Vanessa sempre fala que puxei à nossa mãe - que Deus a tenha em um bom lugar. Às vezes é difícil pensar que nossos pais acabaram morrendo em um acidente de avião alguns anos atrás.
Faço um café não muito forte e começo a tomar, sentindo logo o seu sabor maravilhoso. Fico ali mergulhada em pensamentos profundos, quando dou de cara com a Vanessa.
- Você está aí parada há muito tempo? - pergunto, curiosa.
- Na verdade não. Perdeu o sono?
- Sinceramente, nem dormi ainda.
- Você teve pesadelos novamente?
- Sim.
- Duda, você precisa procurar ajuda novamente.
- Eu não acho que preciso - desconverso. Não me sinto bem em ficar falando da minha vida para um desconhecido.
- Duda, minha irmã, é claro que precisa!
- Melhor mudarmos de assunto.
- OK, por ora vamos deixar quieto - ela cede, e dou graças a Deus.
- Me conta sobre a festa do trabalho, vai me trazer chocolate? - pergunto, não vendo a hora de comer aqueles chocolates maravilhosos.
- Então, já fechei o Buffet, e as cestas estão preparadas com chocolates, fora a nossa cesta de Natal.
- Oh, delícia, Vane, eu amo aqueles chocolates.
- Eu sei, e estava falando com o meu chefe sobre você - ela diz, sem me olhar.
- Vane! - alerto-a, e olho feio para ela, que me olha como se não tivesse falado nada.
- Fique tranquila, eu não estou querendo juntar vocês dois, não!
- Isso é muito bom - fico mais tranquila.
- Então, deixa te contar, ele pediu para te convidar para ir à festa dos funcionários.
- Ah, é claro que você disse que eu não iria, né?
- Então... - ela demora para responder, e volto a olhar feio para ela.
- Droga, Vane! - desde que fui violentada, peguei um tipo de trauma, ou melhor, vários, e um deles é sair de casa para ir a alguma festa.
- Ei, não falei nada, só disse que eu precisava te perguntar - ela se defende.
- Hum, sei - olho-a desconfiada.
- Mas é verdade, e, sinceramente, eu acho que está na hora de você começar a sair.
- Vane, eu ainda não me sinto pronta.
- Duda, se você não sair de casa, nunca vai achar que está pronta!
Eu sei que o que ela está dizendo é verdade. O único problema é que toda vez que sou convidada para ir a alguma festa ou mesmo um barzinho eu tenho algum tipo de bloqueio.
- Duda, acorda! - Vane me chacoalha.
- O que houve? - pergunto, sem entender nada.
- Parecia que você estava em transe - ela brinca.
- Estava pensando no que você estava dizendo.
- E aí, você vai? - ela pede, toda esperançosa.
- Ainda não decidi.
- Duda, vamos fazer o seguinte, que tal a gente ir ao shopping depois do trabalho? - Vane pergunta, toda animada, e não quero estragar a alegria dela, então decido ceder por ora.
- Eu te encontro lá no shopping, o que acha?
- O que acha de você ir me encontrar lá no serviço?
- Bom... não sei.
- Ora, vamos, ninguém vai morder você! - ela brinca, e fico com a sensação de que isso poderia acontecer.
- OK, OK! Eu te encontro lá - respondo, já me arrependendo de ter concordado com esse passeio.
- Ótimo! Eu quero comprar uma roupa bem bonita para sair com o meu doutor - Vane fala, bem sonhadora.
Minha irmã acabou mesmo namorando o meu médico. É claro que isso não podia acontecer quando eu estava internada. Mas isso não foi empecilho para o meu ex-médico, que agora é meu cunhado e amigo.
Ele é o único homem que eu deixo se aproximar de mim. Sei que ele não me faria mal. Eu devo muito ao doutor Lucas Leão, meu futuro cunhado.
- Vane, está na hora de vocês dois oficializarem a união, não? - brinco, sabendo que ela sempre fala nisso.
- Sim! - ela concorda, toda emocionada.
- Graças a Deus!
- Então, ele me convidou para jantar amanhã, acho que ele vai me fazer a proposta.
- Você merece tanto, minha irmã! - falo, com sinceridade.
- E você também, Duda, é só deixar o amor bater à porta. Olho para o relógio e vejo que são seis horas da manhã.
- Bom, vamos mudar de assunto, preciso tomar um banho e me arrumar, daqui a pouco eu tenho que ir para o curso - desconverso, me levantando e indo em direção às escadas, quando a ouço me chamando. Finjo que não a ouço, mas quando já estou no primeiro degrau escuto o grito dela.
- Duda! - percebo a advertência em sua voz.
- O que foi? - me faço de desentendida.
- Você sabe que não pode fugir para sempre! Eu sei que não, e só respondo:
- Sim, eu sei! - e subo correndo, não querendo responder a mais nada.
Chego à fábrica e logo sinto o aroma de chocolate vindo em minha direção. Gemo de prazer. Amo chocolate. Nossa, e ele usado no meu pau fica perfeito!
Entro no elevador e logo ouço um grito pedindo para segurar a porta. Como todo-cavalheiro que eu sou, seguro-a. Logo vem, praticamente descabelada, a minha secretária.
- Oh, não acredito que é você - brinco.
- Quem você achava que era? A Branca de Neve? - ela ironiza.
- Nossa, o que deu em você? - eu tenho que a tratar bem, senão é bem capaz de ela colocar veneno no meu café.
- Mal dormi - ela resmunga.
- Bom, isso dá para ver na sua cara - brinco, e recebo um olhar mortal. Fico em silêncio.
- Não começa, Leon!
- Você não quer me contar por que não dormiu?
- Minha irmã teve pesadelos novamente - ela dá de ombros, como se fosse normal.
- Nossa, ela deve ter passado por algo bem pesado mesmo!
- Sim, as coisas para ela não foram fáceis.
- Sua irmã deve ter assistido a algum filme de terror - brinco, querendo aliviar o clima, que de repente ficou tenso.
- Quem dera! - ela diz, triste.
- Você não quer me contar?
Quando ela ia responder, as portas do elevador se abrem, e deixo a Vanessa sair primeiro. Ela segue para a copa, e vou também.
Vanessa está muito quieta, e eu não quero forçá-la. E ali fico, observando-a fazer o café. Logo a máquina libera um aroma delicioso.
- Eu quero café, Vane - peço, e ela toma um susto.
- Meu Deus, homem, não me assuste assim, não! - ela diz, brava, colocando a mão no coração.
- Desculpa, mas você está muito calada.
- Me desculpa, eu estava perdida em meus pensamentos.
- Fica tranquila.
Ela agradece e logo está me servindo uma caneca de café. Do nada, diz:
- Leon, minha irmã vai vir aqui hoje.
- Sem problema - concordo com tudo, não quero a minha secretária chateada mesmo não sendo eu o culpado. Porque ela zangada ou chateada é uma coisa do demônio.
- Que bom! - ela abre um sorriso, e fico aliviado que agora ela está mais tranquila.
- E aí, pronta para o Natal?
- Sim, em casa vai ser como todo ano, só que agora meu namorado vai passar com a gente.
- Vane, posso te fazer uma pergunta? - questiono, meio receoso.
- Ah, é claro.
- Por que você nunca fala dos seus pais?
- Bom, não sou mesmo de comentar, meus pais morreram alguns anos atrás em um acidente de avião, e ficamos a minha irmã e eu.
- Nossa, eu não sabia - respondo, meio sem graça.
- Fique tranquilo, aconteceu há alguns anos já.
- Bom, vamos mudar de assunto, que hoje vou dar uma volta para ver como andam os chocolates. Você vem comigo?
- Não, obrigada, já fiquei muito de papo-furado, e meu chefe, quando aparecer, vai me dar a maior bronca - ela brinca, piscando o olho.
- Ah, ele é de boa! - respondo à brincadeira, e ela ri.
Vou para a minha sala. Hoje é o dia de fazer verificação na fábrica, e para deixar uma boa aparência acabei vestindo um terno, sem gravata. Não estou a fim de morrer cozido, aliás, não vejo a hora de tudo acabar e ir para casa, o dia mal começou e já estou cansado.
Quando estou saindo para ir fazer a vistoria pela fábrica, o meu celular toca. Atendo sem nem ver quem era.
- Alô?
- Oi, meu amor, estou morrendo de saudades de você! - ouço a voz melosa da Laura.
- O que você quer, Laura? - me arrependo de ter atendido à ligação e tiro o celular do ouvido. Olho para o número de chamada ativo e percebo que era restrito. Oh, merda.