Quando vou me levantar para preparar um chá, Rachel surge na sala. - E aí, como foi hoje, conseguiu? - Ela me olha com expectativa. - Também não foi dessa vez, como sempre queriam alguém com mais experiência - Ela me segue até a cozinha. - Calma, Aly, você vai conseguir. - Ela me estende um envelope. - O que é isso? - O papel em suas mãos me dá uma sensação estranha. - Chegou para você assim que saiu. Pego e abro ansiosa. Quando começo a ler, meu coração dispara. - São os papéis da finalização do inventário dos meus avós. - Avanço a leitura e a cada página fico mais nervosa. - Você está branca! Aconteceu alguma coisa? - Tenho um mês para pagar a primeira parcela da dívida da casa ou vou perdê-la. - Dou mais uma lida para me certificar e jogo o papel em cima da mesa. - Não sei o que fazer, Rachel, não consigo emprego e o que recebi da Grant não vai durar mais tempo. - Me apoio no balcão. - Tenho uma ideia, mas não sei se vai gostar. Eu a olho com expectativa. - Tem uma vaga na "boate", se quiser, é sua. Tenho certeza de que a Abigail te aceitaria. - O quê? Trabalhar na "boate"? - O que tem, Alysson? É um trabalho como qualquer outro, e nem todas as meninas que estão lá fazem programa. - Fico imaginando o que meus avós falariam disso. - Bem, se eles constatassem a sua situação e o "presente" que te deixaram, talvez concordassem. E você pensa ser a única que tem família que se importa com o que faz? - Eu não quis... - Olho para ela desconcertada. O que estou fazendo? Rachel dá um passo à frente, pega o pote com o chá e me entrega como se soubesse o que vim fazer aqui. - Olha, Alysson, a proposta está feita. Posso falar com a Abigail, mas só você pode decidir. Quer continuar batendo de porta em porta, à espera de que alguma "grande empresa" te aceite? - Pergunta, irônica. - Continue se iludindo, mas a vaga não vai esperar por muito tempo. Tenho uma solução para os seus problemas, não é como se tivesse que se aposentar lá, e só um meio para um fim, você decide. - Então vai para o seu quarto e me deixa sozinha. Sei o que a Rachel faz naquela "boate", ela nunca me escondeu nada. Ela começou como garçonete, agora prefere ser acompanhante por precisar passar menos tempo lá, e, porque o serviço lhe rende mais. No começo escutei várias vezes sobre o seu incômodo em dizer que saía com alguns empresários, pois a casa recebia bastante gente importante, mas com o tempo ela foi se acostumando. Contudo Rachel sempre deixou claro que não ficaria ali a vida inteira, ela quer se formar e é a "boate" que paga as suas contas, inclusive metade deste apartamento. Rachel é uma ótima amiga, sei que quer me ajudar, a sua ideia pode parecer loucura para alguém que viveu com avós antiquados como os meus, mas no momento não tenho outra escolha. Preciso fazer de tudo para não perder a única lembrança que tenho deles. Sigo até o seu quarto e bato na porta. Ela me manda entrar e a escuto no banheiro. - Só um minuto, já vou sair. - Sento-me em sua cama e paro para observar o porta-retratos com a foto de seus pais, na mesinha ao lado da cama, junto ao seu notebook. Sinto tanta falta dos meus, e agora, sem meus avôs, não tenho mais ninguém a não ser a minha amiga. Ela sai e quando a vejo, imploro por sua companhia. Rachel se senta ao meu lado e me abraça. - Aly, sei que tudo isso está sendo complicado para você, mas precisa reagir. - Rachel, farei uma última tentativa, se não der certo, fico com a vaga na "boate". Consegue esse tempo para mim? - Tudo bem, Aly, vou tentar, mas seja rápida, não sei se consigo segurar por mais de dois dias. - Ok, obrigada. Ficamos ali, conversando mais um pouco. Depois de voltar para a cozinha, fazer e tomar o chá, quando já estou em minha cama, analiso as consequências de aceitar a proposta de trabalhar na "boate". Eu não tenho muita escolha, então preciso pensar rápido. Eu não posso e não quero perder a única coisa que ainda lembra a minha família. A parcela da dívida é bastante alta, mesmo que estivesse na Grant ainda seria difícil, mas não impossível. Contudo, sem o meu emprego, não conseguirei arcar com esta dívida e a casa pode ir a leilão. Meu Deus! O que faço? Mas um dia sem conseguir nada. Acabo de sair de outra empresa que não tem vagas disponíveis. Sigo pelas calçadas movimentadas, as pessoas estão almoçando próximas aos restaurantes dos enormes prédios comerciais. A maioria em seu intervalo de trabalho ou lanchando antes de ir para mais um compromisso. Assim é o centro comercial de Nova York diariamente. Como queria que uma dessas pessoas fosse eu, mas no momento me encontro sem muita sorte. Caminho pela Broadway, depois de sair do The Woolworth, um prédio bastante famoso, que tem várias empresas. Para muitos um prédio turístico, para mim, menos uma oportunidade. Sigo até a Barclays, e paro um táxi, não aguento mais andar. Passo o meu endereço ao motorista e recosto minha cabeça no apoio do banco, fechando os olhos. Até a minha casa no Brooklyn seria mais de uma hora e meia de transporte público. Nunca imaginei ser tão difícil conseguir um emprego decente nesta cidade. Assim que chegamos na frente do meu prédio, pego minha bolsa para pagar ao motorista e percebo ser o último dinheiro que me resta. Pago e arrasto minhas pernas cansadas para fora do carro. Subo até meu apartamento e, ao entrar, encontro Rachel ao telefone. Ela está do lado de fora, na varanda, e não me escuta fechar a porta. Acabo ouvindo sua conversa. - Você não pode simplesmente aparecer do nada e ainda se achar meu dono. - Ela continua sem me perceber. - Sei o que eu disse, mas eu não posso fazer isso agora. Faço barulho para que perceba minha presença, não quero ficar ouvindo sua conversa, seja lá com quem esteja falando. Não me lembro de Rachel dizer que está saindo com alguém. Então ela me nota e se despede. - Desculpe atrapalhar, parecia importante. - Não atrapalhou nada. Só estava resolvendo alguns problemas na faculdade. - Ela está mentindo para mim. - E então, decidiu aceitar a vaga na "boate"? - Eu não sei, se isso vai dar certo, amiga. Eu não entendo nada de clubes de Sexo. - Vou até meu quarto e ela me acompanha. - Não tem nada de mais, Aly, você só precisa saber se quer trabalhar como garçonete, ou fazer o mesmo que eu. - Para ela pode ser simples, mas para mim, é a coisa mais complicada desse mundo. - Vamos, amiga, se quiser acompanhar os clientes, lhe trará um bom dinheiro, e tem pessoas para te ensinar. E então a cena vem à minha cabeça, eu dançando com pouca roupa ou nenhuma. Vários homens ao meu redor, tentando passar a mão, e o pânico me atinge. Meu Deus! Como poderei fazer isso? Só de me imaginar, meu coração quer sair pela boca. Eu poderia até aceitar a vaga para trabalhar de garçonete, mas acompanhante é um pouco demais para mim.