Capítulo 4 Apenas as primeiras vezes

É impossível manter, em todos os momentos da vida, o mesmo regime sexual! As mudanças podem estar relacionadas a circunstâncias amorosas - uma só pessoa é capaz de canalizar todo o seu desejo - mas também a momentos em que a consciência se volta para si mesma, em função de mudanças que interferem em setores que não são necessariamente os da vida sentimental -mudança, doença, novo ambiente profissional ou intelectual -' e acabamos saindo do caminho no qual estávamos engajados. Conheci duas situações que puseram um freio em minha dispersão sexual.

Como Jacques e eu nos preparávamos para dividir a mesma casa, ele escreveu dizendo que não devíamos mentir ou esconder nada um do outro. Acontece que eu acabara de estabelecer relações que achava que poderiam desagradá-lo. Passei a evitar uma ou duas delas, a espaçar as noitadas nas surubas e vivia o que eu continuava ainda a fazer com uma culpa que nunca tinha experimentado até então, e que acabou por provocar um efeito inibidor real.

Por outro lado, uma suruba que teve um desenrolar bastante banal acabou significando para mim uma virada. Conhecia o casal que nos recebia e que eu considerava paródias dos personagens de Cidadão Kane, porque ele acabava de assumir a direção de um grande jornal e ela era cantora. Eu já havia trepado, se não com os dois, certamente com ele.

O grupo estava dividido em dois: uma parte no quarto, outra em um sofá curiosamente colocado no meio de uma sala iluminada por um lustre. Gostava bastante do pau do anfitrião, rechonchudo, proporcional ao modelo reduzido de seu corpo desprovido de altura. Começou um movimento em direção ao quarto, onde uma

jovem mulher afundada em um edredom, com os membros no ar como um bebê que esperneia em seu cesto, desaparecia sob os movimentos sucessivos de um tronco largo que a cobria, soltando urros que atravessavam o apartamento. Vejo com certa placidez este tipo de extroversão. A admiração que um dos participantes exprimiu, achando que "ele estava se entregando", era, para mim, muito idiota. Voltei para descansar um pouco no sofá. Pensei que aquela jovem mulher ocupava um lugar central que até então tinha sido o meu e que eu poderia estar enciumada, apesar de ser um ciúme comedido. Pela primeira vez, fiz uma pausa nessas noitadas em que costumava atuar sem descanso. E passei a aproveitar essa pausa, da mesma forma que nos momentos que me voltava para dentro de mim durante um jantar, uma reunião com amigos. Não deixei de me questionar sobre aquela nova reação. A resposta que consegui encontrar era que, ao conversar sempre abertamente sobre essas práticas com interlocutores que também as praticavam ou não, ao comentá-las e interpretá-las na maioria das vezes utilizando o arsenal de uma psicanálise mais ou menos selvagem - e que tinha sobre mim o efeito de um regimento de cavalaria chegando inesperadamente num acampamento de índios insubmissos -, enfim, tendo eu mesma acabado por tomar três vezes por semana o caminho de um divã onde o caso não era trepar mas falar, eu tinha conquistado, sem perceber, um lugar que não era apenas o de membro ativo, mas também de observadora.

Assim que me afastei do centro da espiral fiz uma descoberta: meu prazer já não era tão intenso quanto no começo, passou a não ter importância onde eu fazia amor com alguém, mas onde nos beijávamos; e, muitas vezes, apenas o primeiro sarro já era suficiente. E claro que havia exceções.

No entanto, na maioria dos casos, mesmo quando a continuação não era desagradável, tinha o gosto de um biscoito que se morde quando não se tem mais a bola de sorvete para derreter na língua, ou a atração do quadro que se admira, mas sobre o qual se entretém o olhar pela décima quinta vez. Quando dependia da surpresa a volúpia era total. São essas ocasiões que me fornecem muitas das lembranças mais nítidas de orgasmos. Posso citar: a travessia, tarde da noite, do imenso hall de um hotel Intercontinental; o assistente elegante e distinto que me acompanha há duas semanas num périplo através do país me pega pelo braço quando acabamos de nos despedir, cola-se em mim e me beija na boca. "Amanhã de manhã, vou ver você em seu quarto." Sinto um espasmo que sobe até o estômago e continuo andando em direção às recepcionistas distantes e acabo torcendo meu tornozelo. Uma outra vez, mergulho no carpete em direção ao dono da casa, um pouco bêbado, perdido no meio de outros convidados, e que me atrai puxando minha gola, beija-me longamente com um desses beijos de cinema que nos embalam docemente; não se trata de uma noite destinada a se transformar em suruba, a mulher dele conversa no cômodo ao lado, e um de seus amigos, que também está sentado no chão, o rosto inadvertidamente muito perto dos nossos, nos observa, apavorado. Sou tomada pela volúpia. Ainda: a visita ao "Último Picasso" no Centre Georges- Pompidou em companhia de Bruno, com quem as relações são muito eventuais. Quando ele sai do meu campo de visão, no momento em que me aproximo de um quadro, sua presença torna-se mais impositiva e sou apanhada desprevenida por uma descarga de secreção, breve mas muito especial. Continuando a

percorrer a exposição, sinto meu collant pegaj oso no contato com os lábios de minha vagina e um pouco depois no ponto de encontro entre as coxas, de acordo com a alternância da caminhada. Ora, enquanto durante o primeiro período de minha vida eu era bastante indiferente ao fato de obter ou não essa mesma sensação nas carícias mais diretas, ou durante a penetração, num segundo momento, quando tomei consciência de sua limitação singular, comecei a alimentar esperanças de que esta pressão longínqua numa zona indefinível do baixo-ventre e a conhecida onda que a dissipa pudessem se renovar igualmente na continuidade das relações.

Ao me aproximar da metade de minha vida, encadeei dois relacionamentos, um mais leve, outro carregado de afeto, que se desenrolavam de acordo com um esquema parecido: eu tomava consciência do desejo que experimentava em relação à pessoa e o desejo ficava ainda mais ardente; no auge, havia momentos de copulação apaixonados, mas minha satisfação não era tão plena quanto no contato inicial. Durante muitos anos, mantive fielmente com aquele que me acompanhava na exposição Picasso uma amizade ameaçada por períodos de acesso de desejo mal assumidos, contrariados, agressivos, etc. Foi a minha única experiência caótica.

Eu era recebida diariamente por ele durante algumas semanas, até que, um certo dia, eu tocava a campainha e ninguém abria a porta, que ficava fechada durante muitas semanas, ou até mesmo durante muitos meses. Isto continuava até que minha teimosia incrédula fosse enfim gratificada com uma interjeição rouca do outro lado da linha que me autorizava a encontrá-lo novamente. Não tenho dúvidas de que em função daquele clima de incerteza, com ele o orgasmo instantâneo quase sempre voltava a acontecer. Falávamos com desenvoltura, trocávamos impressões de leitura, freqüentemente de pé, num ambiente onde poderia ter vivido um quacre. O tempo passava, eu me reaproximava.

"Alguém quer um pequeno carinho?", ele perguntava num tom distraído mas afetuoso, como um adulto a quem uma criança vem incomodar. Então sua mão afastava minha calcinha e dois ou quatro dedos desencadeavam em mim um grito breve e doloroso, porque sentia tanto uma surpresa sufocante quanto prazer. Ele também sentia prazer ao encontrar a passagem já lubrificada. Éramos generosos em carícias e beijos. Ele tinha gestos largos.

Quando eu estava deitada, ele tirava o lençol num movimento que, ao mesmo tempo, percorria meu peito de par a par; eu podia ficar reta e imóvel sobre as costas enquanto a palma de suas mãos me varria inteira de uma só vez, como se eu fosse apenas um esboço.

Quando chegava minha vez de me ocupar dele, eu, ao contrário, o explorava com minúcias, privilegiando as dobras do corpo, a parte de trás das orelhas, virilha e axilas, a risca das nádegas. Ia em busca até mesmo dos sulcos das linhas em suas mãos entreabertas. Durante essas preliminares, eu ficava pensando na delícia que seria dentro em breve, quando ele decidisse me virar para me foder como eu gosto, de quatro, agarrando minha bunda para investir contra ela com movimentos bruscos e sonoros de seu quadril. Sinto um prazer especial quando um pau entra e sai em

investidas entrecortadas; uma em cada três ou quatro vezes, a estocada um pouco mais intensa provoca uma surpresa que acaba me arrebatando. No entanto, apenas excepcionalmente experimentava uma volúpia tão intensa se os dedos já tivessem aberto o caminho. Então ficava pensando na próxima vez, instalava-me naquela espera e me dedicava, se necessário, a forçar a resistência da porta fechada ou a reforçar a lição de moral.

Um pouco antes eu havia tido uma ligação com o autor das fotografias que não deram certo feitas no meu escritório. Encontrava-me com ele num hotel do bairro dos Gobelins ou num apartamento vazio que lhe emprestavam, perto da gare de l'Est, entre onze horas e meio-dia, três e meia e quatro e meia da tarde, ou seja, horas impróprias para quem quer que exerça uma atividade profissional, mesmo que não tenha que cumprir horários rígidos. Na véspera, eu já sentia a excitação de meu sexo submetido às trepidações do banco do metrô, enquanto imaginava o que poderia acontecer. A sensação podia ser tão enervante que eu preferia às vezes descer algumas estações antes de meu destino e relaxar caminhando. Aquele homem lambia meu sexo infatigavelmente. Sua língua agia langorosamente, afastava cuidadosamente todas as dobras da vulva, fazendo circunvoluções em volta do clitóris, e, como um cachorrinho, aplicava largas lambidas na abertura. A necessidade de que seu sexo viesse cicatrizar a abertura tornava-se imperativa. Quando ele enfim penetrava, com tanta doçura e com a mesma meticulosidade da língua, meu prazer ainda não estava à altura do que havia sido a ascensão do desejo.

Por obrigarem a deslocamentos em curtos espaços de tempo, nossos encontros às vezes não davam certo. Se eu percebia que ele não ia chegar, ficava estirada na cama, balançando os pés, a vontade dolorosamente encaixada entre as coxas como uma tala que teria me impedido de fechá-las.

Seguia-se uma opressão que me parecia insuperável, que me impediria de cumprir as tarefas do dia, de voltar para o escritório, de telefonar; de tomar decisões sobre coisas importantes ou não. Como poderia, até o próximo encontro, levar uma vida normal, como se nada tivesse acontecido? O desejo escancarado faz de mim uma marionete que se deixa cair, os braços e as pernas abertos, rígidos, incapazes de se moverem por si próprios. Mas, por sorte, esta astenia que sempre me persegue, mais ou menos obsessiva dependendo das circunstâncias, não dura.

A porta do escritório, independente de minha vontade, é sempre uma passagem perfeitamente vedada, e mesmo molhada entre as coxas (ou depois de viver um acontecimento de qualquer natureza) eu tenho a capacidade de mergulhar com a mesma facilidade no trabalho.

Será que eu teria pensado na possibilidade de escrever este livro, que se abre com um capítulo com um título como "o número , se não tivesse a experiência de ser, pelo menos por uma vez, um minúsculo satélite subitamente saído da órbita em que era mantido por uma rede de conexões que não o comanda mais? O afastamento se deu em duas etapas. Em primeiro lugar aconteceu, de uma hora para outra, de eu encontrar a insatisfação mais freqüentemente e de vivê-la de maneira ainda mais

obstinada do que a que acabo de descrever. A excitação podia ser intensa. Os sinais que considerava como presságio para o prazer total eram os lábios frios, um arrepio (falarei mais adiante e com mais detalhes sobre essas sensações). Se, como vinha acontecendo com mais freqüência, o processo se encurtava, um inexpugnável obstáculo se colocava diante de mim em vez da vasta saída esperada. Invariavelmente, no instante em que o outro se separava e que eu fechava as pernas, procurava definir o que sentia, com a mesma determinação com que me empenho ao descrever um objeto num artigo, e, no entanto, as palavras me faltavam. Como poderia nomear este sentimento exclusivo? Essa era a pergunta que eu fazia. Tratava-se certamente de uma raiva dirigida àquele que se encontrava ao meu lado, independente dos sentimentos que experimentava também por ele. Uma raiva que, no entanto, preenchia um vazio naquele momento, tão perfeitamente quanto o metal fundido se encaixa em sua forma. Como obstinava-me a descrevê-la, lembrome de tê-la algumas vezes comparado a um gênero de escultura: o dado hermético de Tony Smith.

Felizmente, da mesma maneira que a opressão que tomava conta de mim depois de um encontro frustrado não se prolongava além do trajeto do táxi ou do metrô, a raiva fulminante não sobrevivia ao reflexo que me conduzia ao lavabo. Acredito que assim, ocupada em passar uma esponja em meu sexo, pensei pela primeira vez que era necessário relatar a verdade sobre tudo isso.

Durante um período que estimo ter sido de três anos, talvez quatro, e que corresponde ao que considero uma segunda etapa, as relações sexuais que eu podia ter tornaram-se raras e, quando aconteciam, eram mais ou menos como as que acabo de descrever.

Aconteceu também de eu passar, sozinha em Paris, semanas de verão entrecortadas por longas jornadas de trabalho e noites encurtadas pelo calor e ao mesmo tempo por angústias clássicas. Foi então que tirei debaixo de um monte de lingeries o vibrador que tinham me dado anos antes e que eu nunca tinha usado. Ele tem duas funções que podem ser ativadas em duas velocidades. A extremidade é uma cabeça de boneca com uma estrela na testa, cujos cabelos formam um entalhe que corresponde à borda da cabeça de um pau. Esta cabeça percorre círculos mais ou menos largos, enquanto uma espécie de pequeno javali que se destaca na metade do cilindro vibra uma língua muito comprida destinada a excitar o clitóris. A primeira vez que usei o objeto, gozei instantaneamente, num espasmo muito longo, perfeitamente identificável, mensurável, e sem que tivesse de recorrer a histórias. Eu estava totalmente concentrada na situação. O orgasmo, isto é, o orgasmo de qualidade mais pura, podia então ser desencadeado sem que tivesse sido necessário que eu me remetesse como sempre à fonte de satisfação da "primeira vez e sem mesmo que eu tivesse tido tempo de, usando a imaginação, convocar entregadores e operários de construção. Solucei numerosas vezes após aquelas sessões rápidas.

Misturavam-se a violência dolorosa do prazer e a volúpia da solidão da qual já falei, apenas aumentada, ali, por um toque de amargura. O contraste entre o que correspondia tão bem ao que se chama prazer solitário e meu gosto ordinário pela

pluralidade era cômico. Uma vez cheguei a pensar que deveria "relatar a verdade sobre tudo isto", o livro se chamaria A vida sexual de Catherine M. e isto me fez sorrir sozinha.

Apesar de mal dotada pela natureza, hoje usufruo de uma dentição sã, por ter sido tratada por um excelente dentista, que nunca me enviou a nota de seus honorários. A primeira vez que, depois de receber-me como de hábito em seu consultório, ele me fez penetrar numa sala de espera que não era a usual, uma peça maior e arrumada num estilo muito diferente, com um mobiliário clássico e não moderno, experimentei uma impressão de estranheza; poderia se dizer que, passando por uma porta familiar, eu era transportada em um passe de mágica para um cenário de filme ou de sonho. Ele me deixou só. Depois entrou intempestiva-mente, despiu meu peito e meu rabo, me acariciou, desapareceu. Voltou dez minutos mais tarde em companhia de uma jovem mulher. Trepamos os três. Só mais tarde compreendi que o consultório era duplo, com duas salas de espera dando acesso a duas salas de tratamento contíguas. Julien passava de uma para a outra, tratava de um paciente enquanto o curativo do outro secava. Se fosse eu, ou uma de suas amigas, ou uma e outra ao mesmo tempo, que se encontravam em um dos consultórios, ele podia, com lances de prestidigitador, excitar seu pau na boceta de uma ou outra, prepará-la, desaparecer no outro lado da parede, voltar. Em geral, ele esporrava assim que penetrava na xoxota. Tinha concebido e executado sozinho a decoração de seu consultório duplo até tarde da noite, depois da saída de seu último paciente. No fim de semana ele participava de torneios de tênis de nível bem elevado. Acontecia de marcar encontros comigo à tarde, tendo reservado um quarto num hotel de luxo. Eu fazia o check-in, ele me encontrava por quinze minutos, deixava o dinheiro para o check-out. Tinha simpatia por ele. Ficava tocada pelos motivos misteriosos que o impulsionavam naquela atividade infatigável. E identificavame um pouco com ele, eu que não conseguia parar, e que, quando estava em um lugar, tinha logo vontade de estar em outro, de espiar o outro lado do muro.

Quando volto de um passeio, detesto repetir o mesmo caminho da ida. Estudo minuciosamente os mapas a fim de encontrar uma nova estrada que me levará em direção a uma paisagem, um edifício, um detalhe curioso, que ainda não conheço. Quando fui à Austrália, o lugar mais distante que já fui na terra, dei-me conta de que a percepção que eu tinha daquela distância era equivalente à idéia de não encontrar barreiras sexuais. No curso da mesma reflexão, tinha me perguntado se a alegria de ter filhos pertencia à mesma família de sentimentos. Relaciono a essas lembranças o comportamento de Éric, que sempre se empenhava em renovar o desenrolar das noitadas, como teria feito - para usar suas próprias palavras - um operador de viagens".

Tratava-se, esclarecia ele, de "ampliar o espaço".

            
            

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