Entro no quarto e fecho a porta, soltando o ar com força pra ver se alivio o peso no peito. Me assusto quando escuto atrás da porta o mesmo suspirar pesado. Meu coração parece parar de bater e me apoio na porta, sentindo meu corpo perdendo as forças. Estranhamente sinto que apoio contra o seu peito e não na porta, como se ele estivesse aqui atrás de mim.
- Gustavo!
É a voz da Cassandra o chamando e agora tenho certeza que é ele na porta.
- Catarina chegou!
Sua voz é quase um sussurro.
- Ela falou alguma coisa?
Tento escutar sua resposta, mas ela não vem.
- Deixe-a tomar um banho e ficar bem! Vem comigo!
A dor no peito só aumenta ao imaginá-los juntos, vivendo o amor que nunca viveram esses anos todos. Escuto os passos se afastando da porta e jogo minhas coisas sobre a cadeira no quarto. Corro até meu armário e pego um pijama, uma calcinha e meias quentes. Vou tomar um banho rápido e vir pra cama. Se fingir dormir não terei que vê-los juntos e terei tempo para me preparar pra isso.
*************
Jogo minhas roupas no cesto, passo pelo box de vidro e o fecho. Ligo a torneira e o primeiro jato frio bate contra as minhas pernas. Quando sinto a água esquentar, me enfio embaixo da ducha, meu corpo todo relaxa e fecho meus olhos.
- Você pode fugir do Gustavo, mas não de mim.
Abro meus olhos e me viro assustada, vendo Cassandra entrar no banheiro e trancar a porta.
- Só quero tomar um banho, por favor!
Tento com todas as forças conter o choro.
- Te deixo tomar banho, mas sairemos juntas desse banheiro. Não quero correr o risco de se trancar no quarto e fugir de mim.
- Cassandra, não é uma boa hora pra conversarmos.
- É sim!
Se senta sobre a tampa do vaso sanitário e me olha como se pudesse ver minha alma, minha dor, meus sentimentos.
- Achou mesmo que eu não descobriria que o seu Apolo é o meu Gustavo?
O choro que lutei pra segurar, agora sai de mim sem qualquer controle.
- Termine seu banho, que precisamos conversar.
Sem conseguir parar de chorar, tomo meu banho e por dentro sei que essa conversa pode quebrar nós duas.
*************
Abro o box, pego a toalha e seco meu cabelo. Enrolo ela na minha cabeça e pego outra para o meu corpo. Cassandra me observa calada e minha mente imagina mil coisas nessa conversa. Já seca, passo meu creme, coloco minha calcinha, minhas meias e por ultimo o pijama.
- Senta!
Pede do jeito Cassandra super protetora, saindo da tampa do vaso sanitário. Me sento e ela solta minha toalha, terminando de secar meu cabelo.
- Por que não conversou comigo antes sobre o Gustavo do meu passado ser o Gustavo do seu presente?
- Como descobriu que ele era o Apolo?
Para de secar meu cabelo e vem pra minha frente. Se abaixa e de joelhos encara meus olhos.
- Acha que sou tão idiota assim pra não ligar os fatos?
- Não! Só não imaginei que seria tão rápido assim, que demoraria alguns dias.
Ergue a mão e seus olhos se enchem de lágrimas quando toca meu rosto.
- Você estava abrindo mão dele por mim?
Ela não precisa saber disso. Cassandra nunca aceitaria ficar com o Gustavo, sabendo que o amo.
- Não abri mão, apenas percebi que não era ele que eu gostava. O Miguel é a pessoa certa pra mim.
Balança a cabeça de forma negativa e sorri.
- Você é péssima mentindo.
Mordo meu lábio e ergo os ombros, em sinal de culpa. Ela sempre soube quando eu contava alguma mentira muito grave. Não seria diferente agora.
- Só acho que o seu sentimento pelo Gustavo é maior que o meu por ele. Somos melhores como amigos e agora como cunhados.
Cassandra se senta no chão e encosta as costas na parede do banheiro.
- Quer saber algo sobre você, que provavelmente não tenha descoberto?
- Esse algo vai ser um murro no meu estômago?
- Você não sabe lidar muito bem com críticas.
- Sei sim!
Ergue uma sobrancelha e depois de limpar meu nariz escorrendo, dou um sorriso forçado.
- Apenas me escute.
Respira fundo e encolhe as pernas, erguendo os joelhos.
- Você tem a mania de olhar tudo pelos seus olhos e criar teorias, ver uma versão de tudo. Precisa entender que para cada situação existe um olhar diferente de cada pessoa. Temos nós três encarando a mesma situação com olhares diferentes.
Ergue os três dedos e involuntariamente imagino que dedo médio dela, enorme seja o Gustavo.
- Quando entrei naquele bar e vi o Gustavo, me senti novamente a Cassandra com quase quinze anos.
Vejo uma lágrima escorrer pelo seu rosto.
- Mas eu não vi ali mais o amor da minha adolescência, mas sim o garoto que me ajudou a enfrentar a pior coisa do mundo. Me ajudou a superar a morte da nossa mãe.
Limpa as lágrimas e sorri de um jeito tão lindo, que me faz sorrir junto.
- Sabe o que eu senti ao ver o Gustavo?
Nego com a cabeça e prendo o ar em meus pulmões, esperando sua resposta.
- Gratidão! Me senti tão grata por ele ter me abraçado e me feito tão bem.
Começa a rir e encara o chão.
- Tenho um professor que fala muito sobre o luto na faculdade e o quanto ficamos sensíveis e mais propícios a aflorar os sentimentos. Eu não amei o Gustavo, eu amei ter sido cuidada. Ele foi a melhor coisa que me aconteceu após perder a mamãe e me agarrei a isso durante anos.
Volta a ficar de joelhos e vem pra perto de mim.
- Durante anos vivi agarrada a essa felicidade que ele me deu, achando que era amor. Quando estava ali na frente do Gustavo e pude agradecer por tudo que fez e foi na minha vida, me libertei do passado do que eu achei que nunca vivi. Pude me sentir livre pra seguir em frente, segura de que o que é meu está guardado lá fora. Que o meu grande amor ainda não passou pela minha vida.
Seca minhas lágrimas e beija minha testa com carinho.
- Você pode viver seu grande amor em paz, minha irmã.
Se afasta e me olha com um enorme sorriso.
- Penteia esse cabelo, seca essas lágrimas e vai lá falar com ele.
- Gustavo ainda está aqui?
- Ele se nega a ir embora sem falar com você.
- Merda! Ele disse se sente algo por mim?
Nega com a cabeça e abaixo a cabeça.
- Resolvemos a nossa parte e agora resolvam a de vocês.
Se levanta do chão e percebo que está vestida pra sair.
- Vai sair?
- Sim! Hoje eu mereço um porre libertador.
Pisca pra mim e vai em direção à porta do banheiro.
- Tenham juízo!
Abre a porta e antes de sair me olha.
- Não tenha medo de dizer o que sente. Mesmo que não seja correspondido esse amor, vai ser libertador descobrir as coisas pelo olhar do Gustavo. Promete que vai contar como se sente?
- Sim!
- Te amo!
- Também te amo!
Sai e fecha a porta e me levanto do vaso sanitário.
Vou pra frente do pequeno espelho e pego a escova pra arrumar a juba que a Cassandra deixou na minha cabeça ao tentar secar meu cabelo. Termino de me pentear, limpo meu rosto, passo um desodorante, escovo os dentes e passo um perfume. Respiro fundo mil vezes com a mão na maçaneta. Solto o ar com calma e abro a porta do banheiro. Conforme sigo para a sala, sinto meu coração acelerar muito as batidas e tenho medo de morrer de infarto antes de falar com o bicho pau. Chego a sala e não o encontro no sofá.
- Caramba!
O escuto esbravejar da cozinha e sinto um cheio bom de comida. Ando até a cozinha e o vejo perto do fogão, mexendo algo na panela bem quente. Me encosto na porta e apenas o observo de costas, tentando domar meu pequeno fogão. Com o pano de prato segura a alça da panela e leva correndo pra cima da mesa onde tem um suporte de panela esperando. Limpa os dedos no pano e percebe minha presença. Seus olhos encontram os meus e sem dizer nada, caminha muito rápido em minha direção, parando a minha frente.
- Não vou embora sem conversar com você. Nem adianta me mandar embora.
- Tá bom!
Me olha perdido e imagino que estava preparado para ouvir um "vai embora". Seu corpo cola mais ao meu e sou obrigada a tombar muito a cabeça pra trás, tentando manter meus olhos no dele.
- Diz que você se apaixonou por mim, como me apaixonei por você.