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A releitura das páginas precedentes fez ressurgir imagens mais antigas que foram, de fato, criadas por minha imaginação. O fato de tê-las concebido, bem antes de ter minha primeira relação sexual, ainda muito antes de perder minha inocência, constitui si um mistério sedutor. Que retalhos do real - fotografias no Cinémonde, alusões de minha mãe ao sairmos de um café cheio de jovens praguejando e insinuando que a única moça no grupo deve se deitar com todos eles; ou ainda o fato
de meu pai voltar tarde para casa, justamente depois de ter ido ao café... - acabei recuperando e ligando entre si, e que tipo de matéria instintiva fui modelando para que as histórias que eu contava a mim mesma enquanto friccionava os lábios da minha vulva tenham prefigurado tão bem minhas aventuras posteriores? Guardo até mesmo a lembrança de um crime: a prisão de uma mulher idosa, obscura (a empregada de uma fazenda, talvez), acusada de ter matado seu amante. Mais do que o assassinato, cujas circunstâncias acabei esquecendo, o que realmente me marcou foi o fato de terem encontrado em sua casa cadernos onde ela registrava lembranças e colava todo tipo de pequenas relíquias, fotografias, cartas, mechas de cabelos, relacionados a seus numerosos amantes. Eu, que gostava dos cadernos de exercícios de férias e de álbuns de figurinhas bem organizados onde colecionava fotografias de Anthony Perkins ou de Brigitte Bardot, fiquei admirada ao constatar que ela pudesse juntar o tesouro daqueles vestígios de homens em alguns blocos de papel. E um recanto secreto de minha libido ficou ainda mais perturbado diante do fato de aquela mulher ser feia, definitivamente solitária, selvagem e desprezada.
São grandes as semelhanças estruturais entre situações vividas e imaginadas, apesar de eu nunca ter procurado reproduzir voluntariamente essas últimas em minha vida, e os detalhes do que vivi tenham alimentado muito pouco minhas fantasias. Apenas devo admitir que as fantasias elaboradas desde a mais remota infância me tornaram aberta para uma grande diversidade de experiências. Como nunca tive vergonha dessas fantasias, nunca as reprimi, pelo contrário, sempre as renovei e enriqueci, e elas não constituíram uma barreira ao real, mas acabaram abrindo uma espécie de grade através da qual certas circunstâncias da vida que outras pessoas teriam achado extravagantes me pareciam normais.
Meu irmão e eu raramente éramos levados para brincar em jardins, mas, no caminho para a escola, havia um que costumávamos atravessar Num dos lados havia um muro extenso e, encostados nele, três bonitos abrigos de tijolo e de madeira pintada de verde, cercados de arbustos. Um servia para guardar o material de jardinagem e os outros dois eram banheiros públicos. Por aquele jardim deviam circular alguns grupos de garotos. E a primeira história que acompanhou minha prática de masturbação, retomada periodicamente durante muitos anos, me colocava na situação de ser levada a um daqueles abrigos por um garoto. Eu o Imaginava beijando- me na boca e bolinando todo o meu corpo no momento em que éramos surpreendidos por seus colegas. Todos passavam a participar. Ficávamos sempre de pé e eu girava em torno de mim mesma espremida no meio do grupo.
Quase todos os domingos durante o inverno, meu pai ou minha mãe nos levava à matinê do cinema do bairro, independente da programação e as pequenas seqüências dos filmes de amor e dos filmes publicitários que eu conseguia compreender impulsionaram minha imaginação. Fantasiava que me permitiam ir sozinha ao cinema. Havia muita gente na fila. De repente, alguém começava a me bolinar por trás e todos os que estavam próximos de mim na fila acabavam fazendo o mesmo, e, ao chegar diante do guichê, a mulher na bilheteria percebia que tinham levantado minha saia e eu conversava com ela, enquanto alguém se esfregava em minha bunda - eu estava
sem calcinha. A coisa ia esquentando. Eu atravessava o hall descomposta com a blusa tinha criado para mim mesma uma imagem de mulher adulta que me dotava de belos seios, imagem à qual ainda recorro em minhas fantasias, mesmo sabendo que meus seios têm um tamanho médio).
Às vezes, o gerente do cinema, plácido, mas autoritário, pedia que esperássemos chegar na sala de projeção para levar garoto numa mesma poltrona. Ele era uma espécie de líder do grupo, um pouco taciturno, que finalmente, tendo me excitado ao máximo, se separava brutalmente de mim para beijar outra menina e me abandonar aos caprichos dos homens de seu grupo com quem eu me deitava no carpete entre as fileiras de poltronas.
Desenvolvimento: senhores respeitáveis podiam deixar seus lugares ao lado de suas mulheres desconfiadas para atravessar no escuro a sala e vir se deitar sobre mim. Acontecia de eu fazer com que a luz da sala fosse acesa durante estas trepadas; ou, ainda, eu ia ao toalete de onde se formava um ir e vir com a sala. Acredito que, de tempos em tempos, chamava a polícia.
Variante: o gerente do cinema me fazia ir à sua sala, depois mandava que o grupo de garotos subisse... Outra versão: eu seguia até um terreno baldio com o grupo que tinha me bolinado na fila do cinema. Ali, atrás de uma cerca, deixavam-me completamente nua e se esfregavam em mim. O grupo era denso e formava um círculo em volta, como se fosse uma segunda cerca que me protegia do olhar dos passantes.
Um a um, os garotos se separavam do grupo e vinham até mim.
Numa outra cena, encontrava-me em uma boate, mergulhada no fundo de uma banqueta com um homem de cada lado. Enquanto eu beijava avidamente um deles, o outro me acariciava. Depois eu fazia meia-volta para beijar o outro, mas o primeiro não deixava ou acabava dando lugar a um outro, e assim sucessivamente, eu virava sem parar de um lado para o outro. Não tenho certeza se na época em que comecei a fazer essas fabulações já havia tido algum caso ou até mesmo beijado a boca de um único rapaz. Comecei tarde.
Quando voltávamos do colégio, no quarto que dividia com meu irmão, encontrava-me regularmente com um grupo de rapazes, mas para brigar com eles. Nessa idade, as meninas têm os corpos mais desenvolvidos que os meninos, eu era bem forte e quase sempre acabava levando vantagem sobre eles.
Já que estou relembrando construções imaginárias de minha infância e adolescência, devo ressaltar principalmente a distância que existe entre elas e meu comportamento, sobretudo na puberdade. Ao começar a ler um romance de Hemingway (O sol também se levanta, talvez), fiquei tão perturbada com a descrição de uma das personagens femininas, pelo fato de ela ter muitos amantes, que interrompi a leitura. Nunca mais a retomei.
Uma conversa com minha mãe provocou outro pequeno trauma. Não sei mais como começamos o assunto, eu apenas a vejo arrumando a mesa na cozinha e me
confiando ter tido, em sua vida, sete amantes. "Sete", disse me olhando, "não é tanto assim", mas havia em seus olhos uma timidez interrogativa.
Demonstrei minha contrariedade. Era a primeira vez que escutava de alguém a afirmação de que uma mulher podia ter muitos homens. Ela acabou se desculpando. Muito tempo depois, quando voltei a pensar naquele raro momento de franqueza, arrependi-me de minha atitude. Sete. O que representava isso quando comparado a uma conta que nunca fechava? Quando fiquei mais consciente de como eram os atos sexuais, naturalmente os incorporei a meus devaneios, mas sem que a consumação do coito excluísse a possibilidade de passar de um parceiro para outro. Sob este ponto de vista, um dos relatos mais completos era o seguinte: acompanho um homem gordo e vulgar, provavelmente um tio, a um almoço de negócios na sala reservada de um restaurante.
Vinte ou trinta homens estão à mesa e minha primeira intervenção consiste em, escondida sob a toalha, fazer uma volta completa embaixo da mesa para, sucessivamente, abrir todas as braguilhas e chupá-los um a um.
Imagino os rostos acima de mim, flacidamente descompostos, enquanto um de cada vez se ausenta brevemente da conversa. Em seguida, subo na mesa, onde eles se divertem enfiando em mim diversas coisas, como charutos e salsichões, alguém vem comer uma salsicha entre minhas coxas. A medida que o almoço se desenrola, vou sendo meticulosamente fodida, levada por uns até o sofá, outros me fodendo por trás em pé, eu curvada sobre a mesa, enquanto a conversa prossegue ao redor. De passagem, maitre e garçons também se aproveitam. No fim, se um orgasmo prematuro não tiver interrompido minha masturbação, os rapazes da cozinha se juntam a nós.
É uma situação recorrente eu me encontrar no meio de um grupo de homens que se ocupam de outras atividades que só interrompem para se juntar a mim com um certo ar de negligência. Uma pequena variação pode fazer do tio um padrasto e o grupo de homens de negócios pode tornar-se um grupo de jogadores de baralho ou de futebol que vêm, um de cada vez, me foder sobre um sofá enquanto os outros continuam a partida (ou se masturbam diante de uma tela de televisão).
Durante toda minha vida fui retomando, modificando detalhes, desenvolvendo com o método de um compositor de fugas sempre os mesmos relatos, que são versões mais ou menos longínquas dos que narro hoje.
Fiz alusão a flashs cinematográficos que influenciaram certas fantasias.
Não vi A Colecionadora de Eric Rohmer na ocasião de seu lançamento, mas apenas um trecho num programa de televisão. Numa casa de férias, um homem penetra num quarto e passa, indiferente, ao lado de um casal que está fazendo amor na cama; ele troca apenas um olhar com a jovem mulher. De repetição em repetição, minha transposição deu nisto: um entregador penetra na minha casa, estranhamente, sem que eu lhe tenha aberto a porta, e me surpreende no quarto (cuja luz filtrada é a mesma do filme) assistindo a um vídeo pornográfico. Sem uma palavra, ele vem se
deitar sobre mim, é logo substituído por um segundo entregador, que é seguido por um terceiro, que também agem de maneira muito natural. A história, às vezes, tem uma outra seqüência: um amigo vem me buscar e estou atrasada. Continuo trepando em pé, com a saia levantada nas costas, tomando cuidado para não desfazer minha maquiagem ou amassar minha roupa. Acontece que o amigo dá-se ao trabalho de bater à porta e vou abri-la, rebolando com o pau de um dos entregadores enfiado em minha boceta por trás. O amigo, excitado, começa a abrir a braguilha. Etc.
As fantasias sexuais são muito pessoais para que possam verdadeiramente ser compartilhadas. No entanto, eu tinha uma capacidade de imaginação desenvolvida e tinha uma fonte onde beber quando, logo depois, me aconteceu de conviver com os que gostam de falar. De acordo com minha experiência, a maioria dos homens se contenta com algumas expressões e frases: você é uma "chupadorazinha-chefe", uma comedora de colhões", antes de ser promovida a "puta que não teria medo de ser fodida deste jeito durante toda a noite", e é raro ser "fodida até o final" e "arrebentada com força", sem que a investida tenha sido anunciada em voz alta. Você o encoraja, confessando não passar de um "reservatório de porra", e como lhe assegurem que você será bem "cravada", ou "enchida", ou "fodida", você mesma pede para ser trespassada por esta "pica grossa", este "pau de ferro" que lhe faz tão bem, até que você acabe por "mamar o leite", "engolir o creme". Mas estas são apenas acentuações, relances entrecortados pelo rosário de interjeições, gemidos e todas as inflexões usuais do grito. Porque, paradoxalmente, os homens esperam menos respostas e mais carícias. Os termos chulos são sempre mais estereotipados e talvez guardem seu poder de pertencer precisamente ao mais imutável dos patrimônios.
Dessa maneira, esses termos nos tornam um pouco mais animais, ao fazer uso justamente daquilo que tem a função de nos diferenciar, ou seja, a palavra, e aceleram o aniquilamento que procuramos nesses instantes.
Outra coisa é construir um verdadeiro relato, a duas vozes e em contraponto à troca corporal, ao longo do ato sexual.
Um homem me fazia ampliar fantasmática e incomensuravelmente a coletividade fornicadora. Ele iniciava o diálogo dizendo que me levava para um quarto de hotel, do qual nem é preciso explicar a categoria. Homens faziam fila da cama ao corredor. "Quanto eles pagam para despejar em minha boceta?" Eu arriscava: "Cinqüenta francos?" Retificação docemente soprada em meu ouvido: "É muito caro. Não, eles vão pagar vinte francos para meter na boceta e trinta francos para enrabá-la. Quantos você vai pegar?" Eu, subestimando: "Vinte?" A advertência vem acompanhada de uma estocada seca: "Só isso? - Trinta!" De novo a piroca no fundo de minha vagina: "Você vai dar para cem e não vai se lavar".
"Garotos novos vão esporrar assim que entrarem em minha boceta". "Na sua barriga e nos peitos também, você vai ficar toda melada".
"E homens muito velhos e muito sujos, que não tomam banho há tanto tempo que terão crostas na pele." "É verdade, e quantos você vai pegar para mijar em você?"
"Vai haver também quem cague em mim?" "Vai, e você vai lamber o cu deles logo depois." "Mas, antes eu vou recusar? Vou me debater?" "Sim, vão enchê-la de tapas." "Isto me dá nojo, mas vou limpar as pregas do cu deles com minha língua". "Vamos chegar à noite e você vai ficar até o meio-dia do dia seguinte." "Vou ficar cansada." "Você pode dormir, eles vão continuar te fodendo. No dia seguinte a gente volta e o dono do hotel vai trazer um cachorro e vai ter gente que vai pagar para te ver fodida por um cachorro." "Vou ter de chupá-lo?" "Você vai ver ele com uma pica muito vermelha, vai subir em cima de você e vai ficar colado como se você fosse uma cadela." Outras vezes, a coisa se passava num barracão de obras com equipes inteiras de operários que não pagavam mais de cinco francos pela entrada. Como já disse, um movimento do corpo respondia às vezes às evocações, mas nada era sistemático: a ação real e a que era fantasiada se desenvolviam paralelamente e só se juntavam esporadicamente. Falávamos bem devagar, com a precisão e a atenção ao detalhe de dois testemunhos escrupulosos ajudando um ao outro a reconstituir um acontecimento do passado. Quando meu parceiro se aproximava do orgasmo, tornava-se menos falante. Ignoro se ele se concentrava sobre uma das imagens de nosso filme imaginário. De minha parte, acontecia de eu conduzir silenciosamente o roteiro para um quadro mais privado. O barracão se tornava um quarto do zelador de um imóvel em reforma. Neste tipo de lugar exíguo, a cama é, muitas vezes, dissimulada por uma cortina, e somente minha barriga e minhas pernas a ultrapassavam. Os operários continuavam a chegar em grupos, me comiam sem me ver e sem que eu os visse, mas sob o controle do zelador que coordenava o cortejo.