A semana passa rápido, e desde o baile de
apresentação não tenho visto o papai. Tenho
tentado me manter acordada, para esperá-lo
chegar e termos uma conversa definitiva a respeito
da faculdade que escolhi e do curso que pretendo
fazer, no entanto, sou vencida pelo sono e quando acordo, ele já não está
mais em casa.
Pauline, nunca me diz onde posso encontrá-lo, e sequer me deu o
número do seu celular, diz que o papai não gosta de ser interrompido e para
que eu tenha paciência, pois chegará a hora em que iremos conversar. Só que
este dia nunca chega.
Acordo com a cantoria dos pássaros em minha janela. A manhã de
domingo parece perfeita para um banho de piscina, a vantagem de se morar
em um país tropical é essa, o sol é quente e nos permite um mergulho ao ar
livre. Jogo uma água no corpo, visto um maiô que comprei há quase um ano,
em um dos passeios que fazíamos com as alunas, sempre supervisionados
pelas irmãs do internato. É bem-comportado e sei perfeitamente que não é
uma peça que as moças de minha idade usariam, mas é o que tenho e servirá
para um mergulho. Por cima da roupa de banho coloco um vestido leve de
algodão.
Já estou me aproximando da sala de jantar, quando percebo que alguma
coisa estranha aconteceu, os empregados estão de pé, perfilados, e outras
pessoas que eu não conheço estão reunidas em grupos, falando em voz baixa,
parecem assustadas e chocadas. Então assim que notam a minha presença no
ambiente, me encaram e olham em direção ao meu ombro esquerdo. Me viro
e congelo, sentindo meu coração apertar em meu peito. Meus olhos se fixam
no homem que desce as escadas com seu porte altivo, paro de respirar por
alguns segundos. Deveria ter corrido, mas sequer consigo me mover.
O tal Lennox caminha em minha direção e quanto mais se aproxima,
mais posso ver a cor dos seus olhos. Eles são frios, e à medida que me olha,
percebo que o tom de azul parece o céu sem nenhuma nuvem, e o dourado o
céu quando o sol está se pondo.
- Sinto muito, Safira, mas seu pai não se sentiu bem e...
Ele chega tão rápido perto de mim que, sequer percebo que sua cabeça
está levemente inclinada, bem próxima a meu rosto.
- Papai, o quê? Ele está bem? - Consigo finalmente desviar meus
olhos do rosto do homem que me deixa completamente hipnotizada e tento
seguir em direção às escadas. - Quero vê-lo!
- Não! Acho melhor o médico explicar o que aconteceu. - Sua mão
forte e quente consegue me deter.
- Solte-me, eu preciso ver meu pai. - digo, enfrentando-o e tentando
fugir do aperto de sua mão em meu braço.
- Não há mais nada a ser feito, seu pai teve um infarto fulminante. Eu
sinto muito!
- Morto! Como assim? - O empurro, e corro em direção às escadas,
subindo de dois em dois degraus com as palavras frias que aquele estranho
profere, ecoando em meus ouvidos, ferindo a minha alma, deixando-me
completamente desesperada.
- Safira, espere, não fará bem ver seu pai nesse estado... - Ele ainda
tenta me deter, mas é tarde demais, já entrei no quarto.
- Papai, por que o senhor fez isso? O senhor é tudo o que eu tenho, a
única pessoa que me restava! - Bati em seu peito com meus punhos
fechados, tentando sentir algum tipo de reação com meu desespero.
Grito, furiosa, até que o tal Feral me segura, carregando-me em seus
braços, me conduzindo para o meu quarto.
- Por que ele me deixou? Por quê? - Sussurro, com o rosto
escondido em seu peito, sentindo um cheiro gostoso, reconfortante. - Ele
não tinha o direito de me deixar, e agora? - Estou me sentindo como se
estivesse flutuando, mal consigo enxergar a muralha de músculos em minha
frente.
- Acalme seu coração, Safira, tudo ficará bem, eu garanto. - As
palavras dele chegam aos meus ouvidos sussurradas, e antes mesmo de
chegar a meu quarto, perco os sentidos.
Quando acordo, horas depois, estou na minha cama, com Pauline ao
meu lado, tentando me confortar.
- Querida, não fique assim, não havia mais o que fazer, seu pai sabia
que se continuasse vivendo aquela vida sem limites, seria fatal. Jogo,
bebida, mulheres... ele foi avisado pelo médico, mas não quis escutar.
- Por que você não me contou que ele estava doente? - Limpo as
lágrimas, que mal consigo contê-las.
- Porque seu pai não iria escutá-la, ele não escutava ninguém. Seu pai
tinha duas doenças incuráveis: a do coração e da jogatina, e olha no que deu.
Pauline me abraça, tentando me consolar, só então percebo que não
conheço meu pai, não sei nada sobre ele. Andrew Stuart é um completo
estranho.
- Ele parecia estar tão bem! Como foi acontecer isso de uma hora
para outra?
- Querida, seu pai já havia sofrido dois AVCs, não percebeu que ele
andava um pouco manco?
- Sim, mas eu pensei ser da idade.
- O médico o avisou que o próximo poderia ser fatal.
As lágrimas inconsoláveis saltam de meus olhos, descendo pelo meu
rosto.
- Minha linda, chore, chore sua dor, mas saiba que seu pai tentou ser
um pai cuidadoso, mesmo não demonstrando. Ele sempre se preocupou com
seu futuro, acredite nisso. E aconteça o que acontecer, saiba que o que ele
fez foi para seu bem, e você precisa honrar sua palavra, faça o que tem que
ser feito e aceite seu destino.
Não estou entendendo nada daquela conversa, Pauline fala coisas sem
nexo.
- Querida, não me olhe assim, você não é mais criança, já é uma
moça de vinte e um anos e precisa enfrentar a realidade da vida.
Eu não faço ideia do que ela quer me dizer com todas aquelas
palavras, eu só quero acordar, talvez esteja dormindo. Volto a chorar. Não
me conformo em ter perdido meu pai, mesmo que ele nunca tenha sido
presente, era minha única família. Sinto-me sendo puxada para a escuridão,
onde a solidão está me esperando, pronta para me devorar.
Os dias que se sucedem, são os mais terríveis de toda a minha vida.
Vejo os empregados indo embora, um por um, a única que fica é Pauline.
Dias depois, um homem vestido em um terno preto, vem inspecionar a casa e
diz estar a mando do novo proprietário. É então que descubro que herdei
apenas dívidas.
Papai devia muito mais do que tínhamos. O valor da sua dívida daria
para comprar um pequeno país. Resumindo, eu não tenho onde cair viva,
logo terei que deixar a casa. E o pior, com uma mão na frente e outra atrás, e
ainda devendo uma grande fortuna.
- Como tudo isso aconteceu? Nós tínhamos tanto dinheiro! E as
empresas da família da mamãe, o que aconteceu com elas? - Sabia que tudo
o que eu e o papai tínhamos, foi herança da mamãe. - O que é que eu vou
fazer agora? Para onde eu irei? - Pergunto olhando para Pauline.
- Não se preocupe, querida, tudo na vida tem um jeito, seu pai não te
abandonaria, eu tenho certeza disso.
Acho que Pauline não entendeu, estou falida e cheia de dívidas.
Preciso aceitar que estou na lama, preciso ir à procura de algum
emprego e um lugar para ficar, antes que os novos donos me chutem daqui.
- Pauline não precisa ficar ao meu lado, pode ir, eu ficarei bem. Só
deixe o número do seu telefone caso eu precise falar com você.
- Não, eu ficarei ao seu lado, e se quiser, poderá vir comigo. Falo
com meus novos patrões, eles certamente a acolherão.
Pauline foi indicada para trabalhar em uma mansão de um dos amigos
de meu pai, e sei que certamente ele nunca me aceitaria em sua casa, já que
papai não ficou bem-visto perante à sociedade, após descobrirem o quanto
ele estava endividado.
CAPÍTULO 3
Duas semanas se passaram, e recebo a
visita do novo proprietário, ele comprou a mansão
do homem a quem papai era devedor. O senhor
simpático é até generoso, dando-me mais dois
dias para que eu arrume um lugar para ficar.
No entanto, preciso acordar para a realidade, de nada adianta ficar
postergando minha derrota, eu não pertenço mais a este lugar, então, é
chegada a hora de dizer adeus. Arrumo minhas poucas coisas, só tenho o que
trouxe do internato, ainda não havia saído para fazer compras, e enquanto
desço as escadas meu celular toca.
Mesmo sem saber quem era, pois o número não era identificado, eu
atendo.
- Alô! - respondo com um fio de voz.
- Safira? - A voz é profunda e a reconheço, mas não quero
acreditar. - Aqui é Lennox Prysthon.
Como ele sabe meu número de celular?
- Sim. Posso saber o que deseja? - Eu não o via desde o dia da
morte do papai. Ficamos em silêncio e isto começa a me incomodar, aliás,
ele me incomodava.
- Senhor, ainda está aí? - Pergunto, tentando quebrar o silêncio
constrangedor.
- Sim. - Ele limpa a garganta. - Estou indo buscá-la, não saia daí
até eu chegar.
- Senhor Lennox, não tenho nada para falar com o senhor, já estou
indo embora desta casa, os novos donos já estão vindo, então, passe bem...
- Safira, nem ouse sair daí, já estou chegando. - ordena com aquela
voz rouca e quente. - Temos alguns assuntos pendentes, não era para
acontecer desse jeito, mas infelizmente situações extremas exigem medidas
extremas, portanto, espere-me.
Será que papai lhe devia algum dinheiro e ele se acha no direito de
vir me cobrar?
- Senhor, se papai estava lhe devendo algum dinheiro, saiba que não
sou herdeira de nada, a não ser das suas dívidas. Acho que o senhor deve
estar sabendo, todos da alta sociedade já sabem. - digo com voz magoada.
- Sim eu sei, só fique onde está, em cinco minutos estarei a sua
frente. - ele fala com aquele tom de quem não está acostumado a ser
desautorizado.
Sento-me em um dos estofados que ficam em frente à grande porta de
entrada, e espero. Minutos depois ele se faz presente com sua postura altiva
e dominante, vestido em um terno azul-marinho. Caminha em minha direção,
eu permaneço sentada. De pé, diante de mim com aqueles olhos de cores
diferentes, me encara. Seu olhar frio, gela toda minha espinha e faz meus
pelos se eriçarem. É, ele parece mesmo uma sombra, fria e escura, me
cobrindo e sugando minhas forças.
- Vamos, vou levá-la para casa.
Casa? Que casa? Esse homem é maluco?
- Não irei a lugar algum com o senhor! - Lanço um olhar de desafio.
- Quem pensa que é?
- Sou seu futuro marido, o homem a quem seu pai devia muito
dinheiro e ele prometeu que você se casaria comigo, caso eu perdoasse
todas elas. Então, vai honrar a palavra dele, ou precisarei cobrar a dívida?
Sou tomada pelo choque! Encarando-o, quase que boquiaberta, fico
estática, tenho a sensação de estar sonhando, ou flutuando, isso não poderia
estar acontecendo.
Mas se isso for verdade, por que a mansão foi vendida?
- Não me olhe como se eu fosse um vilão, não tenho nada a ver com a
venda da mansão e das outras propriedades.
Ele pode ler meus pensamentos. É, esse homem, tem algo de muito
sombrio.
- Safira, seu pai me devia dinheiro, e se eu fosse somar, seria muito
mais do que o valor de todas as propriedades, inclusive a empresa. Nunca
aceitei imóveis como forma de pagamento, eu empresto dinheiro, e só recebo
em espécie. Seu pai me devia muito, e quando fui cobrar, ele aceitou meu
pedido de casamento em troca do perdão das dívidas.
- Meu Deus! O que sou, moeda de troca? E minha opinião não pesa?
- Lennox se inclina um pouco mais, e posso ver o brilho do seu olhar
contrastante.
- Acho que o que você acha ou deixava de achar não iria mudar a
situação. Ou seu pai pagava o que me devia, ou não ficaria vivo para contar
a história.
- Isso quer dizer que se não me casar com você, meu destino é a
morte, é isso? - Encaro seu olhar desafiador, acho que não se importou
muito com a minha atitude, pois sorri levemente e a ponta de seus dedos
tocam docemente meu queixo.
- Exatamente isso, gosto de mulheres inteligentes. Agora vamos, você
precisa se arrumar para o casamento.
- Não com tanta pressa, senhor Lennox...
- Feral, me chame de Feral, é assim que sou conhecido. E antes que
comece a ciscar como uma galinha no galinheiro, serei direto, você não tem
alternativa, aqui está a prova do acordo que tive com seu pai, cinco meses
antes de você voltar para o Brasil.
Ele me entrega um documento, que tem por testemunhas os dois
advogados do papai e dois advogados do Lennox. No documento está escrito
o valor da quantia perdoada e o valor da quantia oferecida como
bonificação, uma espécie de dote, e o valor era duas vezes maior do que
papai devia. Não queria acreditar que meu próprio pai havia me vendido.
- É muito dinheiro, até mesmo para o senhor. - Digo, ainda
incrédula que estou no meio daquilo tudo.
- Não, minha linda mulher, isso não é nada para o tamanho do meu
patrimônio. Os cassinos são só um hobby, meu negócio são pedras
preciosas. Chega até ser engraçado, sou dono de muitas minas e encontrei
uma safira justamente em um lugar nada apropriado.
- Você não pode me obrigar! Meu pai já está morto, o que o faz
pensar que aceitarei tal absurdo? - Levanto-me, e o encaro. Eu sou pequena
e ele é um gigante, mesmo assim, tento disfarçar meu medo ao enfrentá-lo.
- Eu sei que honrará a palavra do seu pai, mas mesmo que não
queira, você se casará comigo. Eu serei seu marido, querendo ou não. - Ele
agarra meu braço, seus dedos em minha pele gelam até minha alma. Eu até
tento me livrar de sua mão, mas sou puxada com força de encontro ao seu
corpo. - Quer mesmo lutar contra mim? Pois tente, eu juro Safira, que tomo
o que é meu bem aqui, no chão frio desta casa. Não brinque com quem você
não conhece, você me pertence, acostume-se com isso. Agora vamos, o jato
nos espera, estou cansado do Brasil.
Como assim? Para onde ele pensa que vai me levar?
- Não irei a lugar algum, conheço meus direitos, sou livre e não
quero me casar, principalmente com você. Sequer nos conhecemos, você só
pode estar louco.
- Linda Safira, teremos algum tempo durante nossa viagem até a
Espanha para nos conhecermos, e não se preocupe, sentimentos e desejos
virão após nosso casamento. Sou um homem à moda antiga, só saboreio o
mel após a consagração de nossa união.
Ele não está brincando, sou intimidada a andar. É como ter uma
corrente em minhas mãos, e meu algoz me levando a força para ser torturada.
A porta se abre, e dou de cara com uma SUV preta, e três seguranças,
armados até os dentes, estão próximos ao carro, logo atrás vejo outra SUV,
também preta e mais cinco seguranças. Um frio percorre minha espinha, eu
sequer posso correr.
- Não se preocupe, esses seguranças não são para me proteger, eu
não preciso. - Ele abre o paletó e vejo uma arma no coldre. - São para
sua proteção, sou um homem visado, e tudo o que é meu também é, portanto,
pense duas vezes antes de fugir, meus homens não a machucarão, mas meus
inimigos sim, não importa se você me odeia ou não.
Tropeçando em meus próprios pés o acompanhei, entro no carro, ele
vem logo em seguida, atravessa o cinto de segurança em meu corpo. A cada
toque dos seus dedos na minha pele é como uma faísca de fogo, eu quero
matá-lo.
- A propósito, meus inimigos são coelhinhos perto de mim, caso você
tente escapar da minha proteção, não pensarei duas vezes em matá-la. Então
não fuja de mim, minha joia.
O que ele chama de proteção, eu chamo de cárcere privado.