"Você está se achando demais! [Dá uma patada na cara] Nem é tão bonito e gostoso assim, eu estava fazendo um favor! Aposto que tem pau pequeno de tanto tomar bomba! [Ri com desprezo]. Vou te bloquear, não me mande mais mensagem [prepara para sair]." Agora quem estava "gargalhando com superioridade" era eu. O que fiz para a garota surtar daquele jeito? Vi muitas mulheres reclamarem do Tinder, mas os homens passavam por algumas situações, também. E não... não usava bomba. Já usei quando mais novo e muito mais forte, porém, passei daquela fase e foquei em ter saúde. Encarei a lua crescente ou minguante - nunca sabia a diferença - e até ela parecia rir de mim. Virei uma piada cósmica. Dando o dia por encerrado, uma vez que o encontro não ia rolar, resolvi tomar um banho e me preparar para o dia seguinte. Se queria voltar para a Grécia em oito meses, precisaria trabalhar dobrado. Após uma chuveirada e vestir meu pijama, encontrei o Iphone apitando em cima do meu colchão. "É assim? Vai ignorar? Exijo que se desculpe! [Chorando rios]. Se é assim que trata as mulheres, vai morrer sozinho e se masturbando! Seu arrombado!" Arrombado? Arrombar? Eu já tinha ouvido aquela palavra em algum lugar, onde? Foi com o chefe de segurança sobre como o sistema infalível evitaria... arrombamentos! Seria a mesma coisa? Por via das dúvidas, chequei a minha porta da frente e liguei para o porteiro, questionando se a noite estava tranquila. Devia ser outra coisa e, sinceramente, não queria saber. Duvidava que todas as furries fossem assim, mas aquela tinha um parafuso a menos. Seria prático se o Tinder exigisse um atestado de sanidade. Sem paciência para responder, apenas bloqueei e o meu dedo pairou no aplicativo, ponderando se deveria deletar e me poupar de estresses futuros. Como o idiota que era, resolvi dar uma última chance e procurar alguém. Desta vez, leria a bio primeiro. Apenas mais uma tentativa, era isso. Poderia muito bem pegar as transas de uma noite em um bar qualquer. Passei o dedo para o lado, ignorando aquelas que se pareciam com todas as que encontrei nos últimos meses. Lindas, com cara de modelo, super produzidas e com fotos sensuais em poses quase sexuais, até que parei em uma loira sorridente com o sol iluminando o seu rosto e a praia de fundo. Sua beleza era natural e apesar de não tentar seduzir quem observasse a foto, havia algo nela e na limpidez de seus olhos azuis que me atraiu. Sua segunda imagem era ela com uma minúscula bola de pelo, sentada no chão, o short curto revelava a coxa torneada e o meu interesse apenas aumentava. Na terceira, tinha uma taça de vinho e um olhar contemplativo, mostrando o perfil delicado. Ela arrumada para uma festa me arrebatou, a beleza natural evidenciada pela maquiagem, mas a que mais me chamou a atenção foi a última, apostava que foi tirada espontaneamente, pois não encarava a câmera, distraída por um sorvete em sua mão, os lábios úmidos com o doce gelado que eu adoraria saborear direto de sua boca. No perfil, falava de seus gostos e sobre ser jornalista, além da citação de uma mulher que eu não conhecia, mas devia ser famosa no Brasil. Fez um trocadilho nos nomes que me fez sorrir e não de deboche, como fizera com a cadelinha de antes. E ainda gostava de esporte! Com uma camisa de futebol, que eu nunca achei ser um vestuário sexy até vê-la usando, ao vibrar em frente à televisão. Real Madrid, acima de tudo! O time que eu torcia quando se tratava dos não-gregos. O futebol era um dos nossos esportes favoritos, inclusive, na Grécia antiga havia uma forma de se jogar muito parecida com a atual - que foi estabelecida pelos britânicos -, mas com quinze jogadores em cada time e podia se usar as mãos. Chama-se Episkiros e alguns revivalistas ainda praticavam em pequenos campeonatos. Quanto à mulher do Tinder, esperava que gostasse mesmo e não fosse atuação! Só havia um jeito de descobrir. Clarice (que não é a Lispector), você tem um match. Capítulo 3 Para mim, comer sushi era sinônimo de me sujar com molho. Sério, admirava demais quem conseguia entrar e sair de um restaurante com as roupas intactas, sem uma gota sequer de shoyu, o que não era meu caso. Passando a língua pelos lábios, recolhi os últimos resquícios do cream cheese que acabara de comer e coloquei a embalagem vazia de lado. Enquanto ainda mastigava, minha atenção foi desviada da TV para o celular com a chegada de uma notificação e bastou destravar a tela do aparelho para ler "você tem um novo match". Curiosa para ver se era algum dos que realmente torci para ter combinação, terminei encarando a foto do gringo gato que estive admirando minutos antes do jantar. Uau! Mandar ou não a primeira mensagem? Aquela era uma dúvida recorrente de usuários do aplicativo, principalmente das pessoas que gostavam de fazer joguinhos na hora da conquista. Como aquele não era o meu caso e ele tinha muitos pontos que me atraíam, tratei de colocar a incerteza de lado e tomar a iniciativa. "Gostei da camisa, sabe torcer ;)". Talvez aquele não fosse o melhor ou o jeito mais interessante de começar uma conversa, mas dentre as informações disponíveis no perfil, bem como as fotos, com direito a tanquinho à mostra, considerei que a minha escolha poderia trazer um tom leve e divertido, que era exatamente o que eu buscava. Assim que me levantei da mesa e recolhi as embalagens vazias, o celular vibrou sobre o tampo de vidro, mais uma vez atraindo minha atenção. Será que ele já tinha me respondido? Antes de pegar o aparelho e confirmar a suspeita, coloquei tudo no lixo descartável, troquei a água da Jujuba, que já rodeava minhas pernas e coloquei um pouquinho de patê em sua tigela. - Agora você vem atrás de mim, né? Sua interesseira! Depois de me abaixar e coçar atrás de sua orelha, ganhando um ronronar em resposta, lavei as mãos para tirar o patê de peixe grudado em meus dedos e fui até o celular. "Uma garota bonita que, não só gosta de futebol, como veste a camisa? Senhor, sinal mais claro do que esse não existe..." Veja só o que temos aqui, um homem que sabe fazer piada e ainda assim ser direto ao demonstrar interesse? Gostei! Enquanto digitava uma resposta, caminhei para o banheiro e depois de pressionar o enviar, aproveitei para escovar os dentes. "Mas não é qualquer camisa, é A camisa! :P Tudo bem com você?" "Mesmo assim, é apenas a camisa de um dos meus times favoritos, pouca coisa, não é? Estou bem e você?" De acordo com uma pesquisa realizada por mim mesma, baseada em experiências pessoais e muita conversa com as amigas, noventa por cento das conversas de aplicativo se tornavam desinteressantes nos primeiros quinze minutos. Isso porque, se as duas partes não colaborassem para a fluidez do assunto, a coisa tendia a se tornar uma grande entrevista, repleta de perguntas e respostas entediantes e monossilábicas. Como o bonitão do outro lado da tela do celular parecia ser interessante - isso se não fosse um fake, porque homem gato daquele jeito não costumava ficar muito tempo livre, dando sopa por aí -, e eu não queria correr o risco de cair na mesmice com ele, tratei de engatar logo um assunto depois do "oi, tudo bem". "Me corrija se estiver errada, mas contei pelo menos quatro países diferentes nas suas fotos, só as praias que não reconheço." "Vamos lá, antes de te dar as respostas, quero saber se você é boa de palpite". "Espere aí, você está me desafiando? Pois fique sabendo que detesto perder." Desde criança o espírito competidor esteve dentro de mim, mas pior do que ele, era não saber perder. Deus, como eu odiava uma derrota. Me ajeitando melhor na cama, desliguei a TV, que se tornou desinteressante em comparação à conversa que estava tendo e fui ler sua resposta. "Ótimo, se tiver mais acertos do que erros, te convido para um café."