Muito bem. - Ele guardou o celular, tirou minhas mãos do seu pescoço e olhou ao redor. - A enfermeira falou que você ainda precisa de trinta minutos para se recuperar da anestesia. - Quero ir agora. Me dê o bebê! - soei enérgica e o homem riu baixo. - Algumas regras, Sara Benildes. - Douglas se aproximou e ergueu um dedo. - Você está sendo contratada para amamentar um bebê. Ele não é seu. Vai receber o dinheiro no fim do trabalho ou quando o chefe decidir ser suficiente. Apenas uma empregada, isso que você será. - Eu não assinei nada. - Nem o fará. - Olhou-me da cabeça aos pés.
- No nosso mundo, palavras valem mais do que contratos impressos. Descumpra e você poderá pagar com a própria vida. - Vá à merda, eu estou morta mesmo - murmurei, infeliz. Respirei fundo e tentei me levantar, mas minhas pernas estavam dormentes. - Você, realmente, quer ir antes da sua alta? - O bebê deve estar com fome e perderemos tempo aqui, esperando a anestesia passar. - Segure o soro. - Ele tirou o saco do suporte e me entregou. Sem me avisar, pegou-me no colo e fez um movimento com a cabeça para os outros que estavam com ele. - Vamos até ele. - Pode ser uma menina - comentei, memorizando aquele rosto angelical do bebê, que se mesclava com as lembranças da minha Gabrielle. - Roupas e fraldas estão sendo providenciadas. O problema é de quem comprar errado. - Deu de ombros e caminhou comigo pelos corredores da maternidade. - Quem é você? - Douglas e não estou a seu dispor, Sara. - Idiota. Não era isso que eu queria saber. - Quem está com você nos braços sou eu, então, tenha um pouco mais de respeito - soou ameaçador. - Como você teve comigo? Eu acabei de passar mais de seis horas de trabalho de parto para não ter minha filha nos braços. Então, um louco me abordou e está me levando até outro bebê, como se um pudesse substituir o que perdi. - E você está vindo, nem precisei usar minha arma para te persuadir. Passamos pela recepção lotada, as pessoas nos encaravam, mas não impediam o nosso avanço. Havia muitos empresários poderosos na cidade e um deles estava na minha lista para ser executado, junto com Ricardo. - Minha mala e bolsa estão na enfermaria, onde eu ficaria com minha filha. Tem como pegá-la para mim? - Não sou seu empregado. - Eu estou apenas de camisola hospitalar! - Tive vontade de pular do seu colo. Ele riu baixo, como se fosse uma piada. - Reniel, pegue a bagagem da moça - ele comandou e parou de andar. - Consegue se sentar? - Não sei. Ele se inclinou e me colocou dentro de um carro confortável, com banco de couro e cheiro forte de cigarro. Suspirei com irritação ao perceber que não conseguia me manter equilibrada e Douglas me empurrou para o lado, colocou o braço ao redor dos meus ombros e me manteve firme. Inconsequente, surreal e louco. O homem poderia ser aquele que pegaria meus órgãos e me deixaria em uma vala qualquer, sem que eu pudesse voltar a falar com a minha família ou me vingar do idiota do doador de esperma. Escolhi viver de forma inconsequente, sem pensar em como minhas escolhas poderiam influenciar a minha essência. Eu queria aquele bebê. Entreguei o meu para dar a vida a outro, eu merecia ser recompensada. Acomodei-me ao lado do desconhecido e me deixei ser guiada. Nenhuma dor superaria aquela que eu havia vivenciado, eu não tinha medo de morrer e encontrar a minha Gabrielle. Sorri ao escutar a música que tocava no som do carro. Eu estava me tornando tão alucinante quanto a letra. "Não consigo encarar os fatos Estou tenso, nervoso e Não consigo relaxar Não consigo dormir, porque a minha cama está em chamas Não toque em mim, estou cheio de energia Assassino psicótico O que é isso?" Talking Heads – Psycho Killer Capítulo 3 - O que é isso? - Douglas reclamou quando me tirou do carro em seus braços. Olhei para o banco e vi o sangue, era a menstruação do pós- parto, nem eu tinha me lembrado daquilo. - Pelo que pesquisei, ainda vou sangrar de uma a duas semanas, para limpar o útero. - Segurei o soro, que já estava quase terminando. - Vai me custar caro limpar essa merda. - Aproveita e tira o cheiro de cigarro, está podre - rebati com tranquilidade, sem o encarar enquanto me levava até um elevador. - Está fazendo um rastro de sangue. Porra! - O homem começou a rir e reparei que dois outros estranhos entraram conosco. As portas se fecharam e o movimento para cima me fez sacudir. - Vocês vão limpar toda essa bagunça. - Deveria obrigar que ela recolhesse essa nojeira - um deles resmungou, me lançando uma cara de asco. - Sua mãe também te pariu e passou por isso. Espero que ela tenha tido um marido decente e pais amorosos para não se sentir a aberração do circo. Então, mais respeito. - Vou precisar de um banho - Douglas continuou suas lamúrias, me ignorando. - Também precisarei, antes de cuidar do bebê. Pegou minha mala? - Está chegando. - Bufou irritado e nos encaramos. - Você é bem bocuda. - E isso faz de mim o quê? Não precisa das minhas palavras para alimentar um bebê. - O chefe vai te matar em dois dias - um dos outros homens debochou e revirei os olhos. - Não se pode matar uma pessoa duas vezes. Os três ficaram em silêncio. As portas do elevador se abriram e saímos em direção a um apartamento. Abracei o pescoço de Douglas e reparei no rastro de sangue que eu estava deixando. Era mórbido e sem noção, mas eu até que gostava de ver o quão vivo era o fluído que saía de mim. Assim, eu chamaria atenção. Com aquele caminho de morte e vida, eu iniciaria uma nova jornada, com a mente perturbada e o coração destruído. Era daquele jeito que eu queria fazer com Ricardo. Entramos em um quarto, depois fui posta dentro de uma banheira e o idiota ligou o chuveiro gelado em cima de mim.