Por que não testar uma mamadeira, senhor? O leite em pó chegou. Eu me livro da parida. - Não! - Levantei-me com a bebê em meu colo, desesperada com o rumo da conversa dos dois. - O que vocês têm na cabeça? Onde está a mãe dela? - Morta e você seguirá o mesmo caminho se não calar a boca - Leonel rosnou e me aproximei dele com irritação. - Não me teste, Sarinha. - Engula esse apelido do caralho ou o enfie no rabo. - Ele se lembrava de mim tanto quanto eu, dele. O que um dia foi sinônimo de amor, naquele momento, era raiva e vingança.
Percebi que tinha falado com fúria na presença da bebê e soltei o ar com força, para pensar no melhor dela. - Esqueça. - Me devolva! - Leonel tentou tirar a bebê dos meus braços, a criança chorou muito mais e me afastei. Em um ato de desespero, corri em direção à primeira porta que vi e me tranquei no cômodo. - Abra! Eu vou te matar - gritou irritado. - Então nos envie para o inferno. Eu não tenho mais filha, Emanuelle não tem mais mãe. Fodam-se vocês. Foda-se tudo! Fui para um canto e me encolhi com a bebê agitada, remexendo-a em meus braços. Estava em um escritório e, ao meu lado, tinha um armário alto de madeira. Fechei os olhos e deixei que a única canção infantil que eu conhecia soasse para acalmar a bebê. "Mãezinha do Céu Eu não sei rezar Só sei te dizer Que quero te amar Azul é seu manto Branco é seu véu Mãezinha, eu quero te ver lá no céu." Ignorei os barulhos, meu foco era apenas a bolha que criei para me proteger junto daquela órfã. Conforme eu me acalmava, coloquei o rosto da bebê próximo ao meu peito e continuei a cantoria, mesmo que ela tenha cuspido meu peito novamente. Quem disse que amamentar era fácil precisava conhecer todos os cenários possíveis de uma mãe tendo que lidar com um bebê. A maternidade estava sendo um monstro para mim, mas como toda assombração, eu estava enfrentando mesmo tendo medo. Aos poucos, a bebê parou de rejeitar o bico, aceitou o alimento e se fartou do meu leite. No momento em que suspirei, aliviada, a porta foi arrombada e vários homens armados me enfrentaram. Emanuelle se remexeu e, com frieza, ignorei a raiva emanada por Leonel e mudei a bebê para tomar do outro peito. Já acostumada comigo, ela sugou com força e senti meu útero se contrair, fazendo com que mais fluído de menstruação descesse. Merda, senti que tinha vazado. Sabendo que não teria muito tempo, lidando com pessoas que mandavam e desmandavam na cidade e no submundo dela, aceitei minha sentença, mas não antes de mostrar como me sentira. - Ela está mamando - falei branda para o leão raivoso que se aproximava. A arma estava na mão e foi guardada assim que ele se agachou para apreciar a cena. - Depois, você pode me matar, mas, por favor, me deixe ter esse momento. Apenas uma vez. - Eu deveria fazer pior. - Faça então. - Tenho outros planos, Atrevida. - Alisou o cabelo da bebê e suspirou. - Você ainda é útil. Continue assim. - Ele se levantou. - Mas fuja com minha filha novamente, eu abrirei uma exceção e a matarei, mesmo estando indefesa. Todos saíram da sala, observei a porta arrombada e suspirei. Voltei minha atenção para Emanuelle e cantarolei mais algumas estrofes da canção de ninar. Dois ou três meses ela devia ter. Ainda mamava no peito quando foi tirada da mãe, ela era tão vítima de outros idiotas quanto eu. - Vou cuidar de você, meu amor - prometi, mesmo que tivesse descumprido essa promessa com Gabrielle. - Sua irmã não sobreviveu, mas você será mais forte do que todos nós. Seus olhinhos se fecharam e as sucções diminuíram. Percebi que, enquanto ela mamava em um peito, o outro escorria leite e acabei nos lambuzando. Ninguém falava sobre essa parte do pós-parto e estava sendo acalentador ter uma companhia. Comecei a sentir dores abdominais, nas costas e na bunda, por estar sentada daquele jeito. As lágrimas escorreram dos meus olhos quando não tive forças para me levantar. O monstro da vingança foi alimentado mais uma vez, Ricardo teria de lidar com minha raiva e associação com o homem que ele odiava. Leonel De Leon era rival da família Camargo e, mesmo que meu namorado fugisse daquela briga de egos, ele tomava as dores. Seguir a lei era sua forma de ser superior. Eu amava estar do lado certo de uma disputa, mas mudei de time assim que minha vida foi tocada pela escuridão do luto. Ainda tinha muitas lágrimas para derramar. Fugi do hospital, ansiando pelo novo bebê e acabei me esquecendo daquela que saiu de dentro de mim. - Vai ficar aí a noite inteira? - Douglas apareceu na porta e percebeu meu choro. - Droga, o que aconteceu? - Ela dormiu e não consigo me levantar - murmurei, chorosa. O homem se aproximou e me deu apoio para ficar de pé, tendo a bebê nos meus braços. - Obrigada. - O berço móvel chegou e já está limpo. Deixe a bebê nele e vá conversar com o chefe. Você o deixou puto. - Não xingue na frente dela - repreendi. Olhei para baixo e vi a mancha de sangue. - Preciso de outro banho. - Caralho, vai morrer de tanto sangue que saiu de você. - Rosnei para outro palavrão que ele tinha falado e o idiota riu baixo. - Tem comida, se apresse, mamãe. Ele não sabia, mas tinha me dado um pedaço do que eu tanto havia ansiado. Ser chamada pelo título mais nobre do mundo, aquela que tinha gerado e criado o pequeno ser que dormia em minhas mãos. Eu estava confundindo as coisas, tinha que descansar e colocar os pensamentos em ordem. Com Emanuelle nos braços, levei-a até o seu berço improvisado e a coloquei de lado, por mais que tenha lido que a melhor posição era de barriga para cima. Era minha intuição ou inexperiência falando, não importava, meu coração se acalmava assim. - Vamos? - Douglas exigiu. - Vou tomar banho e trocar de roupa. Será rápido. Ele revirou os olhos, mas aceitou. Eu peguei outra muda de roupa e me preparei para conversar com o poderoso Leonel De Leon.