O que fumava apontou para um carro que acabava de estacionar na entrada do quarteirão, e os homens ao redor dele estreitaram seus olhos no motorista do carro, que saía e se enturmava com facilidade com os dançantes no meio da bagunça. Nenhum dos homens deu qualquer atenção para Suzan e eu.
- Não quero água - resmunguei, perdendo a luta quando Suzan enfiou o copo plástico em minha boca e me fez virar a cabeça. Eu engasguei e me afastei. O chão da adega e as paredes entraram em meu foco de visão, e eu pensei que estava caindo, mas Suzan me segurou. A música ali dentro não era tão potente. - Amiga, deixa de ser chata! A água não vai mudar nada. Eu vou continuar bêbada.
- Não é bebida, é droga - disse ela, num tom ríspido. - Victoria, você não pode usar essas coisas. Isso vai machucar o bebê.
- Não tem bebê. Não tem problemas - falei em tom trôpego, minha voz estava engraçada.
- Fugir para a Quartel quando as coisas na cidade estão difíceis, não vai mudar a realidade, Victoria - insistiu ela, expressando raiva. Eu dei risada. Ela ficava ainda mais bonita quando estava com raiva. Minha amiga era demais. Eu me aproximei e a abracei, antes de sair correndo para fora da adega. Suzan tentou me pegar, mas eu fui mais rápida, virando com tudo na direção da parede. - Victoria! Mulher, não faz merda, pelo amor de Deus!
Mas eu já estava bem longe dela, aproveitei que o grupo de homens se mantinha encostado na parede pichada da adega e me escondi ao passar correndo por eles. Um dos homens xingou quando pisei em seu pé, e eu me desculpei, rindo.
Suzan apareceu, puxando-me pelo braço. A minha música favorita de todas estava tocando. E eu levantei a cabeça e abri os braços, ignorando totalmente que minha amiga tentava me trazer para a realidade. Agora eu tinha conseguido chamar a atenção dos homens.
Eles me observaram, e eu reparei que aquele com cigarro entrava e saía do meu foco de visão, mas parecia extremamente bonito e alto. Ao lado dele, um homem se empertigou, perguntando alguma coisa para Suzan.
Ela ficou pálida.
- É a minha amiga do colégio - explicou ela, e eu dei uma risada mais alta, descendo ao som da música, bem na parte em que o cantor dizia que a mulher não era nem santa e nem malvada. Os homens observavam com um tom de riso, mas Suzan estava tremendo, e eu me virei, requebrando os quadris. - Ela só bebeu demais, Sottocappo Edward. Não queremos problemas.
Eu jurei que aquele grupo de homens deveriam ocupar a mesma cadeia na hierarquia que eu sabia que Bey pertencia. Eles tinham a mesma expressão debochada e despreocupada que os seguranças do bairro. Imaginei que fizessem parte daquilo também. Por isso, dei boas risadas, querendo me enturmar como eu fazia com facilidade com Bey.
- Sottocapo? - perguntei, virando-me para observar. Os homens deram palmadinhas nas costas daquele que se encontrava no centro do grupo, de expressão dura, e poucos amigos, e ele não me observou, voltou sua atenção para bem longe de mim ou de Suzan. Mas a minha atenção foi para o homem com o cigarro nas mãos, porque ele se manteve calado, embora seus olhos me escrutinassem com muita atenção. - Sottocappo, tipo o quê?
- Tipo um nome bem perigoso para você - disse o homem com o cigarro, abrindo um sorriso que eu não sabia se era mesmo tão branco quanto eu via, ou se eu já estava delirando pela droga.
- E o seu nome, qual é? - perguntei para ele, abrindo um sorriso.
Os homens fizeram expressões adversas, alguns estranhando como eu parecia estar atenta aos nomes deles, outros totalmente desinteressados numa menina que não sabia se controlar nem com uma dose de droga na bebida. A imagem do homem com cigarro parou de tremeluzir e desfocar quando fiquei totalmente parada, e eu notei, quando o farol de um carro de som bateu contra seu rosto, que ele realmente era mais bonito do que a droga me fizera pensar.
Os cabelos castanhos dele estavam para trás, mas não num penteado elaborado, estavam presos, no que eu considerei que as mechas ultrapassariam a sua nuca. As sobrancelhas eram grossas e expressivas. O maxilar pronunciado e o queixo levemente fino. E os lábios... a boca daquele homem me fez imaginá-lo fazendo coisas que meu namorado certinho nunca fez.
Uma tatuagem se encontrava abaixo do seu olho esquerdo, de longe, parecia uma data. Ele não tinha barba, mas o rosto demonstrava uma dureza que me fez entender que ele deveria ser um parente bem próximo do tal Picasso. E ele era alto, mais alto do que o próprio Picasso, e se destacava de todos os outros pelo ar de homem que sabe que pode ter a mulher que quiser.
Eu só não achava que ele fosse perigoso, porque eu frequentava aquela Quartel há um ano, quando o pai de Suzan arranjou um emprego na mesma escola que eu estudava, e ela passou a estudar lá com uma bolsa. Ela deveria ser a única no Quartel inteiro que estudava num colégio particular, e foi por essa noção que todos os ricos e esnobes sempre a respeitaram.
Mas, no Quartel, ela nunca me disse que o chefe do bairro respondia por algum codinome, ou que nem todos que possuíam aquele apelido eram meros seguranças. Eu não sabia que estava diante do maior escalão do Quartel, e dos homens mais procurados pela polícia e milícias rivais.
- Costumam me chamar de Don - respondeu o homem, afastando o cigarro da boca. Os olhos castanhos dele brilharam ao reparar mais atentamente em mim. - É um prazer, burguesa.
Eu fiz um gesto de cabeça, desvencilhando-me da mão de Suzan. Minha amiga parecia completamente petrificada. A música que tocava ao lado da adega era sobre uma mulher que o cantor dizia não servir para namorar.
E eu a dancei, dessa vez, muito ciente de que o Don me observava. Os homens ao redor dele decidiram que eu não merecia mais atenção alguma. Ele jogou o cigarro fora, desceu os degraus da adega e se aproximou. Era ainda maior quando eu tentava olhar de baixo para cima, e as roupas escuras que usava o deixavam ainda mais sombrio.
Uma corrente de puro ouro brilhou quando ele ficou abaixo da luz do poste mais próximo, e ele deslizou os olhos para o meu colar também de ouro, dando um sorriso de canto.
Escutei Suzan me chamar de novo, mas eu não me afastei, ao contrário, aproveitei que a música estava no seu auge do refrão, e continuei dançando. O Don colocou uma única mão no meu quadril, e eu já nem lembrava se algum dia havia sentido frio.
A mão dele era quente e um conforto bem vindo para o meu corpo. Eu me virei, descendo e subindo ao som da música. Suzan arregalou os olhos, totalmente trêmula. Minha amiga fez um gesto com as mãos, unindo dois dedos, mas eu não entendi direito. E continuei dançando, o Don me ofereceu a mão para que eu me erguesse.
De frente para mim, ele dançou, conduzindo-me numa coreografia natural pelo som metalizado da música. Dois passos para o lado, dois para o outro, sempre mexendo o quadril. Ele era bom no Reggaeton. Atordoada pela droga, me peguei pensando que ele deveria ser um dos seguranças mais habilidosos do chefe do Quartel, totalmente ignorante ao verdadeiro significado do nome pelo qual o chamavam.