Devon
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Capítulo 3 Devon

A primeira coisa que pensei ao ver o carro estacionar e Colin pegando as malas no porta malas foi: 'oba, mais comida'.

A primeira coisa que pensei ao ver Liv foi basicamente a mesma coisa, exceto que com ela eu queria que fosse mais lento.

Geralmente eu presto muita atenção nas pessoas quando elas chegam, depois tendem a me deixar entediado, algumas eram mais intrigantes que outras mas Colin me cansou nas primeiras duas semanas, a coisa mais interessante que ele fez nesses meses foi prender o dedo no aparelho de ginástica e levar cinco pontos, toquei piano feito doido quando ele foi ao hospital, Margareth adorou. Além disso ele era fraco demais, sua mãe estava comigo fazia um ano e meio e ainda viva enquanto ele em poucos meses já sangrava pelo nariz. Trazer uma nova cuidadora era o mínimo que podia fazer para me livrar do tédio.

Esperei ansiosamente até que ele fosse embora. As pessoas são mais interessantes quando estão sozinhas. Achei que Liv fosse abrir os armários e xeretar atrás de tudo que fosse de valor, não para roubar mas por curiosidade, ao invés disso ela subiu e entrou no quarto da Maggie.

Sim eu chamo a comida pelo apelido, fica menos cruel durante o processo.

Bem, notei que os cuidados de Liv eram bem diferentes dos de Rosa, a antiga cuidadora, ela olhou para a paciente de um jeito muito parecido ao que jovens mães olham para seus bebês.

Ao longo dos séculos eu ouvi muitas pessoas dizerem 'eu te amo', nunca entendi o significado disso, mas se fosse para apostar eu diria que era o que Liv sentia isso enquanto trocava as almofadas da idosa. Isso era algo para se pensar..

Ela desceu e abriu a geladeira, tirou uma embalagem e o colocou no forno.

"Macarrão com queijo? Vamos, Srta. Davis, você pode fazer melhor que isso."

O celular tocou me deixando frustrado.

Outra coisa sobre mim é que eu enxergo, escuto e há alguns anos passei a sentir cheiros, por isso me mantenho limpo, por isso também, percebi que o macarrão com queijo sem graça de Liv estava queimando no forno.

"Acabou de chegar e já vai me incendiar", eu teria bufado.

Voltei minha atenção para ela bem a tempo de ouvi-la dizer que meus papéis de paredes eram ruins.

Aquilo foi demais, eu me cuido para atrair mais pessoas a cada geração, as pessoas se sentem confortáveis e acolhidas, eu sou vintage como uma socialite com fogo de palha para levar uma vida pacata disse uma vez, pouco antes de ir embora ao descobrir que o Ebay não entregava aqui.

Quando Liv chegou já entregava, só para registro.

O importante é que Olivia Davis estava me difamando e tentando me matar, antes que eu pudesse pensar em mais alguma coisa o telefone tocou, ele não devia tocar, sei disso porque assim que a empresa de telefonia veio e fez furos em mim para passar fios que acabam ficando pendurados, eu os queimei. Muitas vezes até que desistiram. Disseram aos moradores que era o magnetismo do solo, se é que fazia sentido.

Sem telefone fixo por aqui. E mesmo assim ele estava tocando, era como uma cócegas vibrando por mim, Liv correu desesperada para manter a casa silenciosa.

- Alô.

Eu a ouvi, alto e nítido, muito mais perto e claro que qualquer outro som.

- Alô.

Não podia ser, eu não podia estar ligando para ela porque isso era algo totalmente novo e irreal, eu já tinha tido interações com algumas pessoas, batendo nas paredes e deixando palavras nos espelhos mas nunca algo assim.

- Oi? - arrisquei.

- Quem está falando?

- Você... tá me ouvindo?

- É, estou ouvindo. Com quem você quer falar?

Eu poderia ficar horas aqui tentando descrever o que eu senti naquele momento e ainda assim não conseguiria. Estava animado, ansioso, com medo, confuso e furioso, ela tinha dito que eu era antiquado.

Sério. Não foi legal.

- Er... forno.

Desliguei, ou esse é o termo mais correto para encerrar nossa conversa. Ela desceu correndo sem ao menos colocar o telefone no gancho. Naquele momento tive certeza que ela ia acabar me matando.

Ela desligou o forno, pegou a embalagem com um pano de prato e quase se queimou no processo, colocou embaixo da torneira e abriu, fazendo uma nuvem de fumaça subir até o teto da cozinha. Quase não acreditei nisso, meu teto ficaria preto e eu teria que limpar pouco a pouco por vários dias para não parecer suspeito.

Liv olhou pela janela, desconfiada. Fechou a cortina antes de conferir se a porta estava trancada, então pegou o celular e fez uma ligação. Enquanto chamava, ela tremia, ansiosa mas nada animada.

Sabe quando você tem que tirar um curativo mesmo tendo certeza que vai doer? Então, era assim que ela parecia.

- Alô? Oi, Justin - ela parou no meio da escada olhando para cima - eu só liguei para dizer que estou indo dormir. Quando você chega no Texas? - seus olhos estavam no telefone vermelho fora do gancho - está bem, até amanhã.

Estranho para namorados não dizer 'te amo' ao final da ligação.

Ela subiu e colocou o telefone no lugar, olhando para fora da única janela sem cortina, a maior da casa. Eu mantinha assim porque gostava como a luz da lua iluminava meus papéis de parede horríveis, como disse Liv.

Observei com atenção seus traços, ela era bonita, talvez você dissesse que ela estava acima do peso, mas houve um momento na história que Liv seria considerada a moça mais gostosa em todo o país. O cabelo castanho descia até o meio de suas costas em um rabo de cavalo preso no alto, pequenas manchas de Sol salpicavam seus ombros e seus olhos escuros pareciam dois puxadores de gaveta de tão grandes.

Liv voltou para o quarto de Maggie, ela sabia que a senhora não acordaria até o outro dia de manhã, mesmo assim, se sentou na poltrona e manteve os olhos fixos no leito, aos poucos sua cabeça pesou, tombando pro lado à medida que adormecia, notei sua pele arrepiada e seus membros encolhidos. Aumentei o aquecimento para deixá-la mais confortável. Não queria que ela ficasse doente porque quando fracos, os humanos morrem mais rápido.

Bem, eu queria acreditar nisso.

Ela passou a noite ali, acordando, dormindo e se assustando. Vários pesadelos em poucas horas, eu queria descansar mas não conseguia parar de olhar, me lembro de vê-la descer e preparar café, depois apanhar o jornal e jogar no lixo sem ao menos abrir.

'Nem as palavras cruzadas? É, Olivia. Você tem minha atenção.'

            
            

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