As crianças deixaram o lugar assustada, com medo, e eu queria saber se eles estavam bem, e se não como eu poderia ajudar. Como eu sou boba, claro que nenhum deles estão bem, nem a mãe, nem as crianças e nem eu. Porém o olhar dos pequenos foi de cortar o coração, que eu nem ligo para os meus próprios traumas. Eu sou adulta conseguirei lidar com isso, mas elas são crianças indefesas, que não deveriam conhecer o quão mau é o mundo ao seu redor.
-Senhora- grito chamando a sua atenção que para. Ao alcançá-los pergunto: - Como eles estão?- ela olha para as duas pequenas fofurinhas ao seu lado. A menina de dois anos, é uma graça, negra de pele clara e cabelo cacheado, com bochechas gordinhas que dá vontade de apertar. O menino, diferente da mãe e da irmã é branco, cabelo loiro cacheado, no entanto tem bochechas gordinhas iguais a da irmã.
-Eles ficarão bem, essa não é a primeira vez e não será a última- suas palavras fazem o meu coração doer, olho para ela e depois para aqueles pequenos anjinhos e uma lágrima cai dos meus olhos, no entanto rapidamente a limpo, eles não precisam da minha pena.
-Eu vi que todas as suas coisas estão molhadas, e vocês não podem ficar molhados desse jeito, provavelmente ficaram doentes. Minhas coisas não molharam posso dar algumas peças de roupas a vocês.- digo abrindo a mochila, mas a mulher segura as minhas mãos parando meus movimentos.
-Não se preocupe com a gente, você já ajudou a gente o bastante- diz dando um sorriso sem mostrar os dentes.
-Eu quero fazer isso, se eu tiver como, ajudo um milhão de vezes se precisar. E tenho certeza que se você estivesse em meu lugar faria o mesmo- digo olhando em seus olhos e vejo lágrimas caindo dos seus olhos.
Me agacho para ficar na mesma altura das crianças que me olham timidamente e digo: - Olha o que eu tenho para vocês.- Como eles são pequenos retiro duas blusas da minha mochila que ficaram como vestidos neles. Uma blusa tem desenhos de flores, essa eu dou para a menininha que fica encantada, puxando a roupa da mãe para mostrar a ela o que acabou de ganhar. E para o menino pego uma blusa preta unissex, ele me olha desconfiado quando ofereço a blusa a ele, mas ele pega.
Como previsto ao usarem, vejo que a blusa é muito grande para eles, mas isso é provisório, até que as roupas deles sequem. Para a mãe eu pego uma calça e uma blusa sem mangas, como minhas roupas costumam ser mais largas acho que caberá perfeitamente nela.
-Isso é para você- entrego a ela as roupas e retiro 2 reais da bolsinha e digo:-Eu sei que não é muito, mas acredito que dá para comprar alguns pães.
-Você é um anjo, pessoas como você não deveria está na rua- diz chorando.
- E nem pessoas como você e seus filhos- digo lhe dando um sorriso e fazendo um carinho em seus braços que prontamente me abraça e eu retribuo.
- Você é boa demais para viver em um mundo tão cruel- diz em um tom baixo que só eu sou capaz de escutar. Após alguns segundos ela se afasta de mim e pergunta: -Me diga, qual é o nome do meu anjo da guarda?.
- Luna- digo timidamente por ela ter me intitulado como seu anjo da guarda.
- Um nome lindo- diz e repete o meu nome como se quisesse experimentar a sonoridade dele saindo pelos seus lábios-Luna...Combina com você, linda e pura como a lua.- minhas bochechas com certeza estão vermelhas.
- E como a senhora e esses anjinhos se chamam?- pergunto tentando disfarçar a minha timidez.
- Eu me chamo Luiza, essa princesa se chama Eloá e esse pequeno guerreiro se chama Davi.
-Eu nunca conheci uma princesa e um guerreiro- digo e as crianças riem. - È uma honra conhecer vocês princesa Eloá e Guerreiro Davi- digo fazendo uma reverência.
-Mamãe ela me chamou de guerreiro- diz o menino em cochicho alto para a mãe.
-Você é uma princesa também?- pergunta a Eloá segurando de forma tímida as laterais da blusa.
- O que você me diz, você acha que eu sou uma princesa?- questiono me agachando e lhe dando um sorriso.
- Sim, uma pincesa anjo- diz tocando em meu rosto e sua resposta meiga me faz dar um sorriso largo que doem até as minhas bochechas.
- Você é uma princesa encantadora, Eloá- digo apertando levemente suas bochechas. -E você pequeno guerreiro, cuide bem da sua irmãzinha e da sua mamãe.- digo olhando para o Davi que diz que sim com a cabeça. -Promete?- pergunto dando o dedinho para ele que gruda o seu ao meu e diz:- Prometo, princesa anjo. - e eu sorrio bagunçando os seus cabelos fazendo ele sorrir.
-Luiza, foi muito bom conhecer você, claro que não nessas circunstâncias. Seus filhos são uns amores. Espero que a situação de vocês melhorem assim como a minha. Mas agora tenho que ir- Digo quase chorando. E ela me abraça, mas não demoro muito no seu confortável abraço, pois estava segurando as lágrimas e se eu ficasse mais tempo elas iam cair e demoraria para me recuperar dado a tantos sentimentos que tenho guardado.
-Tchau Princesa e Guerreiro- sem esperar por tal ato, eles vem até mim e abraçam a minha perna, me desestabilizando emocionalmente.
- Vocês são muito fofos, agora vão para a mamãe de vocês- eles se afastam fazendo o que pedi e eu olho uma última vez para eles três e dou as costas caminhando para longe deles com lágrimas caindo pelos meus olhos.
[...]
Já tem mais de vinte e quatro horas que estou na rua e não sido nada fácil, além de lidar com a fome tenho que me adaptar ao clima da cidade. Nesse exato momento já está escurecendo e a cidade está mais fria, e isso me preocupa pois não sei o que será de mim mais tarde. Ainda é final da tarde, então posso ficar no parquinho que estava ontem, o mesmo que o guarda me expulsou, mas sei que daqui a pouco terei que procurar um lugar para me abrigar. E o pior de tudo é que eu não conheço nada dessa cidade, a minha vida toda foi no orfanato, e quando não era nele, era na escola. E agora nessa situação tudo é novo para mim, as ruas são desconhecidas, todos os rostos são estranhos, a minha vida parece ser outra.
Até o momento estou sendo sustentada por um pão e um pouco de água, estou fazendo o máximo para sobreviver. Mas a verdade, é que eu não sei se durarei muito, esse modo de vida é novo para mim, as pessoas tem se mostrado pior do que eu achava, e eu não sei se conseguirei me adaptar a esse mundo, um lugar que a maldade está em cada esquina e o perigo se esconde em lugares improváveis. Antes de tudo, antes do Padre, o orfanato era meu Porto Seguro e lá dentro dos portões eu estava salva de tudo que é ruim, assim eu achava.
Vendo que logo irá escurecer decido procurar um lugar para passar a noite. Deixo o parque e caminho pela rua sem rumo sentindo o vento frio arrepiar todos os meus pelos, me fazendo abraçar o meu corpo automaticamente. Paro em meio a calçada olhando para todos os lados com o intuito de achar algo que me ajude a ir para uma região específica, mas é em vão, tudo parecia ser igual para mim, uma paisagem repleta de carros e pessoas indo para seus destinos. No entanto lembro de que mais cedo passei por uma banca de revista e se eu não me engano ficava em uma rua próxima, mas para chegar lá teria que atravessar. Olho para os lados para atravessar a rua e apenas vejo alguns carros a poucos metros de mim, na pressa de chegar logo ao local antes que escureça totalmente e eu não ache o lugar, me arrisco ao atravessar a rua sem a sinaleira indicar que posso. E então de repente ouço um buzinar alto e quando viro pare ver, fico estática, um carro estava vindo em minha direção em alta velocidade, eu iria morrer. Meu coração acelera, minha respiração falha e a minha perna não obedece o meu comando para fugir da colisão, já aceitando o meu fim, fecho os meus olhos com o único pensamento de que seja uma morte instantânea e indolor. Entretanto nada acontece, não há colisão, não há dor e nem uma luz branca me chamando para fazer a passagem, então abro lentamente os meus olhos e quando vejo o que está a minha frente todo o ar existente em mim some, no carro que iria me atropelar está um homem de olhos azuis tão assustado quanto eu. Ele é bonito!