Inclinando a cabeça para trás, Elizabeth respirou fundo o ar exuberantemente
perfumado. A inebriante fragrância dentro do vasto espaço aberto era um alívio
prazeroso e muito bem-vindo depois dos cheiros de fumaça e cera queimada, talcos
e perfumes fortes que tomavam conta do salão.
Enquanto eles andavam casualmente pelos caminhos, Elizabeth se virou para
Avery e perguntou:
– Imagino que você seja o agente designado a me ajudar, estou correta? Ele sorriu:
– Sim, serei o parceiro de outro agente nesta missão.
– É claro – sua boca se curvou num lamento. – Vocês sempre trabalham em pares,
não é? Igual a Hawthorne e meu irmão.
– Essa maneira funciona bem, milady, e já salvou vidas. Seus passos se tornaram
hesitantes. Salvou algumas vidas.
– Lamento a existência da agência, senhor James. O casamento de William e a
subsequente renúncia é uma bênção pela qual eu agradeço. Ele quase morreu na
noite em que perdi meu marido. Aguardo ansiosa-mente o dia em que a agência não
fará mais parte da minha vida.
– Faremos o possível para resolver isso com a maior rapidez – ele a assegurou.
– Sei que farão – ela suspirou. – Estou contente por você ser um dos agentes que
Lorde Eldridge escolheu.
Avery apertou sua mão.
– Estou grato pela oportunidade de encontrá-la novamente. Já faz vários meses
desde nosso último encontro.
– Já se passou tanto tempo? – ela perguntou, franzindo a testa. – Estou perdendo a
noção do tempo.
– Gostaria de poder dizer o mesmo... – uma voz familiar vinda de trás os
interrompeu. – Infelizmente, os últimos quatro anos foram uma eternidade para mim.
Elizabeth ficou tensa, seu coração parou por um momento antes de as batidas
começarem a acelerar.
Avery virou os dois para encararem o visitante:
– Ah, aqui está meu parceiro. Soube que você e Lorde Westfield são velhos
conhecidos. Espero que tal circunstância fortuita possa apressar as coisas.
– Marcus – ela sussurrou, arregalando os olhos quando a razão de sua presença a
atingiu como um golpe físico.
Ele fez uma reverência:
– Aos seus serviços, madame.
Os joelhos de Elizabeth fraquejaram e Avery apertou a mão para estabilizá-la.
– Lady Hawthorne?
Marcus a alcançou com duas passadas:
– Não desmaie, meu amor. Respire fundo.
Parecia uma tarefa impossível enquanto ofegava como um peixe fora d'água,
repentinamente sentindo todo o aperto do espartilho. Ela fez um gesto para que ele
se afastasse, pois sua mera aproximação e o aroma de sua pele dificultavam ainda
mais o trabalho de seus pulmões.
Elizabeth observou quando Marcus lançou um olhar sério para Avery, que por sua
vez se virou e foi embora, fingindo interesse nas folhas de uma distante samambaia.
Sentindo um pouco de tontura, mas já se recuperando, Elizabeth balançou a
cabeça rapidamente:
– Marcus, você realmente perdeu o juízo.
– Ah, já está se sentindo melhor – ele disse pausadamente, com um tom de ironia
na voz.
– Vá se divertir com outra pessoa. Recuse esta missão. Deixe a agência.
– Sua preocupação é comovente, porém, confusa, considerando seu desprezo pelo
meu bem-estar no passado.
– Guarde seu sarcasmo para outro dia – ela respondeu irritada. – Não tem noção
de onde está se metendo? É perigoso trabalhar para Lorde Eldridge. Você pode se
machucar. Ou ser morto.
Marcus soltou um longo suspiro:
– Elizabeth, você está nervosa demais.
Ela o olhou com olhos cerrados e depois vislumbrou Avery, que permanecia
estudando a samambaia. Então, baixou a voz:
– Desde quando você é um agente? O queixo de Marcus se apertou:
– Quatro anos.
– Quatro anos? – Ela tropeçou para trás. – Você já era um agente quando
começou a me cortejar?
– Sim.
– Maldito seja – sua voz não era mais do que um sussurro aflito. – Quando
esperava relevar isso a mim? Ou eu nunca deveria saber até que você voltasse para
casa num caixão?
Marcus fechou o rosto e cruzou os braços.
– Não vejo a importância disso agora.
Ela endureceu o corpo diante do tom gélido de sua voz.
– Todos esses anos eu temia abrir o jornal e encontrar o anúncio de seu
casamento. Mas agora entendo que o que eu deveria temer era encontrar seu
obituário. – virando-se, Elizabeth levou a mão ao coração acelerado: – Como
gostaria que você tivesse permanecido longe, muito longe de mim – tomando a saia
com as mãos, ela começou a correr: – Juro por Deus que gostaria de nunca tê-lo
conhecido.
As batidas do sapato dele no chão de mármore foram o único alerta antes de seu
cotovelo ser agarrado e seu corpo, virado.
– O sentimento é mútuo – ele grunhiu.
Marcus se agigantou sobre ela, sua boca sensual tensa de raiva, seu olhar
brilhando com algo que a fazia tremer.
– Como Lorde Eldridge pôde escolher você para mim? – ela lamentou. – E por
que você aceitou?
– Fui eu quem insistiu para ser o escolhido nesta missão.
Ao ver sua surpresa, os lábios dele se apertaram ainda mais:
– Não se engane. Você fugiu de mim uma vez. Não permitirei que aconteça de
novo – ele a puxou mais para perto e o ar entre eles quase sumiu. Sua voz se tornou
séria: – Não me importo se você se casar com o próprio rei desta vez. Você será
minha.
Ela tentou se desvencilhar, mas ele segurava firme.
– Meu Deus, Marcus. Já não causamos tristeza suficiente um ao outro?
– Ainda não – ele a empurrou, como se a proximidade dela fosse desagradável. –
Agora, vamos tratar desse assunto a respeito de seu falecido marido para que Avery
possa se retirar.
Tremendo, Elizabeth dirigiu-se rapidamente em direção a Avery. Marcus a seguiu
com a graça predatória de um felino selvagem.
Não havia dúvida de que era ela quem estava sendo caçada. Elizabeth parou ao
lado de Avery e respirou fundo antes de se virar. Marcus a observava com uma
expressão indecifrável.
– Soube que recebeu um livro escrito por seu falecido marido – ele esperou pela
confirmação silenciosa dela. – Sabe quem foi o remetente?
– A caligrafia no pacote era de Hawthorne. Obviamente foi endereça-do algum
tempo atrás, o papel do embrulho estava amarelado e a tinta, desbotada – ela havia
passado dias tentando entender aquele pacote, incapaz de determinar sua origem ou
propósito.
– Seu marido endereçou um pacote para si mesmo que chegou três dias após seu
assassinato – Marcus estreitou os olhos. – Por acaso ele deixou algum grille1, algum
cartão com furos estranhos, qualquer coisa escrita que pareceu incomum?
– Não, nada – ela retirou da bolsa um fino diário e a carta que recebera apenas
alguns dias atrás. Entregou os dois a Marcus.
Após uma breve análise, ele guardou o diário dentro do casaco e passou os olhos
pela carta, juntando as sobrancelhas conforme prosseguia com a leitura.
– Na história da agência, apenas o assassinato de Lorde Hawthorne permanece um
mistério. Eu tinha esperança de te envolver o mínimo possível neste caso.
– Farei o que for necessário – ela ofereceu rapidamente. – Hawthorne merece
justiça, e se meu envolvimento for requisitado, então que seja – ela faria qualquer
coisa para acabar com isso.
Marcus dobrou a missiva cuidadosamente:
– Não gosto de expô-la ao perigo.
Com as emoções à flor da pele, Elizabeth retrucou:
– Então você quer me proteger expondo a si mesmo? Tenho muito mais interesse
no resultado desta missão do que você ou a sua preciosa agência.
Marcus rugiu o nome dela como alerta.
Avery limpou a garganta fazendo um som alto:
– Parece que vocês dois não trabalharão bem juntos. Sugiro levar essa dificuldade
para Lorde Eldridge. Estou certo de que existem outros agentes que...
– Não! – a voz de Marcus estalou como um chicote.
– Sim! – Elizabeth quase desabou de alívio. – Uma excelente sugestão – seu
sorriso era sincero. – Certamente Lorde Eldridge entenderá a razão desse pedido.
– Fugindo novamente? – Marcus provocou.
Ela o encarou:
1 O método grille foi desenvolvido pelo cardeal francês Richelieu, no século XVI.
Seu propósito era criar mensagens secretas que poderiam ser decifradas somente
com um cartão especial cheio de furos em lugares estratégicos. (N. T.)
– Estou sendo prática. Você e eu obviamente não podemos nos associar um ao
outro.
– Prática – ele deu uma risada irônica. – Você quis dizer que está sendo covarde.
– Lorde Westfield! – Avery franziu as sobrancelhas.
Elizabeth ergueu a mão.
– Deixe-nos por um momento, senhor James. Por favor – seus olhos
permaneceram grudados no rosto de Marcus enquanto Avery hesitava.
– Ouça a mulher – Marcus murmurou, encarando-a de volta.
Avery resmungou, então girou o corpo e se afastou contrariado. Elizabeth foi
direto ao assunto:
– Se eu for forçada a trabalhar com você, Westfield, eu simplesmente me
recusarei a compartilhar qualquer informação com a agência. Resolverei a situação
sozinha.
– De jeito nenhum! – os músculos do maxilar de Marcus começaram a se apertar.
– Não permitirei que você se exponha ao perigo. Tente algo tolo e verá o que
acontece. Eu lhe asseguro de que não gostará do resultado.
– É mesmo? – ela zombou, recusando-se a se acovardar diante de uma fronte que
assustava a maioria dos homens. – E como você acha que irá me impedir?
Marcus se aproximou ameaçadoramente:
– Sou um agente da Coroa...
– Você já disse isso.
– ... em uma missão especial. Se apenas pensar em prejudicar a missão, irei
considerar suas ações como traição e as tratarei como tal.
– Você não se atreveria! Lorde Eldridge não permitiria.
– Oh, mas eu faria, e ele não me impediria – Marcus parou bem em frente a ela. –
É provável que este livro seja um diário das atividades de Hawthorne e pode estar
relacionado à sua morte. Se for o caso, você está em perigo. Eldridge não irá tolerar
isso mais do que eu.
– E por que não? – ela o desafiou. – Seus sentimentos em relação a mim estão
óbvios.
Ele chegou ainda mais perto, até que a ponta de seus sapatos desaparecesse
debaixo da saia dela:
– Aparentemente não é verdade. Porém, se quiser mesmo, apresente seu caso para
Eldridge. Diga a ele o quanto você fica abalada na minha presença e o quanto ainda
me deseja. Conte a ele todo nosso sórdido passado e como nem mesmo a memória
de seu querido esposo falecido é capaz de fazê-la superar seu desejo.
Ela o observou, e então sua boca se abriu quando uma risada seca escapou.
– Sua arrogância é impressionante – Elizabeth se virou, escondendo a tremedeira
em suas mãos. Ele que ficasse com o maldito diário. Ela procuraria Eldridge logo
pela manhã.
A risada zombeteira de Marcus a seguiu:
– Minha arrogância? É você quem pensa que é tudo por causa disso. Elizabeth parou
e olhou para trás:
– Você fez disso uma questão pessoal com suas ameaças.
– Você e eu nos tornando amantes não é uma ameaça. É uma conclusão que
possui antecedentes e que nada tem a ver com o diário de seu marido – ele ergueu a
mão quando ela tentou argumentar. – Poupe seu fôlego. Esta missão é importante
para Eldridge. Insisti em participar só por causa disso. Levá-la para minha cama não
requer que eu trabalhe com você.
– Mas... – ela fez uma pausa, lembrando-se do ele falara anteriormente. Marcus
não havia dito que sua insistência tinha a ver com ela. Seu rosto enrubesceu.
Ele passou casualmente ao seu lado em direção ao salão.
– Então, sinta-se livre para revelar a Eldridge a razão de você não poder trabalhar
comigo. Apenas certifique-se de que ele entenda que eu não tenho problemas em
trabalhar com você.
Apertando os dentes, Elizabeth segurou sua vontade de praguejar tudo o que
pudesse pensar. Tola, ela não era. Entendia muito bem o jogo dele. Também entendia
que ele não a deixaria em paz até decidir que já tivera o bastante, com ou sem
missão. A única parte desse desastre que estava ao alcance de suas mãos era se
sobreviveria a isso com seu orgulho intacto.
Seu estômago se apertou. Agora que havia retornado à sociedade, teria de assistir
às seduções dele. Seria forçada a conviver com as mulheres que ele perseguia. Veria
os sorrisos que ele trocaria com outras, mas não com ela.
Maldição. Sua respiração disparou. Contra todo seu instinto de dignidade e
inteligência, ela deu o primeiro passo para segui-lo.
O leve toque em seu cotovelo a lembrou da presença de Avery:
– Lady Hawthorne. Está tudo bem?
Ela assentiu sem muito entusiasmo. Avery continuou:
– Falarei com Lorde Eldridge assim que possível e...
– Isso não será necessário, senhor James.
Elizabeth esperou até Marcus dobrar a esquina e desaparecer de vista antes de
encarar Avery.
– Meu papel é apenas entregar o diário. Feito isso, o resto depende de você e
Lorde Westfield. Não vejo necessidade para mudar os agentes.
– Tem certeza disso?
Ela assentiu novamente, ansiosa para terminar a conversa e retornar ao salão.
Avery estava claramente cético, mas mesmo assim disse:
– Muito bem. Vou atribuir dois homens para escoltá-la. Leve-os consigo a
qualquer lugar e me avise assim que receber detalhes sobre o encontro.
– É claro.
– Já que terminamos aqui, irei partir – o sorriso dele mostrava um toque de alívio.
– Nunca gostei muito desses eventos.
Ele tomou a mão dela e a beijou.
– Elizabeth? – a voz profunda de William retumbou pelo vasto espaço. Com olhos
arregalados, ela apertou os dedos de Avery:
– Meu irmão não pode vê-lo. Ele suspeitará imediatamente que algo está errado.
Avery, agradecido com sua preocupação e treinado para reagir rápido, assentiu e
se escondeu atrás de um arbusto.
Virando-se, ela vislumbrou William se aproximando. Igual a Marcus, ele não
media seus passos. Andou até ela com uma graça casual, sem mostrar qualquer sinal
do ferimento em sua perna que quase o matou.
Embora fossem irmãos, não poderiam ser mais diferentes. Ela possuía os cabelos
negros e os olhos de ametista de sua mãe. William tinha os cabelos claros e olhos
azuis de seu pai. Alto e de ombros largos, ele tinha a aparência de um viking, forte e
perigoso, mas com um toque de jovialidade, notável pelas linhas que marcavam seus
olhos, feitas obviamente por risadas.
– O que está fazendo aqui? – ele perguntou, lançando um olhar curioso ao redor
do átrio.
Elizabeth enganchou seu braço no dele e o conduziu até o salão.
– Estava apenas admirando a vista. Onde está Margaret?
– Está com algumas amigas – William diminuiu os passos e então parou,
forçando-a a parar também. – Soube que você dançou com Westfield há pouco.
– Você já quer antecipar as fofocas?
– Fique longe dele, Elizabeth – ele alertou suavemente.
– Não havia jeito educado de dispensá-lo.
– Não seja educada. Não confio nele. Acho estranha a presença dele aqui hoje.
Ela suspirou tristemente pensando no rompimento que causara. Marcus não daria
um bom marido, mas sempre fora um bom amigo para William.
– A reputação que ele estabeleceu nos últimos anos justificaram minhas ações do
passado. Não há perigo algum de eu cair em seus encantos novamente, isso eu
garanto.
Puxando William pelo salão, Elizabeth sentiu-se aliviada quando seu irmão não
ofereceu mais resistência. Se andassem depressa, ela poderia ver para onde Marcus
havia se dirigido.
Marcus saiu de seu esconderijo atrás de uma árvore e tirou uma folha solta em
seu ombro. Batendo a terra dos sapatos, seus olhos permaneceram grudados em
Elizabeth até ela desaparecer de vista. Ficou imaginando se o desejo enlouquecedor
que sentia por ela se mostrava óbvio de-mais. Seu coração acelerava e suas pernas
doíam pelo esforço de impedir a si mesmo de correr atrás dela.
Elizabeth era irritantemente teimosa e obstinada, e era justamente por causa disso
que ele sabia que era perfeita para ele. Nenhuma outra mulher conseguia despertar
sua paixão daquela forma. Furioso ou consumido pela luxúria, apenas Elizabeth
fazia seu sangue ferver com a necessidade de possuí-la.
Rezava a Deus que esse sentimento fosse amor. Pois o amor eventual-mente se
esvanece, apagando assim que o combustível se acaba. A fome apenas piora com o
tempo, corroendo e implorando até que seja saciada.
Avery apareceu ao seu lado.
– Se isso é o que você chama de "velha amiga", milorde, eu odiaria saber como
são seus inimigos.
Seu sorriso não guardava nenhum humor.
– Ela deveria ter sido minha esposa – um silêncio mortal foi sua resposta: – Por
acaso eu o deixei sem palavras?
– Maldição.
– Essa é uma descrição apropriada – baixando a voz, Marcus perguntou: – Ela
planeja falar com Eldridge?
– Não – Avery lançou um olhar de soslaio. – Tem certeza de que seu
envolvimento é sensato?
– Não – admitiu, aliviado por seu esquema ter funcionado e agradeci-do por,
apesar da passagem do tempo, ainda a conhecer tão bem. – Mas estou certo de que
não tenho alternativa.
– Eldridge está determinado a encontrar o assassino de Hawthorne. No decorrer de
nossa missão, talvez sejamos forçados a deliberadamente colocar Lady Hawthorne
em perigo para alcançarmos nosso objetivo.
– Não. Hawthorne está morto. Arriscar a vida de Elizabeth não o tra-rá de volta.
Encontraremos outras maneiras de prosseguir com a missão.
Avery sacudiu a cabeça numa estupefação silenciosa:
– Espero que saiba o que está fazendo, já que eu não sei. Agora, se me permite,
sairei pelo jardim, antes que mais alguma inconveniência ocorra.
– Eu o acompanharei.
Começando a andar ao lado de seu parceiro, Marcus riu diante da sobrancelha
erguida de Avery:
– Durante uma longa batalha, um homem deve estar preparado para recuar para
que possa retornar revigorado para aproveitar o dia.
– Santo Deus. Batalhas, irmãos, noivados rompidos. Sua história pessoal com
Lady Hawthorne irá apenas trazer problemas.