Me sento na cama sentindo que vou sufocar com esse peso todo no peito. Essa mistura infeliz de sentimentos dentro de mim. Eu queria muito acreditar que estamos de verdade um apaixonado pelo outro, no mesmo grau de intensidade, mas não estamos. Aqui temos uma burra apaixonadíssima por um bicho pau burro com ciúmes e medo de perder uma amiga que está ajudando em um sonho. Pronto! É isso! Quem se apaixona não abre mão assim pra outro, a não ser que seja uma irmã, como Cassandra e eu.
Seria incapaz de lutar pelo Gustavo com a minha própria irmã, sabendo que ela o ama ainda. Me afastaria com toda a certeza do mundo e mentiria, esconderia meus sentimentos. Espera! Cassandra também seria capaz disso. Ela fez isso! Como se pensar na minha irmã fosse um imã, ela surge na porta do quarto, ainda vestida com a roupa de sair. Encosta no batente da porta, cruza os braços e me olha.
- Tem uma mesa linda posta na cozinha e a comida intocada nos pratos. Não vejo o Gustavo e isso me preocupa, já que está aqui deitada com esse pijama horrível.
Sai da porta e vem em direção a minha cama. Tira os sapatos, salta sobre mim e cai do meu lado. Se enfia embaixo das cobertas e treme toda enquanto estou rindo.
- Como foi com o Gustavo? Conversaram?
Escorrego na cama e entro com ela embaixo das cobertas.
- Ele disse que também se apaixonou por mim.
Me cutuca toda feliz e quando para faz uma cara de nojo.
- Ai vocês se beijaram, tiveram aquela pegada e não comeram porque vieram fazer sexo aqui. Que nojo!
Tira a coberta de cima da gente chutando e vai se levantando.
- Não! Não terminamos assim.
Puxo ela de volta pra deitar e nos cubro de novo.
- Então o que aconteceu?
Solto um longo suspiro.
- Antes de falarmos sobre isso, quero te fazer uma pergunta.
Respiro fundo me enchendo de coragem.
- Você seria capaz de dizer pra mim que não ama mais o Gustavo, só pra que eu vivesse esse amor sem medo? Seria capaz de mentir, esconder seus sentimentos, se anular por minha causa?
- Sim!
Sua resposta é firme e muito rápida. Certo! Tudo bem! Certo! Foco meus olhos em Cassandra e só digo a única coisa que se repete em minha mente.
- Certo! Tudo bem!
Ela se arrasta pra perto de mim.
- Catarina sendo Catarina!
Sinto um tom de deboche e estreito meus olhos.
- O que fiz de errado agora?
- Você nunca vai a fundo na dor. Nem seguiu pra pergunta correta.
- Pra que enfiar o dedo na ferida pra saber que dói, se só tirando a casquinha já me mostra a dor?
- Às vezes é preciso enfiar o dedo na ferida, pra entender o que a causou e tentar remediá-la. Somente assim vai poder curar o que te machuca.
- Essa coisa de aprofundar na dor é de psicóloga e não de arquiteta, designer de interiores.
- Deveria ser pra você também assim. Afinal você pega algo detonado e transforma em algo lindo, habitável.
- Mas... nós não mexemos na estrutura da casa. Apenas reparamos o que aos nossos olhos se mostra. A maior tortura de um arquiteto é descobrir algo na estrutura que precisa ser arrumado. Deus me livre!
Cassandra ri e me faz cosquinhas.
- Você é terrível!
- Então me diz qual a pergunta correta.
Se arruma na cama e seus olhos nos meus parecem querer me mostrar sua alma
- Me perguntou se eu seria capaz de abrir mão do Gustavo.
- Isso.
- Sim, eu seria capaz de abrir mão do Gustavo por você, sua pergunta foi se eu seria capaz e não se eu fiz. Catarina, daria a minha vida por você sem medo algum. Faz a pergunta certa agora.
- Você abriu mão do Gustavo por mim?
Com um lindo sorriso no rosto, me responde.
- Não! Eu realmente percebi que não era amor. Foi e é uma gratidão enorme por ele.
Parece que de verdade esse peso sai de cima de mim. Acredito na minha irmã e sei que ela seria incapaz de mentir pra mim assim. Ela viria com todo seu dialogo sobre convivência e fases da vida. Me daria uma volta e no fim diria pra eu ser feliz.
- Agora me diz que merda aconteceu aqui, que vocês não estão grudadinhos.
- Posso fazer só mais uma pergunta?
- Pode! Mas dessa vez seja profunda e vá ao fundo da ferida.
- Tudo bem! Até porque a ferida não é minha.
Abro um sorriso quadrado e Cassandra ergue uma sobrancelha pra mim.
- Cutucar a ferida dos outros é melhor, né?
- Você que começou essa merda de ir a fundo. Como uma boa psicóloga, enfia o dedo na sua ferida e a sinta.
Nós duas rimos e ainda ganho um beijo no rosto.
- Seu humor sempre foi sua melhor qualidade.
- Obrigada!
Paramos de rir e com calma solto a pergunta.
- Gustavo me contou como se aproximou de você, depois que perdemos a mamãe.
Cassandra apenas me observa e acho que tirei a casquinha da ferida dela. Não me sinto bem com isso.
- Se não quiser conversar sobre isso, eu posso...
- Não! Vamos falar sobre isso.
Respira fundo e admiro sua força e forma de encarar as coisas ruins.
- Percebi os olhares pesados sobre mim. Ouvia, mesmo eles achando que falavam baixo, me chamarem de órfã. Os poucos amigos que eu tinha se afastaram porque não queriam ser atacados por serem amigos da órfã. Gustavo era o garoto "popular" do colégio. Não tinha uma pessoa naquele lugar que não o conhecia.
- Imagino o motivo!
Estreito meus olhos e ela morde os lábios para não rir.
- Era bem chamativo aqueles olhos verdes e aquele cabelo loirinho angelical, mas ele sempre foi uma vareta ambulante. Chamávamos de mastro de bandeira.
É impossível não rir disso.
- Apelidei ele de bicho pau.
Cassandra ri alto e fico sem graça.
- Vocês possuem apelido?
Meus olhos se arregalam e ela sabe que tenho.
- Solta!
- Joaninha!
Falo rápido e baixo.
- Xaninha? Ele te apelidou de um nome fofo de buceta?
Agora sou eu quem ri alto.
- Joaninha!
Repito entre o riso e dessa vez ela entende.
- Muito melhor que xaninha.
- Concordo!
Paramos de rir e a espero continuar.
- Quando o Gustavo se aproximou de mim a primeira coisa que fiz foi avisa-lo que era um erro. Disse que ele perderia a popularidade e que sofreria como eu. Ele me disse a seguinte frase: "prefiro ser amigo de uma pessoa incrível a ter 200 bajuladores sem coração".
Abro um enorme sorriso, porque isso é muito a cara dele.
- Daquele dia em diante, ele ainda era o garoto lindo do colégio, mas se tornava também o amigo da órfã. Todos se afastaram e nós dois nos unimos. Viramos melhores amigos!
- Ele foi incrível!
Comento e Cassandra confirma com a cabeça.
- Ele anulou sua vida social, aceitou os julgamentos sobre nós e se manteve firme protegendo a nossa amizade, a mim.
- Gustavo é bem protetor. Quando o pai dele faleceu deixou o bar, a mãe e os filhos. Ele assumiu o papel principal, abraçou a mãe pra cuidar, assumiu o bar e libertou as irmãs para seguirem seus sonhos. Aceitou a carga do pai e as responsabilidades, anulando o que ele era e sonhava.
- Parece que o Gustavo é o tipo de pessoa que pela felicidade dos outros, abre mão da sua própria vida.
- Ele abriu mão de mim para o Miguel.
Seus olhos se arregalam e sua boca se abre.
- Gustavo não iria lutar por mim e isso me diz que talvez ele não tenha de verdade se apaixonado por mim. Acho que ele apenas teve medo de perder a melhor amiga para um namorado.
- Vocês conversaram sobre isso.
- Sim!
- Indo ao fundo da ferida?
Pergunta e reviro os olhos.
- Só tirou a casquinha, joaninha?
- Não me chame assim. Só ele pode falar joaninha e me deixar boba.
- Olha como seus olhos brilham ao falar do bicho pau, mastro de bandeira. O mesmo brilho no olhar dele quando fala de você.
- Vocês falaram de mim?
- Não muito! Quando contei que era sua irmã e que abri meu coração com você sobre nosso passado, Gustavo ficou desesperado. Conversamos sobre o passado, nos resolvemos e então eu talvez...
Abre um sorriso quadrado.
- Talvez... eu tenha dito que você se apaixonou por ele.
Fecha um olho esperando eu brigar, mas não faço.
- Os olhos dele brilharam e o sorriso parecia que tinha ganhado o melhor presente do mundo. Agarrou minha mão e me arrastou para o fusca horrível dele.
- Não fala assim do fusca! Ele ama aquele carro.
- Desculpa!
Tenta não rir, mas é impossível. Meu celular apita com o recebimento de uma mensagem. Pego pra ver e vejo que é do Gustavo.
De Gustavo
ESTOU COMPLETAMENTE APAIXONADO POR VOCÊ E PELA PRIMEIRA VEZ NA MINHA VIDA, NÃO VOU ABRIR MÃO DA MIMHA FELICIDADE. QUERO VOCÊ, JOANINHA!