- Ele não vem - Pyotr lamenta.
- Vem sim. Só deve estar um pouco atrasado - volto a
andar depressa.
Por que coloquei tanta coisa na mala? Está tão pesada!
Não sou a pessoa mais observadora do mundo, mas percebo que tem alguns homens me olhando, de longe. Parecem querer me cercar, deixar em um beco sem saída, ou deve ser só paranoia minha mesmo.
- Por que ele não viria? - Arqueio a sobrancelha.
- Por quê? - Pyotr ri. - Bem... - me mostra o celular.
Vejo a passagem comprada de madrugada, do Aeroporto Gilberto Freyre ao Aeroporto Emir Rashid Al Makariam.
Burra. Burra! Como você pode ser tão burra, Vanessa? E inconsequente!
Caralho, como você caiu nessa merda, depois de ter se livrado desse cara doente?
- Eu não acredito...
- É. Sou eu - se orgulha disso. - Viu? Por todos esses meses eu te mostrei que te conheço melhor do que ninguém. E eu posso te fazer feliz, tanto que você veio me encontrar.
- Eu vim encontrar o Rhayan - deixo bem claro.
- Pois é. Mas eu sou mais gato, fala a verdade. Ele é. Mas não falarei, nem que me torturem.
- Então é assim que vai funcionar, gatinha. - Fecha a mão em meu braço. - Vamos passear, tirar umas fotos, ter a nossa lua de mel, não sabe como estou com saudade de você. - Encosta o nariz em meu pescoço e dá uma fungada que em tempos áureos, me deixariam excitada.
Agora eu só sinto vontade de lavar o pescoço com água sanitária.
- E depois vamos para a Rússia.
- Deixa eu ver se entendi. - Afasto ele com minha mão, acaricio o braço dele também. - Você fingiu ser o Sheik Rhayan por todo esse tempo e... me traficou? É isso? Quis me traficar?
- Não - Pyotr fica ofendido.
A personalidade dele é assim. Muda da água pro vinho, do sorriso para a violência brutal em milissegundos.
- Eu só te trouxe para mim, do meu jeito. E você veio, de bom grado.
- Eu vim pelo Rhayan, só para deixar claro.
- Veio por mim. É comigo que você estava conversando.
- Ok, entendi. Me dá só três segundos para eu colocar a cabeça no lugar? - Respiro fundo e massageio as têmporas.
- Três... - ele começa a contagem. Dou uma boa olhada em Pyotr.
Agora, ficar em Recife, sendo saco de pancadas do meu pai, para não deixar que ele encoste um dedo na minha mãe na hora do surto, parece o paraíso, não o inferno.
- Dois... - mostra os caninos.
Desculpa, Dandara. Me desculpa, eu só queria te ver. Eu só queria estar com você mais uma vez e quando te contasse sobre minha vida de merda, eu teria um final feliz também, assim como você.
- Um... - ele toma o controle das minhas malas.
Consigo ver de soslaio os homens ao redor, fechando o cerco. Dois deles reconheço, trabalham para Pyotr, os outros cinco, não.
- E então, meu bebê, como vai ser? - Ele estica o rosto, pronto para o beijo.
Apoio as minhas mãos no peitoral largo dele, o que o faz abrir um sorriso. Suas mãos pesadas recaem sobre minha cintura e me apertam com tanto desejo que eu me desequilibro.
Ainda assim estico o joelho com a maior força que consigo e o chuto bem no meio das bolas.
Depois dou um soco bem forte com a mão enfaixada, o que faz com que o ferimento volte a arder intensamente.
E, obviamente, corro.
Björn Iranovichk
Japonesas ou Mexicanas?
"Não é que eu goste de complicar as coisas, elas é que gostam de ser complicadas comigo".
- Lewis Carroll.
Desembarcamos em Awmaj[6] numa pista privada cedida pelo Sheik Khaled. Lá pegamos o carro que foi alugado especialmente para o meu irmão e eu.
- Você está seguindo o GPS? - Confiro o aparelho.
Devíamos nos dirigir para um dos esconderijos dos traficantes que foi devidamente localizado.
- Estou. Para o aeroporto.
- Aeroporto?
Meu irmão e eu nunca escondemos nada um do outro.
Depois de trinta anos, essa é a primeira vez que o encaro com estranheza, aperto o cinto de segurança e observo a rodovia movimentada.
- É. Você acha mesmo que vamos nos casar e ter bebês?
- Ragnar ri. - Eu preparei tudo, não se preocupe.
- Que merda você fez? - Rosno.
- Simples: transferi todo o nosso dinheiro obtido pelos nossos negócios para uma conta segura e vamos nos divertir em outro país, é por isso que estamos indo ao aeroporto - diz como quem acorda pela manhã e decide que é uma boa ideia comprar um pão.
- Você... - cubro o rosto. - Enlouqueceu.
- Haakon enlouqueceu. - Encara-me furioso por não ter a minha aprovação. - Nós dois vivemos coisas que ele não entenderia.
- É.
- Quando Alana foi sequestrada e nós ficamos com aquela mulher... - As narinas dele inflam de tanto ódio.
- Estou do seu lado - é tudo o que tenho a dizer.
Primeiro, para que ele não bata em um carro e gere um caos. Segundo, porque eu estava lá, eu vivi e sobrevivi a abusos que não gosto de lembrar.
Não consigo dormir uma noite sequer desde o incidente e ele ocorreu há 19 anos. Aquilo deixou marcas que Ragnar e eu fizemos um pacto de sangue: 1) sempre apoiaremos um ao outro; 2) nunca deixaremos que nada nos fira novamente; 3) jamais poderemos amar alguém além de nós mesmos.
Chegamos ao estacionamento do aeroporto e Ragnar encontra um lugar estratégico para deixar o carro, é próximo à saída e ao elevador que conecta essa parte subterrânea aos andares superiores.
- O que você quer comer, japonesas ou mexicanas?
- Comida? - O acompanho quando ele sai do veículo.
- Mulheres - esclarece.
- Ah, mexicanas, com certeza - coço a barba. - O rei vai ficar uma fera.
- Esperava um pouco mais do Haakon. Fomos nós que ficamos ao lado dele, e...
- Socorro!
Paro com o corpo rente ao carro e procuro de onde a voz veio. Parece soar distante e assim como surgiu, desapareceu misteriosamente.
- Vem, me ajuda com as malas - Ragnar me chama.
- Imagina só a cara dele, quando...
- Socorro! - A voz fica mais intensa, parece que grita em meu ouvido.
Quando me viro para ver de onde vem, sou atropelado por um corpo feminino. Olhos grandes e castanhos, cabelos grossos, sedosos, mas desgrenhados pela corrida. Ela está suada, treme, se agarra ao meu braço.
- Me ajuda, por favor! - Suplica em um inglês com sotaque.
- Eles vão me pegar!
- O quê? - É tudo o que consigo perguntar, pisco os olhos, tentando entender o que acabou de me atingir. - Quem?
- Que merda está...? - Ragnar vem em nossa direção, fica parado quando vê a ilustre desconhecida.
Se apoia no carro, flexiona os músculos e abre um sorriso cretino de quem pode esperar o voo para se divertir um pouco.
- Eles estão... - a garota segura com firmeza em mim e me sacode. - Estão vindo. Preciso de ajuda!
A minha reação imediata é ficar parado no lugar, confuso. Ninguém jamais toca em alguém da realeza, muito menos segura com todas as forças que tem e sacode tão violentamente.
- Quem está vindo? - Olho para os lados, procurando sinal de outras pessoas.
Com isso, perco-a de vista, a moça voltou a correr.
- É suruba? - Ragnar a observa fugir.
O som dos passos dela são silenciados por sapatos e tênis batendo com firmeza no chão. Cinco segundos depois, uma gangue
de homens nos encara, a poucos metros. Não parecem nada felizes em nos ver e avançam em nossa direção.
- Ah, não, nem pensar - meu irmão cruza os braços. - Estamos de férias.
- Férias de...?
- Da vida. Chega de responsabilidade, lutar pelo que não é nosso, obrigações de fazer bebês reais... escutem, é melhor... - Ragnar tenta argumentar para a gangue, apelando para o bom senso.
E aqui vai um conselho importante: se um homem está vindo o mais rápido que pode em sua direção, com os dentes rangendo e olhar sanguinário, a dica de ouro é, obviamente: não tente argumentar.