Capítulo 5 O Espaço

A razão pela qual eminentes historiadores da arte dedicaram, ao longo de seus trabalhos, cada vez mais atenção à arquitetura (penso em André Chastel e em Giulio Calo Argan) não poderia ser objeto de um estudo? Como é que suas análises, a princípio centradas nos espaços representados na pintura, foram se deslocando para a ordenação do espaço real? Como crítica de arte, eu talvez estivesse mais inclinada a seguir o exemplo deles, se não tivesse encontrado na arte moderna e contemporânea obras pictóricas das quais se pode dizer que se situam no limiar entre o espaço imaginário e o espaço que habi

tamos, quer se trate das imensas e peremptórias extensões coloridas de Barnett Newman (Newman que dizia: "Declaro o espaço"), do azul irradiante de Yves Klein, que se apresentava como o "pintor do espaço", ou ainda das superfícies e dos objetos topológicos de Alaín Jacquet, que acabam sobre abismos de paradoxos. O que caracteriza essas obras não é apenas o fato de abrirem o espaço; elas não só o abrem mas também o fecham. Newman no fechamento dos zíperes, Klein no esmagamento dos corpos dos Anthropométries, Jacquet na solda de um anel de Moebius.

Se nos deixamos prender por ele, é como se estivéssemos dentro de um incomensurável pulmão.

[...]

Portas de Paris

O estacionamento da porta de Saint-Cloud se encontra àmargem de um bulevar periférico, do qual está separado por um muro de grades. Eu estava apenas de sapatos, uma vez que, antes de sair do carro, tinha tirado minha capa de chuva, pois o forro me congelava a pele. No início, como já relatei, imprensaram-me num muro perpendicular; Éric disse que me via como se estivesse "presa pelas picas como uma borboleta em um quadro". Dois homens me seguravam por debaixo dos braços e das pernas, enquanto os outros se revezavam em minha bacia.

Naquelas condições de insegurança, e de número, os homens sempre metiam rápida e intensamente.

Eu sentia a aspereza do muro de cantaria penetrar em minhas costas e meus quadris. Apesar de já ser tarde, ainda havia tráfego. O zumbido dos carros, além de criar a impressão de que eles nos roçavam, me instalava no torpor em que costumo afundar durante as esperas nos aeroportos. Com o corpo livre do peso e, ao mesmo tempo, encolhido, dobrava-me dentro de mim mesma.

Intermitentemente, percebia, através dos olhos semifechados, os faróis que vinham varrer meu rosto. Os carregadores afastaram-se da parede e me vi levantada por dois potentes armários. Uma fantasia ativa, que alimentava há muito tempo minhas sessões de masturbação, a saber, eu era levada para um hall de um imóvel obscuro por dois desconhecidos que faziam um sanduíche e me empalavam juntos, um

pela boceta, outro pelo rabo -, acabou encontrando consistência - em um ambiente opaco no qual imagens criadas em meu cérebro e a realidade se interpenetravam suavemente.

Tive, se é possível dizer assim, de acordar quando meu corpo voltou ao apoio normal. Alguém jogou um casaco sobre o capô de um carro e me deitou lá. Conheço bem esse tipo de lugar, que não é muito confortável de ficar; eu escorregava, não tinha nada em que me agarrar. Nem sempre me ajustava bem aos cacetes que vinham em busca do canal já bastante viscoso. Eu era o invisível ponto de convergência de um teatro de sombras, salvo quando os faróis jogavam sobre a cena sua luz desbotada. Aí, eu conseguia vislumbrar o grupo surpreendentemente esparso, e constatava que os que já tinham despejado sua cota de porra se desinteressavam da seqüência dos acontecimentos. Diante de mim, desenhava-se a silhueta de um carro muito mais alto do que os outros, sem dúvida uma caminhonete, que talvez estivesse sendo usada como um biombo sumário.

A chegada no estádio de Vélizy-Villacoublay constitui uma lembrança realmente engraçada. O caminho tinha sido tão longo, o condutor da trupe tinha se mostrado tão misterioso acerca do destino, que a descoberta do lugar se abrindo como uma vasta clareira no meio do bosque nos fez morrer de rir. A noite era clara. Quando se tem tanto trabalho para chegar a um lugar, é porque se procura um espaço mais protegido, mais apropriado à cumplicidade! Além do mais, todo mundo se deu conta de que Íamos fornicar em um lugar povoado pelo espírito dos adolescentes que vinham jogar futebol ali, nas tardes das quartasfeiras.

As perguntas que não acabavam, nosso guia respondia que conhecia bem o lugar, para onde costumava ir constantemente. Ele estava um pouco embaraçado, como se o tivéssemos obrigado a revelar uma velha fantasia. Quem nunca sonhou em poluir com trepadas os lugares mais inocentes que freqüenta? O grupo encontrou refúgio nos degraus da arquibancada, pois é contrário ànatureza humana copular diante do horizonte aberto ou de toda perspectiva muito longínqua. Pensando bem, os olhares mais do que os corpos podem constituir uma barreira muito segura. Aqueles que trepam na praia, no verão à luz da lua, imaginam-se em uma intimidade que os abstrai da imensidão em volta. Nosso grupo era muito numeroso e dispersivo para criar por si só essa intimidade. Fui comida de pé, agarrada a algum montante dos degraus, com o vestido apenas arregaçado, temerosa de tirar toda a roupa por causa da frescura da noite, apenas com a bunda para fora. Me sinto bem nesta posição, com o tronco levemente curvado. No perímetro em torno do meu traseiro estendido, havia uma agitação alegre, enquanto meu olhar, dissociado, se voltava para o gramado vazio.

Parece-me que acabei ficando nua. Houve uma brincadeira envolvendo os vestiários: já que estavam à disposição, tínhamos que aproveitá-los. Ficavam atrás de uma guarita, que devia também funcionar como um bar, pois à sua frente havia um balcão. Estirei-me sobre ele, durante alguns minutos, pelo prazer ambivalente de ser apalpada e revirada como uma mercadoria de primeira. Eu me agitava muito, respirava profundamente o ar úmido. O telhado da guarita era prolongado por um alpendre que

cobria o balcão. As paredes eram regulares, limpas, sem nenhum cartazete colado nelas, o conjunto de uma simplicidade minimalista, à moda desses cenários de teatro distantes do realismo, concebidos como desenhos em escala real. Tive direito às últimas carícias e a algumas lambidas na vulva colocada numa altura apropriada. Depois, como decididamente o trajeto era longo, os carros não demoraram a partir.

É claro que muitas dessas aventuras acontecem à noite porque, nesse horário, os lugares públicos - que se oferecem como divertidos teatros para um repertório ao qual não são destinados e onde se pode reunir um grande número de pessoas - são mais acessíveis, eventualmente menos vigiados ou então beneficiados por uma vigilância complacente. Uma amiga de Éric guardava assim a lembrança da sensação glacial mas estimulante que uma fivela de cinto tinha deixado em sua bunda, marca de um pacto que tinha sido feito entre o casal e o grupo de policiais que fazia a ronda no bosque de Boulogne. Há também um consenso de que a obscuridade protege. Mas para certos espíritos como o meu, ela permite também ampliar ao infinito um espaço no qual os olhos não percebem limites. A fileira de árvores a apenas alguns metros deixa de ser obstáculo. Efetivamente, a obscuridade total quase não existe, e as pessoas habitualmente preferem a imprecisão da penumbra. Eu adoraria o negrume total, pelo prazer que encontraria em me deixar submergir em um lençol indiferenciado de carne. Na falta, tiro partido de uma luz brutal, da cegueira que ela provoca e da impossibilidade em que a gente se encontra, então, de situar sua fonte imergente em uma atmosfera algodoada onde as fronteiras do corpo se dissolvem. Em outras palavras, não temo ser olhada de surpresa, porque meu corpo está misturado àmesma poeira que o ar e todos os outros corpos que se ligam a ele num continuum.

Não posso, portanto, imaginar que existam olhares exteriores.

Durante um passeio após o jantar Bruno e eu acabamos instintivamente conduzidos às vizinhanças do bosque de Vincennes, a um terreno terraplenado, zona indecisa cuja vegetação, interrompida por uma faixa de cimento, é seca e espaçada. Havia ali um banco. Começamos a sarrar sem prestar atenção ao fato de que o lugar era iluminado por um lampadário e que a orla do bosque estava distante.

Parecia uma cena de um filme do pós-guerra, na qual a câmera se afasta e isola os personagens em meio a um halo.

Quando Bruno levantou meu vestido e começou a me alisar energicamente, as árvores estavam fora do campo de visão. Embora não déssemos conta de nossa imprudência, não falávamos, procurando encurtar o espaço fazendo apenas gestos comedidos, ocupando-nos alternadamente um do outro.

Enquanto ele enfiava os dedos bem fundo entre minhas coxas, eu ficava enroscada nele, com as pernas dobradas e fechadas no ponto máximo permitido pela posição de seu braço. Eu não tinha despido a parte de cima do vestido. Quando me debruçava sobre a intumescência em seu jeans, ele se imobilizava, com a cabeça apoiada no encosto do banco e o corpo reto como uma prancha.

Comecei uma conscienciosa chupada, evitando as mudanças de ritmo para não suscitar reações muito enérgicas. De repente, uma segunda luz, potente, dirigida sobre nós, foi ligada ao longe.

Durante um curto instante, ficamos na expectativa, incapazes de identificar a natureza exata do raio nem a distância de sua fonte. Um comportamento muito próprio de Bruno consistia em, no início, se deixar chupar passivamente, como se estivesse contrariado e, às vezes, interromper o movimento, para em seguida suscitar sua retomada sem me prevenir, pegando ele mesmo seu sexo e o enfiando em minha boca, quase como se ele tivesse preferido entrar nela à força.

Foi o que ele fez desta vez, conduzindo minha cabeça levanta da e pressionando minha nuca. Meus lábios e minha mão retomaram o movimento regular. Nada aconteceu depois da ilumi nação súbita e brutal de nossas silhuetas unidas. A luz que incidia a meu lado era tão intensa que me ofuscava através das pálpebras fechadas. Conduzi até o final a tranqüila felação, oscilando entre o quase silêncio das respirações e a dança das manchas douradas e negras diante de meus olhos.

Retornamos logo em seguida, compartilhando sem fazer comentários uma perplexidade divertida. Tínhamos entrado no campo de luz dos faróis de um carro? Carro de polícia ou de voyeur? Um projetor defeituoso tinha sido ligado automaticamente? Nunca encontrei explicação para aquela luz tão bem focalizada.

                         

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