Desirré e Sebastian passavam o dia juntos e até algumas noites, eram raras as vezes que eu a via chegar e dormir em nosso apartamento. Por fim, ele fez um convite casual para que morassem juntos e ela aceitou, então também estou me mudando para um lugar melhor. Acho que morar juntos será bom para os dois e o casamento não vai tardar a acontecer.
A única parte ruim disso tudo é que vou ficar sozinha e pagar tudo sozinha, mas tudo bem, eu vou dar conta, tenho mais dinheiro do que posso gastar graças aos desfiles. Tenho também o meu fundo de emergência. Meus pais, ao contrário dos pais de Desirré que a abandonaram quando ela se negou a se casar por contrato, me mandam dinheiro todos os meses mesmo eu tendo saído de casa.
Eu venho de uma família nobre de advogados, aquelas onde a tradição é que os filhos sigam o caminho dos pais. Tudo esteve tranquilo por quatro gerações, até que eu me neguei a seguir os passos do meu pai. Foi como se a bomba atômica explodisse em meio a família. Me lembro exatamente das palavras que o meu pai me disse:
"Não vou alimentar nem contribuir para o seu sonho impossível de adolescente. Apenas cresça e encare suas responsabilidades. Foi para isso que te criei e te dei tudo do bom e do melhor. Ou você será ingrata a esse ponto?"
Eu desfilava desde os 12 anos, fazia pequenos comerciais e sempre gostei de moda, fazia questão de me vestir bem até para ir a escola quando atingi a adolescência. Estava tudo bem com o meu pai, afinal estava claro para ele que quando chegasse a hora eu largaria tudo e entraria para o curso de Direito pela Universidade de Harvard. Eu tinha as notas, tinha o apoio da minha família, mas não tinha o principal: vontade.
Por mais que eu tentasse, eu não me imaginava exercendo a profissão e parecia uma tortura para mim passar longos anos estudando para algo que eu não queria.
Então, numa noite de temperaturas negativas em Kent, minha família estava toda reunida para uma noite de jogos. Era feito uma reunião a cada mês e sempre na casa de pessoas diferentes da família, em meia reunião tive um surto de coragem e aproveitei que estavam todos reunidos para contar meus planos para o futuro e eles eram bem diferentes do que o meu pai tinha traçado para mim.
Todos surtaram e ninguém foi ao meu favor em ser modelo, nem mesmo a minha mãe que sempre me apoiava em desfiles e dizia que eu era a mais bonita de todas. Ninguém ficou do meu lado e eu sai de casa ainda naquela noite apenas com o meu portfólio, dinheiro das minhas permutas, minhas roupas e o meu carro. Eu não tinha um plano, eu apenas queria compartilhar meus planos para a faculdade e acabei sendo expulsa de casa nos minutos seguintes. Mas antes de sair, eu disse as minhas últimas palavras olhando nos olhos do meu pai:
"Não vim ao mundo para viver os seus sonhos muito menos para satisfazer as suas expectativas, eu sou dona do meu próprio nariz. Vou fazer sucesso, acredito no meu potencial, espero que você não venha atrás de mim quando for tarde demais. Vou fingir que não te conheço no dia que isso acontecer, guarde as minhas palavras"
Sai pela porta de cabeça erguida, mas por dentro estava apavorada, tinha acabado de terminar a escola e nunca tinha vivido por conta própria, mas eu fui forte e dirigi na direção do meu sonho, um lugar onde eu sabia que teria grandes oportunidades, a grande e iluminada Manhattan. Aluguei um lugar pequeno, fiz a inscrição da faculdade e obtive bolsa, graças as minhas notas, mas ainda havia outros gastos que um adolescente nem mesmo sonha, o dinheiro que eu tinha comigo não duraria fome e a perspectiva de não conseguir pagar as contas me apavorava. Espalhei meu currículo e felizmente fui chamada para fazer trabalhos, não eram coisas grandes, mas pagavam e assim fui sobrevivendo. Alguns meses depois conheci Desirré na faculdade e acabamos conversando e foi assim que descobri que ela tinha passado praticamente pela mesma coisa e então nos aproximamos. Eu não imaginava que aquela amizade duraria tanto, agora não consigo imaginar a minha vida sem ela. Agora somos grandes mulheres, ela está bem estabelecida na carreira dela e é namorada de um CEO, não terá problemas para o resto da vida. Eu? Me tornei uma grande modelo, sou reconhecida internacionalmente e meu rosto está estampado em muitos lugares da cidade e também trabalho para uma marca de roupas. Eu posso dizer que venci na vida.
Já faz anos que sai de casa, eu não recebi uma mensagem se quer de qualquer familiar, mas todos os meses cai dinheiro na minha conta. Eu nunca o usei e guardo em uma conta separada para uma emergência, por que só isso me faria usar o dinheiro que o meu pai mandou para mim.
Somos uma família de pessoas orgulhosas além da conta e eu pretendo devolver cada centavo.
– Garçom, mais uma dose! – Grito chamando a atenção do homem que passa perto da nossa mesa. Olho para a pista de dança lá embaixo e depois olho para Desirré. – Com quem está falando?
– Com quem mais? Sebastian. A propósito, ele está te mandando um oi.
– E dai? Ainda não o perdoei por ter me deixado sem notícias suas. – Desirré foi sequestrada pelo ex namorado e fiquei sem notícias no momento mais crucial. Quase enlouqueci tentando encontrar os dois por conta própria.
Faz algum tempo que ele pede desculpas para mim, mas ainda não o perdoei.
– Ele está me perguntando se deve comprar algo para agilizar o processo de perdão. Você sabe, ele não quer ficar brigado com a melhor amiga da namorada dele. – Ela diz me olhando com um sorrisinho.
– Um presente? Não, não há nada que eu queira.
– Ele está perguntando se você quer o lançamento novo da Gucci. É exclusivo e limitado.
– Porque tenho um amigo tão bom? – Pergunto abrindo um sorriso e mudando a minha expressão. – Diga a ele que escolha bem. Adoro o bom gosto dele.
– Como você se vende fácil. – Desirré diz com uma falsa expressão de choque enquanto o garçom serve as nossas bebidas.
– E Gucci é fácil desde quando?
– Está certa. A propósito, seu cabelo ficou lindo assim curtinho. Não sabia que combinaria tanto com você, se bem que você fica bem até com um saco. – Ela diz e eu passo a mão nas madeixas curtas.
– O cachê foi bem alto, precisava ficar bonito. – Digo levantando o celular e me observando pelo vidro da tela.
Estava secretamente insegura com o resultado final, mas ficou ainda melhor do que pensei.
– Garçom, a última rodada, por favor! – Desirré diz ao homem que está passando, que assente e se vai.
– A última rodada? Você já vai? Está cedo, ainda não é nem meia-noite. – Digo indignada olhando o meu relógio. – Eu nem estou tonta ainda e você já quer ir embora. Está me abandonando por aquele homem só por que ele tem um corpo gostoso.
– Hoje é segunda-feira, eu trabalho amanhã e você sabe disso. Não estou te trocando só por um corpo gostoso. – Estreito os meus olhos para ela, que sorri. – É brincadeira, você sabe disso muito bem. Prometo que sairemos outra vez sozinhas, dessa vez vou deixar meu celular em casa.
– Amanhã é a sua mudança, como vai trabalhar? – Pergunto cruzando os braços.
– Acredite, eu vou. Consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo, você me conhece. E é a sua mudança também.
– Eu te conheço. – Resmungo. – Sim, é a minha mudança, mas as minhas malas já estão prontas. Que droga, já que você vai embora, temos dez minutos para aproveitar. Garçom, uma rodada tripla em vez de uma rodada convencional.
– Está querendo me embebedar?
– Claro, se não para que te traria a uma boate?
– Gostei daqui.
– Também gosto bastante, é um lugar muito legal. Vim outras vezes sozinha, você sabe, nas noites de abate. Ouvi dizer que o dono é um gato, mas ainda não tive a oportunidade de comprovar.
– Com quem está ficando no momento? Alguém interessante do aplicativo?
– Ninguém, dei um tempo dos apps.
– Por que? Você amava aquilo, até me meteu na mesma coisa. – Sebastian e Desirré se conheceram pelo aplicativo. Estranhamente, ele foi o único match que ela deu e veja só, agora vão morar juntos.
– E deu certo para você, portanto me agradeça para sempre me chamando para ser madrinha de casamento e dos seus futuros filhos. – Digo apontando para ela e pegando uma das doses recém-servidas na mesa. Tomo um gole de tequila e olho para a pista de dança lá embaixo enquanto penso na resposta. – Apenas estou cansada das mesmas coisas. Quero romance, flores, beijos na boca, dividir a cama, acordar com as pernas enroscadas, cozinhar juntos, brigar, presentear, sorrir, quero ser amada, quero amar. É isso que quero, não esses casos de uma noite que não me agregam em nada.
– Uau, mas você gostava bastante. Era meio que um estilo de vida, você mesmo disse que não tem tempo para namorar por causa da sua agenda lotada e suas viagens repentinas.
– E é verdade, eu não tenho, mas pela pessoa certa posso arrumar. Temos que fazer sacrifícios em nome do amor, não? – Digo dando de ombros e pensando sobre isso.
Por que o amor parece tão distante aos meus olhos? Por que parece que nunca vai acontecer? Esse pensamento me causa amargura no estômago e eu viro o resto da dose no meu copo.
– Não fique assim, eu sei que vai aparecer alguém legal na sua vida. Você é incrível e merece muito ser feliz. Há alguém para você, tenha certeza disso. – Desirré diz pegando na minha mão por cima da mesa e eu sorrio.
– Tudo bem, é uma noite de comemoração, não vamos nos deixar levar pela tristeza. – Digo mudando a expressão. – Saúde?
– Saúde!
Nós brindamos e eu bebo tudo de uma vez.
O celular de Desirré se acende em cima da mesa e eu observo enquanto ela pega e abre um sorriso para o celular.
– Sebastian está me esperando lá fora. Você vai conosco? – Balanço a cabeça negando e ela faz beicinho. – Você vai me visitar na casa nova? – Ela pergunta se levantando e pegando a bolsa, então eu me levanto também.
– Claro que vou, acha que eu perderia a oportunidade de te visitar? Vou te visitar muito, se prepare para mim. – Digo me aproximando e abraçando-a.
– Até amanhã. Não beba muito.
– Eu prometo.
– Como se eu acreditasse em você.
– Sou uma santa. Eu juro.
– Até mais. – Ela diz passando a mão no meu braço e sorrindo.
– Até.
Observo ela se afastar até sumir de vista e viro a dose restante. Olho para o outro lado da mesa e dou risada sozinha. Pedi três rodadas e ela só tomou uma.
– Ela me enrolou e tomou apenas uma. Ela e suas técnicas para não ficar bêbada. – Digo para mim mesma puxando as doses para mim.
– Uma mulher tão bonita bebendo sozinha? Não me diga que está sofrendo por amor? – Ouço a voz antes de ver a pessoa e sorrio. Levanto os olhos e o homem que encontro me faz ofegar. Os olhos dele parecem saber o que estou pensando, pois ele sorri de lado e se senta na cadeira mais próxima. – Vejo segundas intenções em seus olhos. Estou certo? Devo temer?