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Existem duas maneiras de encarar uma multidão: como uma aglomeração na qual os indivíduos se confundem ou como um encadeamento onde, ao contrário, o que os distingue é o que os une, como um aliado que compensa as fraquezas de outro aliado, como um filho que se parece com o pai, mesmo se opondo a ele. Os primeiros homens que conheci fizeram de mim, imediatamente, o emissário de uma rede da qual não é possível conhecer todos os membros, a malha inconsciente de uma família no sentido bíblico.
Já insinuei que com medo das relações sociais, eu tinha feito do ato sexual um refúgio onde submergia de bom grado a fim de me esquivar dos olhares que me constrangiam e das trocas verbais para as quais ainda não estava preparada. Estava também fora de questão que eu tomasse a iniciativa. Nunca fiz jogo de sedução. Em compensação, estava disponível em quaisquer circunstâncias, sem hesitação, sem segundas intenções, em todas as aberturas de meu corpo e em toda a extensão de minha consciência. Se, como demonstra o teorema proustiano, vejo minha personalidade através de uma imagem desenhada pelos outros, este é o traço dominante. "Você nunca dizia não, nunca recusava nada. Não se fazia de difícil." "Você estava longe de ser apagada, mas você também não era extravagante." "Você fazia as
coisas naturalmente, nem reticente nem sacana, era apenas, de tempos em tempos, um pouco maso...
"Nas surubas, você era sempre a primeira a dar a partida, sempre na frente..." "Lembro-me que Robert lhe mandava um táxi como se fosse urgente, e você ia." "A gente a via como um fenômeno, e mesmo quando havia muita gente você era a mesma até o fim, inteiramente entregue. Você não fazia o tipo de mulher que quer dar prazer a seu macho, nem a grande putinha." "Você era como um amigo de saia." Há também esta nota escrita por um amigo em seu diário, que reproduzo ainda lisonjeada: "Catherine, cuja tranqüilidade e maleabilidade são dignas dos maiores elogios.
O primeiro homem que conheci foi aquele que me fez conhecer o segundo.
Claude era amigo de um casal uma dúzia de anos mais velho do que nós. Ele não era muito grande, mas tinha a musculatura de um atleta.
Ela tinha um rosto magnífico, com cabelos louros e curtos, e o caráter rígido com o qual as mulheres inteligentes às vezes modulam sua liberdade sexual. É possível que Claude tenha tido relações com ela antes de apresentá-lo a mim, quer dizer, antes de ter me induzido a trepar com ele. Fazíamos uma espécie de troca dissociada que perdurou mesmo quando Claude e eu alugamos um apartamento vizinho ao deles. Eu ia encontrá-lo na casa deles, enquanto ela encontrava Claude em nossa casa. A separação tinha a função de um controle remoto: não era o mesmo filme que se passava de um lado e de outro. Por uma única vez, esta disjunção não foi respeitada. Passávamos férias em uma casa que eles tinham na Bretanha. Naquela tarde uma luz doce e fria clareava a sala até o lugar onde ele descansava num sofá. Eu estava sentada no chão, ela entrava e saía da sala, Claude estava ausente.
Ele, com um olhar fraco, pouco vigoroso e quase submisso que alguns homens têm mesmo quando exprimem um comando imperioso, atraiu-me e beijou-me segurando meu queixo, depois fez minha cabeça deslizar até o seu sexo. Eu preferia assim. Fazê-lo endurecer enroscada sobre mim mesma era melhor do que em um longo beijo com o corpo esticado. E chupei-o muito bem. Acho que, naquele dia, me dei conta de que era bem-dotada para esta prática. Aplicavame em coordenar bem o movimento da mão com o dos lábios, às pressões de sua mão em minha cabeça eu correspondia acelerando ou diminuindo o ritmo.
Mas é sobretudo dos olhares que guardo a lembrança. Nas vezes em que abandonava o horizonte de seu zíper para inspirar profundamente, entrevia tanto o olhar dela, que tinha a vacuidade doce dos olhares das estátuas, quanto o dele, um pouco perturbado. Hoje, meu sentimento é que devo ter, então, confusamente compreendido que o fato de que as relações com os amigos pudessem crescer como uma planta trepadeira, expandir-se e enlaçarse numa total e recíproca liberdade, sendo para isto suficiente se deixar levar por esta seiva, não implicava, no entanto, que eu deveria abrir mão de decidir por mim mesma, resoluta e solitariamente, sobre minha conduta. Amo esta solidão paradoxal.
O mundo da arte é feito de uma multidão de comunidades, de famílias, cujos pontos de ligação eram, na época em que comecei a exercer a profissão de crítica, principalmente os locais de trabalho, galerias, redações de revistas.
Esses pequenos falanstérios eram viveiros naturais de apaixonados ocasionais. Como eu morava em pleno Saint-Germain-des-Prés, que ainda era o bairro onde concentravam-se as galerias de arte moderna, bastava andar alguns metros para ir de uma exposição a um intervalo amoroso. Vejo-me na calçada da rua Bonaparte em com panhia de um novo amigo pintor, um rapaz tímido que não ergue a cabeça nem quando abre desmesuradamente seu sorriso ou quando, através dos óculos grossos, pousa seu olhar em mim.
Não lembro como ele me fez compreender que me desejava, certa mente de maneira precavida ("você sabe, gostaria de fazer amor com você"), talvez até sem me tocar. Não devo ter falado grande coisa. Decido levá-lo até o meu quarto. Ele se deixa guiar, sem se dar conta de que também me excita ao lançar sobre mim um olhar ao mesmo tempo submisso e inseguro. Meu prazer se concentra neste momento preciso, quando tomo uma decisão e o outro équase apanhado de surpresa. Experimento a sensação embriagadora de cumprir um destino de heroína. Mas, para deixá-lo à vontade, nada melhor do que o discurso de uma menina que acaba de se libertar do jugo familiar, afirmando "quero tudo" de maneira um pouco idiota.
Ele continua a me olhar com olhos atentos. Uma pessoa que percorreu comigo o mesmo caminho, hoje, confessa, hoje, que meu quarto, na época, lhe provocava a mesma impressão de um quarto de programa, e que o tecido um pouco gasto que servia de colcha parecia uma lona jogada sobre a cama para pudicamente protegê-lo do que ali ia se passar! Visita em grupo a uma exposição organizada por Germano Celant num museu de Gênes. Claude, Germano e os outros andam na frente, eu vou ficando para trás com William, que participa da exposição. Gestos curtos às escondidas, ele espalma a mão em minha boceta, eu pego a protuberância que se apresenta através de sua calça, para me assegurar de que está dura, mais como se fosse um objeto inanimado e não um pedaço de matéria viva. Ele tem um sorriso especial, que dá a impressão de já ter a boca tomada por um beijo profundo.
Se diverte ao me ensinar a falar em inglês "cock, pussy". Algum tempo depois, está de passagem por Paris.
Saindo da Rhumene, passa a língua em minha orelha e murmura, escandindo bem as palavras: "i want to make love with you." No canto de uma porta de serviço, atrás de uma agência de correio, na esquina da rua de Rennes com a rua do Four, eu arranho em inglês: "i want your cock in my pussy." Risos e o mesmo trajeto até o apartamento da rua Bonaparte, para onde William, assim como Henri, e muitos outros, seguirão muitas vezes. Lá, trepar pode ser a dois ou a muitos, O pretexto é quase sempre uma moça que um dos rapazes está paquerando, e o problema é convencê-la de que seria ainda mais agradável dividir seu prazer com mais de um. Isso nem sempre dá certo e sou, então, encarregada de criar um clima que inspire mais confiança, na verdade, de agir como uma espécie de consolo. Os rapazes saem discretamente para fumar um
cigarro na entrada. Não falo, mas bajulo, beijo docemente; as mulheres se entregam mais facilmente a uma outra mulher. É claro que elas poderiam escapar, mas nunca nenhuma delas o fez, nem mesmo uma de quem Claude acabou se tornando amigo e que, vinte anos mais tarde, lhe revelou que se, naquela noite recusou-se a ceder e começou a soluçar, foi porque era ainda virgem. Henri se lembra de outra moça com quem me tranquei na cozinha, que servia também de toalete, enquanto eu a ajudava a limpar o rosto das lágrimas que borraram seu rímel, ele afirma ter escutado nossos gemidos através das janelas abertas dos banheiros comuns do andar. Ela, sem dúvida, quis sacaneá-los e eu, perversa, acabei tomando seu partido.
Por uma curiosa inversão da sensibilidade, sou relativamente cega às manobras de sedução de um homem - simplesmente porque prefiro não investir muito nisso, e em breve volto a tratar deste assunto -, enquanto que sei muito bem quando agrado a uma mulher sem, no entanto, jamais ter esperado que alguma delas me provocasse a menor sensação. Claro que não ignoro a aniquiladora suavidade que consiste em roçar em uma pele delicada que cobre uma extensão lisa de todos os corpos de mulher e muito raramente dos corpos de homens! Mas só me prestei a esses apertos e afagos para não fugir das regras do jogo. Além disso, um homem que só me propusesse este gênero de triangulação parecia, a meus olhos, um par de quem eu poderia rapidamente me cansar. No entanto, me divirto contemplando as mulheres.
Poderia facilmente fazer o inventário dos guarda-roupas, adivinhar o conteúdo de seus nécessaires e mesmo descrever as silhuetas daquelas com quem trabalho melhor do que os homens com quem elas compartilham a vida. Na rua, eu as sigo e as observo com mais ternura do que qualquer conquistador; sei associar a dobra particular de uma bunda com o corte da calcinha, um rebolado com a altura dos saltos. Além disso, cultivo uma simpatia comunitária pelas lutadoras, pela vasta confraria das que têm o mesmo nome que eu (que se tornou um dos mais comuns depois da guerra) e pelas batalhadoras da liberação sexual. Como declarou um dia uma delas, aliás, uma autêntica e afetuosa sapatona e amante da suruba sem preconceitos, se ser companheiro era compartilhar as coisas, nós éramos verdadeiras companheiras, pois partilhávamos picas.
Lembro de uma exceção a esta regra, numa suruba meio improvisada em que metade dos participantes trouxe outra metade, neófita. Fiquei um longo tempo deitada sobre um grosso carpete preto no banheiro, sozinha com uma loura, toda arredondada, bochechas, pescoço, colo, bunda... é claro, e até mesmo a batata das pernas.
Eu tinha ficado impressionada com seu nome magnífico, Léone. Léone tinha-se feito de rogada antes de decidir nos acompanhar. Agora, ela estava completamente nua, como um buda dourado em seu templo. Eu estava deitada um pouco abaixo dela, porque ela estava sentada no degrau um pouco mais elevado que contornava a banheira. Não sei por que acabamos nos instalando naquele canto, se o apartamento era grande e confortável. Talvez em razão de sua indecisão e do papel de iniciadora atenciosa que mais uma vez tinha me sentido obrigada a desempenhar? Minha cara
inteira chafurdava em sua vulva enorme. Nunca tinha sorvido uma borda tão intumescida que enchesse de fato toda a boca, como se fosse um grande damasco. Colava-me aos grandes lábios como uma sanguessuga, depois de largar o fruto para estender a língua o mais longe possível a fim de aproveitar totalmente a doçura de sua entrada, perto da qual o sabor da parte de cima do seio ou o arredondado dos ombros não era nada. Ela era do gênero quieta, deixava escapar apenas pequenos gemidos breves, tão doces como o resto de sua pessoa. Como estava empenhada em chupar da melhor maneira possível o pequeno nó de carne saliente, deixava-me levar pela escuta do seu êxtase! Enquanto nos vestíamos novamente, alegres e agitados como em um vestiário de clube esportivo, Paul, que dizia as coisas mais francamente que os outros, se dirigiu a ela: "Então? Foi bom, não? Não foi bom ter entrado no jogo?" Ela respondeu, baixando os olhos e destacando a primeira sílaba de cada palavra, que uma pessoa a tinha impressionado. Pensei: "Meu Deus, faça com que tenha sido eu!" Lendo Bataille, fomos sumariamente construindo uma filosofia para uso próprio, mas, rememorando aquela época febril com Henri, acho que ele tem razão ao afirmar que nossa obsessão copuladora e nosso proselitismo estavam mais ligados a um certo ludismo juvenil. Quando a gente trepava a quatro ou cinco numa cama que, naquele minúsculo apartamento, ficava numa alcova, o que realmente reforçava a impressão de que estávamos num esconderijo era que o jantar tinha virado uma brincadeira de médico: os convidados faziam cócegas nas partes íntimas dos outros por baixo da mesa com a ajuda dos pés descalços, ou de um dedo orgulhosamente levantado depois de mergulhado em um certo molho particularmente claro e ligeiramente aromático. Para Henri o jogo era vir acompanhado de uma moça que ele tinha acabado de conhecer meia hora antes visitando uma galeria, como era também uma aventura para nosso pequeno grupo ficar vagando às quatro horas da manhã, à procura da casa de uma amiga de quem estávamos decididos a desarrumar a cama... A cada duas tentativas, o golpe falhava. A moça se deixava esfregar, acabava abrindo o sutiã ou tirando o collant, para terminar a noite sentada em uma cadeira explicando que não podia, que queria apenas observar, que estava bom para ela, que esperaria até terminarmos para que a acompanhássemos até o carro. Tive ocasião de entrever pessoas, homens e mulheres, refugiados numa cadeira incômoda ou com a bunda mal equilibrada na quina de um sofá, com os olhos pregados em membros que se agitavam no ar a apenas alguns centímetros deles, poucos centímetros que faziam com que eles pertencessem a um outro tempo. Como não participavam, não se pode dizer que eles estivessem fascinados. Eles estavam em um tempo diferenciado - anterior - como espectadores aplicados e pacientes de um documentário edificante.
Nosso proselitismo era, naturalmente, superficial, uma vez que os desafios eram mais dirigidos a nós mesmos do que àqueles que pretendíamos aliciar.
Henri e eu acabamos no bulevar Beaumarchais, num desses grandes apartamentos burgueses habitados por intelectuais, que conservam um assoalho nu que estala com os passos e a iluminação do teto insuficiente, O amigo que nos recebe tem um sorriso estático e permanente que lhe fende a barba grossa, e é casado com uma mulher moderna. Ela, no entanto, está de mau humor e vai dormir. Brincamos de transgredir e consigo me ver arrepiada e morrendo de rir entre os jatos de urina deles.
Mas não, retifica depois Henri, ele tinha sido o único a mijar em mim. Em todo caso, o que é certo é que tivemos pelo menos a precaução de entrar em uma grande banheira de ferro esmaltado.
Depois, fomos os três fazer uma sacanagenzinha na sacada. Uma amiga me hospeda durante alguns meses.
Durmo num pequeno quarto amansardado, sem móveis, algumas vezes com os gatos como companhia. Quando o namorado dela vem vê-la, ela deixa a porta de seu quarto escancarada e eles não reprimem nenhum ruído. Não costumo me intrometer nas coisas dos outros e, encolhida em minha cama estreita, fico pensando em mim como a menina da casa. Mas, com a teimosia típica dos animais e das crianças, acabo dando um jeito para que eles embarquem na minha viagem. Já que, de uma certa maneira, divido a vida com ela, não há razão para que minha anfitriã não desfrute, entre suas belas coxas, das mesmas picas que eu. Em três ou quatro vezes é o que acaba acontecendo. Ela resolutamente prega os quadris na cama, e ergue as pernas como asas abertas de borboletas. Gosto quando, com um olhar certeiro e a voz decidida, ela diz a Jacques, no momento em que sua vara vibra como um arco ao saltar bruscamente da cueca, que ele tem "uma jeba de cavalo". Jacques, com quem naquela época começava a organizar minha vida, agora se lembra que uma vez acabei tendo uma crise de nervos e o cobri de pontapés enquanto ele fodia com ela. Tinha esquecido disso também. Mas, naturalmente, me lembro da maneira como escondia os ciúmes nunca confessados. Tenho a impressão de atuar em um filme que narra a vida livre e ociosa de jovens burgueses quando vou de manhã cedo, depois de passar na padaria, acordar Alexis que mora num belo duplex na rua dos SaintsPères. Gosto de minha própria frescura roçando seu pijama, úmido apenas o necessário. Ele tem o hábito de zombar da minha conduta de galinha e diz que, pelo menos a essa hora, está certo de ser o primeiro a me penetrar no dia. É aí que ele se engana! Passei a noite na casa de outro, trepamos antes de eu sair, um resto de porra ainda permanece no fundo de minha boceta. Disfarço minha satisfação no travesseiro. Não me dou conta de que ele está um pouco desapontado.
Claude tinha-me feito ler História d'O. Eu tinha três motivos para me identificar com a heroína: estava sempre preparada para tudo; apesar de não ter minha boceta bloqueada por um cadeado, também era freqüentemente mais sodomizada do que comida pela frente; e, finalmente, teria adorado levar aquela vida reclusa, numa casa isolada do resto do mundo. Mas, muito pelo contrário, eu já era profissionalmente bastante ativa. Porém a convivência no meio artístico, a facilidade, bem além de minhas expectativas, com a qual eu estabelecia laços que podiam muito naturalmente tomar uma conotação física, me levavam a considerar o espaço onde se exercia minha vida profissional como um mundo fechado, oleoso, impermeável. Já empreguei algumas vezes a palavra "família". Conservei até bem tarde esta tendência que têm os adolescentes de se exercitarem sexualmente no seio de um círculo familiar, quando um rapaz sai com uma moça ou uma moça com um rapaz, para depois deixá-la ou deixá-lo, por uma irmã, um irmão, uma prima, ou primo.
Eu mesma já tive um caso com dois irmãos e o tio deles. Era namorada do tio, que sempre chamava os sobrinhos, um pouco mais jovens que eu. Diferentemente das vezes em que o mesmo homem me levava para encontros com outros amigos dele, não havia preâmbulo nem encenação. O tio me deixava preparada e os dois irmãos me fodiam bastante. Eu descansava escutando aquelas conversas de homem sobre bricolage1 ou uma novidade da informática.
Continuo a manter relações amigáveis com muitos homens que costumava encontrar para fazer sexo de maneira regular. Outros, simplesmente perdi de vista. Lembro-me da maioria desses encontros com um prazer sincero. Mais tarde, ao trabalhar com alguns deles, achei que a intimidade e a ternura que subsistem acabaram facilitando a colaboração (uma única vez me aborreci por motivos profissionais graves). Ademais, não costumo separar ninguém de sua rede de relações, de suas amizades, do seu campo de atividade profissional. Tinha conhecido Alexis em meio a uma constelação de jovens críticos e jornalistas de várias publicações artísticas.
Costumava trepar com outros dois jovens que também freqüentavam aquele círculo, e Alexis chegou uma vez a me perguntar; irritado, se eu tinha estabelecido como meta "me rechear com toda a jovem crítica francesa".
Éramos recém-formados e meus dois outros amantes já eram casados. Eu tinha dado para um deles porque, atraída à sua casa a pretexto de rever uma tradução (invariavelmente um desses apartamentos confinados de Saint-Germain-des-Prés), ele tinha se queixado de que, já que eu deitava com todo mundo, seria verdadeiramente antipático de minha parte não deitar também com ele. O outro tinha arriscado sua sorte de maneira mais confiante. Marcou um encontro na editora que publicava seus livros, e ao avisar de minha chegada, a recepcionista deu a entender, com a maneira sempre atenciosa das mulheres dessa profissão, que a jovem que o esperava na recepção não usava nada sob a blusa. O relacionamento sexual com o primeiro acabou muito rapidamente, e com o segundo prosseguiu durante anos. Mais tarde, ambos foram colaboradores da Art Press por muito tempo.
Já contei que fui levada a conhecer Éric através de amigos dele, entre eles Robert, e também por conta dos comentários que faziam a seu respeito. Conheci Robert por ocasião de uma reportagem sobre fundições de arte, quando me levou ao Creusot, onde ele estava fundindo uma escultura monumental. Na volta, ànoite, estávamos no banco de trás do carro e ele deitou-se sobre mim. Eu não me mexia. O carro era estreito, eu estava sentada de lado, com sua cabeça sobre minha barriga, minha bacia em falso em relação ao banco para melhor me entregar à sua bolinagem. De tempos em tempos, eu abaixava a cabeça para beijá-lo e ele me beijava. Depois de uma olhada no retrovisor, o motorista acabou contribuindo para que eu ficasse ainda mais desconfortável. De fato, a situação me deixou tão atordoada quanto a visita às fundições e aos fornos gigantescos. Durante um longo tempo, vi Robert quase que cotidianamente e através dele conheci muita gente. Um instinto me fazia distinguir as
1 A palavra bricolage designa todas as atividades de reparos domésticos que envolvam marcenaria, hidráulica, eletricidade, pintura, etc.
pessoas com quem a relação podia tomar alguma conotação sexual daquelas com quem não poderia.
Instinto compartilhado com Robert; para desencorajar alguns, ele costumava dizer às pessoas que eu era uma crítica de arte que dis punha de um certo poder. Foi Robert quem me explicou quem era Madame Claude, este mito da vida parisiense. Fantasiei muito sobre a prostituição de luxo, mesmo sabendo que não era alta e bonita, nem suficientemente distinta para me entregar à prática. Robert zombava de meu apetite sexual combinado com minha curiosidade profissional; ele me achava capaz de escrever sobre hidráulica se tivesse uma aventura com um bombeiro. Sempre segundo ele, considerando meu temperamento, Éric era a pessoa que eu deveria conhecer. Mas, finalmente, acabei conhecendo Éric através de um amigo comum, um rapaz muito nervoso, um desses que fodem com intensidade e regularidade mecânicas e com quem passei noites extenuantes.
De manhã, como se a noite já não tivesse sido suficiente, ele costumava me levar ao ateliê que dividia com um amigo, onde, tomada por uma fadiga mole, deixava que o sócio viesse me foder, desta vez grave e silenciosamente. Uma noite convidou-me para jantar com Éric. Como já se sabe, Éric foi a pessoa através da qual conheci o maior número de homens, relações de amizade e profissionais, além de desconhecidos. Para ser mais precisa, devo acrescentar que foi ele quem, simultaneamente, ensinou-me um método de trabalho rigoroso que continuo a seguir até hoje.
Por razões óbvias, as lembranças dessas ligações se encadeiam segundo um quadro cujos próprios detalhes dos atos se recortam, se superpõem a famílias estéticas. Um amigo pintor, Gilbert, que acompanhou de perto minha iniciação, lembra que eu me limitava a felações bastante pudicas quando, durante as tardes, vinha encontrá-lo na casa de seus pais.
Penetrações eram reservadas para suas visitas a minha casa. Aliás, na primeira visita ele acabou brochando porque, na última hora, eu quis ser enrabada. Era esse meu primitivo método anticoncepcional, baseado em uma visão do meu corpo como um todo que não conhecia hierarquia, nem na ordem moral e nem na do prazer, e assim, à medida do possível, cada parte podia ir substituindo a outra. E foi exatamente outro pintor do mesmo grupo que procurou me ensinar a melhor me servir de minha boceta. Numa manhã bem cedo, eu tinha chegado a seu ateliê para uma entrevista, sem saber que ia encontrar um homem bonito e atencioso. Acho que acabei indo embora apenas no dia seguinte. Como quase sempre acontece nos ateliês de artistas, a cama ou o sofá ficava sob uma grande janela envidraçada, como se fosse necessário enquadrar na luz o que lá se passava.
Ainda guardo nas pálpebras a sensação daquela luz inundando minha cabeça inclinada e quase me cegando.
Instintivamente devo ter feito seu pau deslizar em direção ao meu ânus, como se fosse natural. Passado algum tempo ele me disse persuasivamente que um dia eu encontraria um homem que ia saber me comer pela frente, me fazer gozar dessa
forma, que seria melhor que a outra. Gilbert sempre cai das nuvens quando revelo que naquela época eu mantinha uma relação com outro de seus amigos pintores (o míope cujo olhar me estimulava) que ele supunha jamais ter traído a mulher. Em compensação, ele me faz lembrar de um terceiro, com quem participei de parties carrées2, no pequeno apartamento da rua Bonaparte, que teria lhe contado que os rapazes também mantinham relações entre eles. Tenho certeza de que isso é apenas uma fantasia.
William havia se associado a um grupo de artistas e acabei passando uma noite com John, um dos participantes do grupo. Já tínhamos nos encontrado muitas vezes e até feito algumas conferências juntos. Eu o achava sedutor; ele fazia discursos teóricos que minha parca compreensão do inglês acabava tornando cômicos, enquanto, simultaneamente, o movimento de seus lábios fazia ressaltar as maçãs de seu rosto juvenil. Eu tinha ido a Nova York para encontrar Sol Le Witt que tinha acabado de realizar suas obras com papéis amassados e rasgados. Ao chegar, tinha ligado para William do aeroporto pedindo que ele me hospedasse. Lembro de nós dois aos beijos de pé no loft para onde ele tinha acabado de se mudar, quase nos devorando, e ele encorajando John a também participar.
As paredes eram divisórias com três quartos de altura, dispostas em ângulos retos, formando pequenos cubículos que pareciam distribuídos ao acaso. Quatro ou cinco pessoas andavam de um lado para o outro, cada uma parecendo ocupada com uma tarefa específica. William me levantou no colo e me levou até um colchão atrás de uma das paredes. John tinha gestos muito ternos que contrastavam com a agitação de William. Ele nos deixou sozinhos e John acabou dormindo. Estávamos enroscados um no outro, a mão dele espalmada sobre meu púbis. Na manhã seguinte tive alguma dificuldade para me desvencilhar de seu braço com movimentos lentos e forçados de contorcionista e me arrastar do lençol até o chão, porque, apesar da claridade do dia que entrava por todas as vidraças, ele dormia.
Corri pela rua para tomar um táxi para o aeroporto e embarcar quase em cima da hora. Embora tenha acompanhado o trabalho do grupo, durante muitos anos fiquei sem me encontrar com John.
Quando isto voltou a acontecer, em uma retrospectiva, conseguimos apenas trocar algumas palavras, em razão de minha dificuldade de entender o que ele falava.
Com o tempo, a timidez que eu experimentava quando estava em grupo foi substituída pelo tédio. Mesmo quando me encontro com amigos cuja companhia acho agradável, mesmo quando, a princípio, acompanho com atenção a conversa e não sinto mais nenhum receio de participar dela, chega sempre o momento em que, bruscamente, acabo me desinteressando. É uma questão de tempo; de repente tudo é excessivo, quaisquer que sejam os assuntos, e acabo ficando com a impressão de não conseguir acompanhar os movimentos, como se estivesse diante dessas novelas de
2 Suruba da qual participam dois casais.
televisão cujo peso e monotonia são muito próximos da vida doméstica. É irreversível. Nesses casos, gestos mudos e, às vezes, cegos são uma escapatória.
Embora não seja muito audaciosa, uma pressão com as coxas ou um toque nos calcanhares de meu vizinho de mesa, ou de preferência de uma vizinha (acarreta sempre menos conseqüências) acaba fazendo com que eu me sinta uma espectadora longínqua do grupo, ocupada em fazer qualquer outra coisa em um outro lugar. Nesses ambientes de vida comunitária, nas férias, por exemplo, quando se faz em grupo as mais variadas coisas, sempre senti a necessidade de me ver livre dessas saídas e jantares, se necessário agindo por conta própria, muitas vezes às cegas. Havia verões particularmente agitados, marcados pela circulação incessante de parceiros sexuais, esporadicamente reunidos em pequenas surubas à luz do sol, atrás de um pequeno muro de um jardim acima do mar, ou à noite em idas e vindas entre os numerosos quartos de uma grande casa de veraneio. Uma noite, desisto de acompanhar o grupo. Paul, que me conhece bem e gosta de zombar de maneira gentil de meu comportamento, que algumas vezes também se diverte mantendo-me prisioneira dentro de banheiros apenas para excitar a extremos minha impaciência de me juntar aos outros, promete enviar um amigo que eu não conhecia, um mecânico, que não tinha nada a ver com artes plásticas. Ele sabe que eu ia preferir conhecê-lo a ir a um restaurante com os outros, e, tomada pela lassidão, esperar numa varanda ou num canto de boate que a mesma lassidão acabe tomando conta dos outros. Não levo muito a sério a proposta e me preparo para passar uma noite solitária. Há suavidade nesses momentos em que o vazio à nossa volta libera não apenas o espaço mas também, quem sabe, a imensidão do tempo futuro. Numa espécie de economia inconsciente, aproveito a chance oferecida ocupando preguiçosamente apenas um pedaço da poltrona como para, precisamente, dar todo lugar ao tempo. Vou à cozinha, que fica no fundo da casa, para preparar um sanduíche. Tenho a boca cheia quando o amigo de Paul aparece na moldura de uma porta que dá para o jardim. Ele é grande, moreno de olhos claros, vagamente impressionante na obscuridade. Ele se desculpa amavelmente, vê que estou comendo, diz que não me incomode... Fico com vergonha das migalhas no canto de meus lábios. Digo que não, não, não estou realmente com fome, jogo, furtivamente, o sanduíche fora. Ele dirige um carro sem capota na grande corniche3 acima de Nice. Tira uma mão do volante para ir ao encontro da minha, que alisa a protuberância rugosa que se forma em seu jeans. O volume contido pela rigidez do tecido grosso e justo é para mim um estimulante cada vez mais eficaz.
Pergunta se quero ir jantar em algum lugar. Não. Acho que dá mais voltas que o necessário, e faz um desvio para chegar até sua casa. Olha fixamente para a estrada enquanto desabotôo seu cinto.
Acompanho o movimento da bacia para frente que alguém dirigindo deve fazer para facilitar a abertura do zíper. Em seguida, a laboriosa liberação de um membro muito volumoso, encontrando de uma só vez a saída do duplo envelope de algodão. É preciso ter uma mão suficientemente abrangente para recolher, num único gesto,
3 Caminho aberto num terreno escamado.
todas as partes. Tenho sempre o receio de acabar fazendo alguma coisa mal feita. Ele tem que me ajudar.
Finalmente, posso bater uma punheta com calma. Começo devagar, seguindo toda a extensão, sentindo a elasticidade da fina túnica de carne. Pego-a com a boca, encolhendo meu corpo ao máximo para não incomodá-lo nas mudanças de marcha. Mantenho um ritmo moderado. Tenho consciência do perigo de dirigir nessas condições, e prefiro não desfrutar do gosto de provocá-lo.
Lembro que a relação foi muito agradável. No entanto, não quis passar a noite na casa dele, e ele teve de me levar de volta para casa antes mesmo do retorno do grupo.
Apesar de não costumar me privar de dormir fora, desejava que o momento passado com ele permanecesse como quando no meio de uma conversa o pensamento se perde num devaneio, num reduto pessoal ao qual os outros não têm acesso.
O leitor já deve ter compreendido, de acordo com o que expus anteriormente, que eu assumia o livre-arbítrio deste modo de vida sexual, e se, como acabo de narrar, armava algumas escapulidas, esta diferença, no entanto, só poderia ser medida numa relação inversa à fatalidade dos encontros, ao determinismo da corrente da qual um elo, um homem, me religa a um outro elo, que me reúne a um terceiro, etc. Minha liberdade não era vivida ao acaso das circunstâncias, ela só se exprimia de uma só vez na acepção de um destino ao qual alguém se entrega sem reservas - como uma religiosa ao fazer seus votos! Nunca me aconteceu de estabelecer uma relação com um desconhecido que tivesse me abordado num trem ou corredor de metrô, apesar de ter muitas vezes escutado a meu respeito histórias eróticas iniciadas em tais lugares, e até mesmo em elevadores ou banheiros de cafés. Sempre fui objetiva e muito direta.
Acho que desencorajo as investidas com humor e gentileza, mas ao mesmo tempo sem dar muita atenção, o que pode ser interpretado como rispidez. Está acima de minhas forças engajar-me nos meandros dos jogos de sedução, manter, mesmo que brevemente, os ritos que geralmente ocupam o intervalo entre o encontro fortuito com uma pessoa e a consumação do ato sexual. Se fosse possível que a massa palpitante de pessoas em um hall de estação ou a horda organizada que usa o metrô aceitassem em seu seio o acesso aos prazeres mais explícitos da mesma forma como aceitam a exposição da mais abjeta miséria, eu seria bem capaz de copular como um animal. Também não pertenço à categoria de mulheres que procuram aventura, só fui paquerada com sucesso em raras ocasiões e jamais por desconhecidos.
Em compensação, aceitei sem pestanejar encontros marcados por vozes que, ao telefone, diziam ter me encontrado em tal e qual noite, sem que eu fosse sequer capaz de lhes atribuir um rosto. Era fácil me encontrar, bastava telefonar para a revista. Foi assim em uma noite na Ópera, durante uma representação de La Bohéme...
Como havia chegado atrasada, tive de esperar o fim do primeiro ato antes de ir, no escuro, me sentar ao lado de um semidesconhecido.
Supostamente tínhamos nos encontrado, alguns dias antes, na casa de um amigo comum (quando uma relação tem a possibilidade de voltar a ser um possível tête-à- tête, um homem raramente pronuncia a palavra "suruba"), mas o perfil que conseguia entrever no escuro, a calvície e as bochechas flácidas, não me dizia nada. Inferi que ele devia ter estado presente à festa, mas que não tinha se aproximado de mim. Arriscou passar as mãos em minhas coxas, devorando-me de maneira quase inquieta com os olhos. Nunca abandonou um certo ar de enfado e tinha a mania de massagear a cabeça da mesma maneira que passava suas grandes mãos ossudas em mim, maquinalmente, reclamando de uma terrível dor de cabeça. Eu pensava que ele tinha um parafuso a menos e que inspirava piedade. Saí com ele muitas vezes; ele me levava a espetáculos e a restaurantes muito caros onde me divertia não tanto por ser eventuaLmente considerada uma puta, mas por enganar os lanterninhas, os garçons, os burgueses, porque, afinal de contas, era com aquela pequena intelectual que o careca de pele flácida gostava de conversar.
Até hoje, Hortense, a telefonista da Art Press, costuma anunciar algum nome que não me diz nada. "A pessoa insiste, e diz conhecê-la muito bem." Atendo o telefone.
Pelas palavras cautelosas, pronunciadas em um tom cúmplice, compreendo imediatamente que o desconhecido está se dirigindo à imagem de uma garota libidinosa, daquelas de quem se guarda uma ótima lembrança. Igualmente, quando em um vernisage ou em um jantar me apresentam um homem que me olha alguns segundos além do necessário, dizendo "acho que já nos encontramos", acabo pensando que ele, em uma outra vida, teve todo tempo do mundo para observar meu rosto enquanto meu olhar talvez estivesse colado em seus pêlos pubianos. Não tenho mais paciência para alimentar esse tipo de conversa, mas continuo admirando profundamente o tempo suspenso no qual vivem "os que gostam de trepar", por quem continuo sentindo toda simpatia. Mesmo depois de passados dez, vinte anos, ou ainda mais tempo depois de terem gozado em uma mulher, eles continuam a falar sobre isso com ela como se tivesse acontecido ontem. O prazer que sentem é como uma flor sempre viva que não conhece estações. Ela desabrocha numa estufa que isola as contingências exteriores e faz com que eles vejam sempre da mesma maneira o corpo que esteve colado ao deles, esteja ele murcho ou enrijecido num vestido de burel. No entanto, a experiência me ensinou que eles sabem aceitar o princípio da realidade quando ele se impõe. Como não desligo a chamada telefônica, a pergunta vem como um inevitável abre-te-sésamo, que poderá funcionar ou não. "Você está casada?" "Estou." "Ah. Muito bem. Quando voltar a Paris telefono, talvez a gente consiga uma hora para se encontrar". Sei que não terei mais notícias.
Uma palavra sobre as preliminares, que muitas mulheres afirmam ser a fase mais deliciosa de uma ligação, e que sempre me empenhei em abreviar. Acho que só soube aproveitá-las - sem permitir que durassem muito tempo - em duas circunstâncias precisas: quando o desejo já era o rebento inconsciente de um amor mais profundo, e após um tempo relativamente longo de abstinência, ou seja, em circunstâncias excepcionais.
No último caso, os sinais foram uma inopinada e irritante sessão de fotografias em meu escritório, que não podia dar em nada, uma vez que, evidentemente, a luz jamais era o que deveria ser; um trajeto no elevador tão eloqüente quanto um velório; beijos impalpáveis, mordidas escondidas dadas às pressas em meu braço nu quando eu o estendia sobre uma prancheta de desenho. Eu absorvia essas emanações libidinosas como um asmático que tivesse cometido a imprudência de penetrar numa estufa quente. Como tinha consciência de ter, até então, cultivado muito pouco este gênero de sensações, eu acabei as atribuindo a uma espécie de emburguesamento de minha vida erótica.
E outro caso demonstra que uma impressão sexual mais viva pode abrir caminho através de um acesso menos sensível.
Apesar de não ter bom ouvido para a música (vou à Ópera apenas por razões exteriores à arte musical), foi com a voz que Jacques começou a ocupar um lugar em alguma parte do vasto plano de meu desejo. É uma voz que não corresponde, no entanto, ao estereótipo da voz sensual, pois não é aveludada, tampouco rouca.
Alguém a tinha registrado fazendo a leitura de um texto em uma gravação que escutei por telefone. Guardo em mim até hoje a lembrança do eco que se irradia até a ponta mais sensível de meu corpo. Estava entregue a uma voz que dá a impressão de revelar inteiramente o enunciador, em sua claridade, no ritmo tranqüilo de suas inflexões curtas, tão clara e segura como uma mão que se move para dizer "é isto".
Algum tempo depois, escutei-a de novo ao telefone, desta vez diretamente, para me falar de uma correção tipográfica num catálogo no qual Jacques e eu tínhamos trabalhado. Ele se dispôs a vir me ajudar a corrigir os exemplares. Passamos horas nesta tarefa, a apenas alguns centímetros um do outro em um escritório minúsculo, eu bastante aborrecida com o erro que havia cometido, ele tratando apenas de corrigí-lo. Ele era atencioso, mas pouco caloroso.
Depois de uma dessas fastidiosas sessões, ele me propôs acompanhá-lo em um jantar na casa de amigos próximos.
Depois do jantar estávamos todos apertados numa cama que fazia as vezes de sofá, o que nos obrigava a ficar semi-alongados numa posição desconfortável, ele começou a acariciar meu punho com as costas de seu dedo indicador. Este gesto inesperado, inusual e delicioso nunca deixou de nie emocionar, mesmo quando destinado a outras peles que não a minha. Fui com Jacques para o apartamento onde ele, então, morava. De manhã ele me perguntou com quem eu dormia. Respondi: "Com muita gente." Ele então disse: "Acho que estou me apaixonando por uma moça que dorme com muita gente." O prazer de relatar Com exceção de meus pais, nunca escondi de ninguém a extensão nem o ecletismo de minha vida sexual. (Quando criança, mesmo quando noite de núpcias" significava apenas uma fórmula vaga, só o fato de pensar que minha mãe pudesse me imaginar vivendo-a era capaz de provocar em mim um verdadeiro tormento.) Progressiva e obscuramente compreendi o que este modo de vida poderia me proporcionar: a ilusão de abrir possibilidades oceanicas. Uma
vez que era necessário aceitar múltiplas contingências incontornáveis (um trabalho absorvente e gerador de ansiedade, um destino marcado pela falta de dinheiro e, o mais complicado de tudo, o novelo dos conflitos familiares e relacionais), a segurança de ter relações sexuais em todas as circunstâncias, considerando ser este o desejo de todas as pessoas (em princípio, a ilusão só se sustentava sob a condição de excluir do horizonte as que não o desejassem), era o oxigênio da amplidão com que se farta os pulmões de ar quando se anda até o fim de uma trilha estreita. E como, apesar de tudo, a realidade impunha seus limites a essa liberdade (não podia fazer apenas isto, e mesmo que pudesse, minhas coxas só poderiam abrigar uma ínfima parte da corrente humana), era preciso que a palavra, mesmo que fosse a evocação rápida de episódios de minha vida sexual, desdobrasse a todo instante, e em toda sua amplitude, o panorama das possibilidades. "Estou aqui, com você, mas ao relatar estendo o lençol, abro uma brecha na parede de meu quarto, para que nele adentre o exército imbricado que nos convoca. Geralmente, a partir do terceiro ou quarto encontro, arriscava alguns nomes masculinos relacionando-os a atividades anódinas -que poderiam ser interpretadas de maneira ambígua - e, se estivesse mais segura, alusões a algumas circunstâncias pitorescas nas quais tive ocasião de fazer amor. Avaliava a reação. Afirmei que não fazia proselitismo, ainda menos provocação, a não ser a que derivasse de uma perversão infantil e que só se destinava a pessoas já identificadas como cúmplices. Eu era de uma sinceridade prudente, seguindo uma dialética de três termos: de certa maneira, protegia-me de uma nova relação só avançando unida à comunidade dos que "gostam de trepar"; por aí eu verificava se o recém-chegado pertencia ou não a ela; finalmente, dependendo de qual tivesse sido sua reação e, sempre me protegendo, eu drenava sua curiosidade.
Como não poderia deixar de ser, aquele amigo que me fazia falar tanto enquanto fornicávamos, exigia também histórias verdadeiras, sob o mesmo pretexto das fantasias. Eu deveria citar nomes, descrever lugares, relatar o número exato de vezes. Se eu negligenciasse algum detalhe ao falar de um novo conhecimento, a pergunta vinha em seguida: "Você dormiu com ele?" O interesse não se restringia exclusivamente ao inventário obsceno: "De que cor era a cabeça do pau dele quando você botou para fora? Marrom? Rosada? Você brincou com o rabo dele? Com o quê? Com a lingua? Os dedos? Quantos dedos você enfiou no cu dele?" Ele gostava de se deter também nos elementos banais da situação e do ambiente: "A gente estava visitando um apartamento para alugar na rua Beaubourg, o carpete estava cheio de poeira e ele me comeu a seco, sobre um colchão que havia lá." "Ele é segurança num show de Johnny Halliday; então assisti a todo o espetáculo num canto do palco, era como se os alto-falantes estivessem em meu baixo-ventre. Voltamos de moto; a Harley dele não tem mais selim atrás, o quadro me cortava a boceta; finalmente quando trepamos, eu já estava aberta como uma grapefruit estourada." Um sentimentalismo elementar era sempre bem-vindo: "Ele está apaixonado por você?" "Hum." "Tenho certeza de que ele está apaixonado por você." Na manhã seguinte, eu fingia dormir e o escutava murmurar: "Catherine, eu te amo; Catherine, eu te amo", acompanhando os suspiros com um movimento da barriga, não como se estivesse trepando, mas como um grande gato que estremece durante o sono.
Sentimentalismo no qual se imiscuía uma espécie de ciúme por pessoa interposta: "Ele sabe que você trepa com o grupo todo? Ele tem ciúme, não tem?" O hábito que um outro amigo tinha adotado de me foder me fazendo deitar sobre os desenhos de seu projeto de trabalho, no centro de um ateliê high tech, enquanto exibia seu pau como um monstruoso pistilo saltando da corola de uma calcinha esvoaçante e aberta no meio - toque barroco naquela decoração austera - agradava- o particularmente. Tive de fazer este relato dezenas de vezes, sem ser obrigada a criar variantes, mesmo quando eu já não me encontrava com o outro amigo. Se pudesse encontrá-lo tendo me masturbado pouco tempo antes, de manhã ao acordar, no escritório, em tal posição e tendo gozado muitas vezes seguidas, também era bom. Nunca inventei uma aventura que não tivesse acontecido e meus relatórios não traíam a realidade mais que qualquer transposição. Como já assinalei, se a ordem da fantasia e a ordem do vivido apresentam estruturas vizinhas, para mim elas não são menos independentes uma da outra do que a pintura de uma paisagem e o lugar da natureza que ela representa: no quadro existe mais a visão do artista do que a realidade propriamente dita.
Portanto, o fato de olharmos esta realidade através da tela do quadro não impede as árvores de crescerem e as folhas de caírem. Nas surubas é comum que um homem que chega para ocupar uma xoxota já bastante esporrada pergunte sobre o efeito produzido por seus predecessores. "Agora há pouco, você gritava. Me conta, ele tem uma pica grossa. não é? Ele devia estar forçando a entrada e você estava adorando. Você se comportava como uma mulher apaixonada. É verdade, eu vi." Devo admitir que, correspondendo à expectativa, acontecia de eu responder honestamente
- sim, eu gostei da pica dele - porque, naquele momento, por cansaço de me repetir, não tinha o impulso de corrigir minha natureza escrupulosa.
Mas, na maioria das vezes, as crônicas não eram feitas durante a troca carnal.
Neste caso, as palavras se colocam no espaço entre os interlocutores, castelo de cartas que eles constróem no jogo das perguntas e das respostas, e que eles temem ver se desmoronar, por conta de uma confidência sacana precipitada, uma vontade de saber apressadamente indiscreta. Uma progressão é portanto respeitada.
Conduzindo seu carro pequeno e desconjuntado, um amigo me interroga brevemente: em que idade comecei a fazer surubas? Que gênero de pessoas encontrava nas surubas? Burgueses? Tinha muitas mulheres? Para quantos homens eu dava numa noite? Eu gozava todas as vezes? Minhas respostas eram também factuais. Acontecia de ele parar o carro ao longo da calçada, não para que nos tocássemos, mas apenas para continuar o interrogatório, o rosto calmo, o olhar bem além do limite da rua. Eu transava com muitos ao mesmo tempo, na boceta e na boca? "É um sonho, principalmente quando, além disto, toco punheta com as duas mãos." Este amigo era jornalista, e acabou me entrevistando para uma revista na qual colaborava.
No meu círculo imediato, tratava-se de sustentar verbalmente uma excitação que permitisse aos membros do clube manter encontros clandestinos em qualquer lugar, numa reunião de trabalho ou numa festa, e de suportar a eventual formalidade na
inauguração de uma casa, por exemplo, em que os convidados são numerosos. Andam de um lado para o outro num imenso ateliê sem se sentar.
"É com esse cara que você diz gozar tanto? É formidável, ele não é grande coisa, mas isto não quer dizer nada. O que é que ele pode fazer tão bem com você?" Respondo com um movimento de cabeça; é verdade que ele não é grande coisa e, além do mais, não tem nada a ver com o grupo. Costumo freqüentar meios diferentes e gosto de fazer com que pessoas diferentes se encontrem.
Fiz com que ele fosse convidado sem que o conhecessem. Alguém veio me perguntar quem era o tipo que vestia aquela túnica hippie, totalmente cafona. E daí? Quando passo as noites com ele, antes mesmo de ir para sua cama revirada, nos chupamos durante horas. Durante um 69, me excito terrivelmente ao esfregar meu peito em sua barriga, que tem alguns pneus. "É verdade que você tem um fraco pelos barrigudos." "Sonhei que eu encontrava Raymond Barre numa suruba!... Além disso, também não gosto deles muito limpos... Acho que ele nunca escova os dentes." "Você é nojenta. Ele é casado, não é?" "Vi uma fotografia da mulher dele. Surpreendentemente horrorosa..." Isto também me excita. O tom de minha voz é normal, mas eu me solto, faço afirmações precisas com parcimônia.
Deleito-me com a evocação dessa sujeira, da falta de asseio e desta feiúra contagiosas, ao mesmo tempo que saboreio o asco que provoco em meu interlocutor. "Vocês se chupam. E depois?" "Você não pode imaginar o quanto ele geme... Quando lambo seu cu... Ele fica de quatro, ele tem a bunda muito branca... Ele rebola quando enfio o nariz nela. Depois, sou eu quem fico de quatro... Ele termina, rápido, dando pequenos golpes, como dizer?, muito precisos. Aquele a quem me dirijo é um conhecido garanhão, mas acontece que nunca dormi com ele. Ele também não me atrai particularmente. Aquele de quem falo não é do gênero de me encher de perguntas, mas ele me escuta e, afinal de contas, como todos acabam por conhecer de nome o amigo de um amigo que ele nunca encontrou, passo a considerá-lo como parte do grupo.
Quanto mais sociabilidade fui adquirindo, fui cultivando melhor um pragmatismo inato em matéria de trocas sexuais.
Depois de testar logo nos primeiros encontros, a receptividade do outro aos jogos triangulares, eu ajustava minhas palavras. Com alguns, um fraco halo libidinoso em torno de minha pessoa já era suficiente, enquanto outros, como acabo de lembrar, se dispunham a me acompanhar em pensamento ao menor contato. Junte-se a isto o fato de o discurso da verdade não ser evidentemente absoluto, e estar sempre atrelado à evolução dos sentimentos. Com Jacques, apesar de loquaz no início, acabei tendo que me virar, com sucesso apesar de algum atraso, diante da proibição de aventuras e de relatos de aventuras a partir do momento que nosso relacionamento passou a ser vivido como uma relação de amor, mesmo tendo lido uma ou duas vezes em seus romances a descnção de uma cena erótica que só podia ser o reflexo de um caso contado por mim. Entre todos os homens que convivi durante muito tempo, apenas dois interromperam bruscamente meus relatos panorâmicos. Tenho quase
certeza de que o que eles não quiseram ouvir, e, portanto, acabou sendo ocultado, era um elemento constitutivo de nossa cumplicidade.
Os que obedecem a princípios morais são sem dúvida mais bem preparados para enfrentar as manifestações de ciúmes do que aqueles que por conta de uma filosofia libertina acabam ficando desamparados diante das explosões passionais. A maior e mais sincera liberalidade demonstrada e vivida ao compartilhar com outros o prazer que sente com o corpo de alguém que lhe é caro, pode, sem nenhum aviso prévio, ser aniquilada por uma intolerância exatamente proporcional. O ciúme talvez seja uma espécie de fonte que marulha profundamente, suas bolhas abrindo e irrigando, subterrânea e regularmente, o campo libidinoso, até que, de repente, acabam formando um rio e então a consciência inteira, como já foi descrito milhões de vezes, fica totalmente submersa. A observação e também a experiência acabaram me ensinando. Pessoalmente, vivi a confrontação com essas manifestações em tamanho estado de torpor que até mesmo a morte de pessoas próximas, mesmo ocorrida de maneira brutal ou agressiva, não provocou em mim. Foi necessário que eu lesse Victor Hugo, sim, que eu fosse procurar esta figura do Deus-pai, para compreender este torpor como uma espécie de confinamento na própria infância. "Dar-se conta dos fatos não é de maneira nenhuma a infância. [A criança percebe] impressões através do agigantamento do terror mas sem ligá-las em seu espírito e sem concluir", li um dia em O homem que ri, encontrando enfim a explicação para meu embrutecimento.
Mesmo tendo atingido uma idade que não deveria mais permitir certos exageros, garanto que podemos sofrer o que eu definiria como a incompreensão de uma injustiça que não permite nem mesmo o acesso ao sentimento desta injustiça. Ao longo do caminho que vai da rua Las Cases ao bairro da igreja Notre-Dame-des-Champs, fui espancada, pisoteada no meio-fio e, quando conseguia levantar, forçada a andar levando pancadas na nuca e nos ombros, como se fazia antigamente com os miseráveis atirados às masmorras. Era o fim de uma noitada, sem nenhuma conotação de suruba, agitada apenas pela investida de um homem famoso que tinha se aproveitado da passagem por uma sala mal iluminada para me atirar sobre um sofá e inundar minha orelha de saliva. O amigo que me bateu já tinha, no entanto, me acompanhado em festas verdadeiramente dissolutas.
Quando, mais tarde, percorri o caminho ao inverso, na esperança frustrada de encontrar uma jóia que tinha se soltado com os golpes, foi exclusivamente sobre esta perda que meu espírito se concentrou. Outra vez, um dos meus relatos imprudentemente detalhados me valeu uma vingança menos colérica apesar de também violenta: um golpe com um barbeador no ombro direito, enquanto eu dormia de bruços, não antes de a lâmina ter sido cuidadosamente desinfetada na chama do fogão. A cicatriz que guardo, em forma de pequena boca estúpida, é uma boa ilustração para o que senti.
Meu ciúme sempre foi episódico. Se aproveitei meu itinerário sexual para satisfazer uma curiosidade intelectual e profissional, sempre me mantive indiferente em relação à vida sentimental e conjugal dos meus amigos. Além da indiferença, um
pouco de desdém. Só tive acessos de ciúmes com homens com quem dividi a vida e, curiosamente, nos dois casos por motivos muito diferentes. Sofria toda vez que Claude estava seduzido por uma mulher que eu achava mais bonita que eu. Não sou feia, desde que meu físico seja apreciado globalmente e não pelo caráter notável de cada um de meus atributos. Tinha raiva de não poder aperfeiçoar minhas performances sexuais, em princípio ilimitadas, por não ter uma aparência irretocável. Eu teria tanto querido que a chupadora muito experiente. a primeira a entrar em todas as surubas, não fosse pequena, com os olhos muito próximos de um nariz muito grande, etc. Poderia descrever com exatidão os traços físicos em que Claude se ligava: o rosto triangular e a cabeleira de uma Isolda secretária, o tronco gracioso que por contraste valorizava os ombros redondos e os seios cônicos; os olhos claros de uma outra morena como eu; as têmporas lisas e as maçãs do rosto de boneca de uma outra. Não é preciso dizer que a força dessa contradição aplicada ao princípio de liberdade sexual tomava a dor inarticulável e que eu, então, protagonizei crises de soluços ainda mais irredutíveis, arcos histéricos dignos dos desenhos de Paul Richer.
Com Jacques, o ciúme tomou a forma de um terrível sentimento de exclusão.
As representações que eu fazia eram a de uma mulher que em minha ausência vinha ocultar com suas ancas a visão do sexo dele, em um universo que nos era familiar, ou cujo corpo inteiro, maciço, em expansão, habitava os menores detalhes de nosso ambiente - o estribo do carro, o desenho de uma ramagem na almofada de um canapé, o anteparo da pia da cozinha onde se encosta a barriga quando lavamos uma taça - ou mesmo cujos cabelos pregados em meu capacete de moto davam curso a uma dor tão intensa que eu achava necessário encontrar na fantasia a saída mais drástica. Imaginava que, tendo-os surpreendido, saía de casa, pegava o bulevar Diderot até o Sena e me jogava n'água. Ou então que atingia o esgotamento total e era recolhida a um hospital, muda e idiota. Uma outra saída menos patética consistia em me dedicar a uma atividade masturbatória intensa.
Como já revelei um pouco do conteúdo dos relatos que servem de base para esta atividade, seria talvez interessante que eu falasse um pouco sobre as modificações que eles foram sofrendo a partir de um certo momento.
As peripécias nos terrenos baldios e os personagens, tais como entregadores ou aproveitadores fleumáticos, foram substituídos por um registro limitado de cenas onde eu não mais aparecia, nas quais Jacques era a única figura masculina, em companhia de uma ou outra de suas amigas.
Algumas cenas eram imaginárias, outras eram construídas a partir de retalhos colhidos através da violação dos diários ou da correspondência de Jacques, porque ele é muito pouco eloqüente em relação ao assunto. No espaço limitado do interior de um Austin parado sob uma ponte ferroviária, ele sustenta a cabeça dela sobre sua barriga, delicadamente, com as duas mãos, como se manipulasse um globo de vidro que cobre um objeto precioso, até perceber o espasmo da deglutição um pouco reticente da porra lançada no fundo da garganta dela. Ou então vejo Jacques metendo com força e estapeando uma enorme bunda branca expandindo-se sobre o sofá da sala como um
gigantesco champignon... Outra possibilidade é a mulher com um pé apoiado sobre um tamborete, na posição geralmente adotada para colocar um tampão higiênico, com Jacques agarrado a seus quadris, encurvado sobre as pontas do pé, fodendo por trás. Meu orgasmo se desencadeava sistematicamente no instante em que meu relato autorizava a ejaculação de Jacques, em que meu olhar mental reconhecia a potente contração assimétrica que seu olhar assume nesses momentos.
Este abandono de minhas velhas fantasias acabou por detonar um sentimento de proibição e de impedimento que exigiu muita perseverança, muita força de vontade, para que elas voltassem a conquistar esta zona de minha imaginação tendo a mim mesma como protagonista.
Não posso encenar este capítulo sobre a troca que, como o casulo do bichoda- seda, reveste e forma a relação sexual, sem recordar minha única e frustrada tentativa de prostituição.
Apesar de sempre me entusiasmar quando ouvia falar de Madame Claude, das fantasias de prostituição mundana, ou de invejar a personagem de Catherine Deneuve na Bela da Tarde, teria sido incapaz de entabular a mais simples troca desse tipo. Contava-se que Lydie, a única mulher que conheci que havia tomado iniciativas típicas de homem nas surubas, tinha passado muitos dias num bordel de Palermo a fim de oferecer a um de seus amigos, graças ao dinheiro ganho, uma festa magnífica. Para mim, isto constituía um mito e me deixava atônita. Já fiz muitas alusões a minha timidez, a minha natureza excessivamente reservada, para que se compreenda a razão de minha estupefação e minha dificuldade. Para estabelecer uma relação de ordem venal é preciso passar por uma troca de palavras ou de gestos, no mínimo uma cumplicidade própria a toda conversa ordinária e que, para mim, não teria sido muito diferente das preliminares de sedução que sempre evitei. Tanto em um caso quanto no outro, é preciso, para desempenhar o papel, saber levar em conta a atitude e as respostas de seu parceiro. Ora, no primeiro contato, eu só sabia me concentrar num corpo. Só depois, quando de certa maneira voltava ao controle das minhas referências, que a pinta da pele e a pigmentação particulares já se tinham tornado familiares, ou que eu tinha aprendido a ajustar meu corpo ao corpo do outro, é que minha atenção se voltava para a pessoa, sempre para uma amizade sincera e duradoura. Mas então já havia passado a hora de cobrar.
No entanto, eu precisava de dinheiro. Uma antiga colega de colégio quis me fazer um favor. Ela havia recebido a proposta de se encontrar com uma mulher que gostava de mulheres muito jovens. Ela não tinha coragem de ir, mas pensou que isto podia me interessar Ela achava que se prostituir com uma mulher "tinha menos importância" do que com um homem. Marquei um encontro em um café de Montparnasse com um intermediário desconfiado, um homem com mais ou menos trinta e cinco anos que parecia um corretor de imóveis. Um amigo me acompanhava de longe.
Não guardo nenhuma lembrança da conversa, do arranjo combi nado; ele tomava muito cuidado ao falar sobre a mulher que deveríamos encontrar, enquanto eu, não conseguindo me imaginar no lugar de prostituta, invertia o papel e imaginava a mulher
como uma puta envelhecida, os cabelos descoloridos, uma lingerie que não adere totalmente à pele, deitada sobre uma colcha de pelúcia, silenciosamente autoritária.
Apesar da minha ingenuidade, compreendi rapidamente que jamais veria tal mulher, quando ele me levou para um desses pequenos hotéis da rua Jules-Chaplain que eu já conhecia. Talvez pelo fato de falar tanto dela, eu a tinha imediata e definitivamente abandonado no espaço do imaginário. O quarto era agradavelmente aconchegante, ele acendeu duas lâmpadas da mesa-de-cabeceira sem se preocupar em apagar a do teto, e imediatamente baixou o zíper de sua calça pedindo-me para chupá- lo, com o mesmo tom daquele que, no metrô, se desculpa ao esbarrar em você com o ar de quem acha que no fundo a culpa é sua. Entreguei-me ao ato, aliviada por não ter que continuar lidando com sua incivilidade. Ele se deitou sobre a colcha acetinada, o pau bem duro, fácil de manipular. Chupava-o metodicamente sem sentir nenhum cansaço, em uma das posições mais confortáveis, apoiada em meus joelhos colocados perpendicularmente à sua bacia. Tinha pressa de acabar logo porque os pensamentos começavam a se agitar de maneira confusa em minha cabeça. Seria necessário perguntar novamente sobre a mulher que deveríamos encontrar? Isto seria idiota. Seria necessário cobrar pela felação? Deveria ter cobrado antes? O que ia contar ao amigo que me esperava? Fiquei surpresa diante da expressão sincera, juvenil, de abandono de seu rosto quando gozou e que contrastava com seu comportamento: foi a única vez na minha vida que vi chegar a seu termo o prazer de um homem que me era antipático. Na saída guardei uma visão nítida do quarto, a colcha impecável, as cadeiras que não tocamos, o vazio sem objeto dos tampos sob o abajur das mesas-de- cabeceira. Neguei, mas não pude esconder do amigo atento que encontrei num terraço que eu acabava de usar copiosamente minha boca. Um boquete bem feito acaba machucando o interior dos lábios. Sempre achei melhor dobrar os lábios sobre os dentes para proteger o membro ativado do ir e vir contínuo da boca. "Você está com os lábios inchados", me disse o amigo que estava me tratando como imbecil, O rapaz com ares de corretor de imóveis tinha me seguido e nos insultou afirmando que queríamos aplicar-lhe um golpe. Não entendi muito bem a que tipo de golpe se referia e ele não insistiu.
Fui durante algum tempo objeto de gozação por ter a facilidade de dispor do meu corpo sem saber tirar proveito! Eu convivia com homens relativamente bem- sucedidos, mas não tinha disposição para a pequena comédia que teria sido necessário encenar se quisesse obter deles vantagens materiais que, aliás, deviam ser concedidas a outras. Se eu tivesse - a exemplo dos chefes de Estado supostamente obrigados a registrar presentes recebidos de embaixadores e chefes de Estado estrangeiros - de fazer a lista, o espólio seria consternador: um par de meias finas de paetê laranja que nunca usei, três grandes braceletes 1930 de baquelita, um short, sem dúvida um dos primeiros modelos prêt-a-porter lançados no inverno de 1970, em malha bege, com uma túnica combinando, um autêntico vestido de casamento berbere, um relógio comprado numa tabacaria, um broche de geometria barroca típica do começo dos anos oitenta, um colar e um anel Zolotas que infelizmente se descoraram muito rapidamente, um pareô com pérolas nas laterais, um vibrador elétrico de marca japonesa, bem como três pequenas bolas metálicas para serem usadas dentro da
vagina e destinadas a provocar excitação ao andar mas que nunca foram eficazes... Devo acrescentar uma participação em meu primeiro vestido comprado na butique Yves Saint Laurent, uma toalha de banho, também de Saint Laurent, como também um tratamento dentário sofisticado que nunca tive de pagar, um empréstimo de muitos milhares de francos que não tive de reembolsar.
Sempre me ofereceram o táxi, a passagem de avião. "Você tinha o ar perdido", me disse alguém que me conheceu muito jovem, "e era incontrolável a vontade de lhe dar uma nota de cem francos." Devo ter continuado, durante toda a vida, a dar essa impressão aos homens, que não é a de uma mulher interesseira, longe disto, mas de uma adolescente inapta a ganhar seu próprio dinheiro e que era preciso ajudar com uma mesada.
Excluo desta conta, é claro, todos os presentes oferecidos por Jacques, porque nossa relação éde outra natureza, e coloco à parte as obras que recebi de artistas, já que, como cada vez que meus interesses profissionais se encontraram intrincados com minhas relações sexuais, as obras gratificavam tanto a crítica de arte quanto, quando era o caso, a amante.