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CAPÍTULO 3
Aline Tavares
Virei-me para o homem finalmente notando-o. Ele vestia jeans, camisa de botão branca até os cotovelos, um coturno marrom nos pés, parecia forte por baixo da roupa que marcava suas coxas e peitoral, a pele dele é corada do sol, dava para perceber que trabalhava no campo. Ele parecia ser daqui de Barretos pelas roupas, mas pelo sotaque, era mineiro. Pisquei algumas vezes e tentei me recompor, ele me lembrava muito alguém...
Mesmo sem saber exatamente com quem ele se parecia, meu coração retumbou no peito. Tinha algo na presença dele que me fazia sentir estranha.
- Senhor, não conheço nenhum Otávio Alcântara - Andreia disse e levando em conta que ninguém reconhecia aquele sobrenome era razoável.
- O nome do meu marido era Otávio, mas não tinha Alcântara em seu sobrenome. - Minha voz saiu firme apesar da tremedeira nas pernas. O que ele queria com meu marido morto e por que quando me olhou pela primeira vez, e vi os olhos fiquei ainda mais estática? Tudo dentro de mim se acendeu como um alerta.
Arrependi-me de ter interrompido e revelado sobre Otávio. Mas o que mais me assustava era a reação do meu corpo ao olhar observador do homem, que me encarou de forma insinuante da cabeça aos pés e era como se eu estivesse nua, bem na sua frente.
Ele pareceu reparar quando me remexi incomodada e pigarreou esfregando o rosto.
O homem apalpou os bolsos e puxou a carteira pegando um pedaço de papel que depois se revelou ser uma foto. Tinham dois homens e apesar de muito mais novos, eu reconheci Otávio.
- O seu marido se parece com ele? - Pisquei algumas vezes e depois o olhei e assenti, cada vez mais desconfiada. Um arrepio correu pela minha espinha, o que aquele homem tão semelhante ao meu falecido marido queria saber sobre ele?
- Sim, apesar de bem jovem nesta fotografia, mas quem é você? - O homem suspirou e guardou a foto.
- Sou o irmão mais novo dele... E preciso muito mesmo falar com ele, por favor! - O olhei estática e depois para Andreia que estava com os olhos arregalados.
- Otávio nunca me disse que tinha irmãos, ou uma família. Me disse que era sozinho, que... Não tinha ninguém.
Meu cérebro começava a funcionar novamente e fiquei mais alerta com a presença daquele homem, o que ele queria? Por que estava procurando o irmão como se não soubesse que ele morreu anos atrás.
E então algo mais importante martelou minha mente. Otávio tinha parentes vivos e escondeu isso de mim?
Por quê? Nada disso fazia o menor sentido!
Estava confusa e me sentindo traída... Por que nunca disse que Pedro tinha mais alguém além de nós? Ele não pensou que aquilo poderia me trazer algum acalento se um dia eu me sentisse sozinha, assim como me sinto agora?
- Sinto muito, entendo por que ele disse isso, mas... Ele tem uma família, e nós precisamos muito dele, precisamos que ele volte para casa, que ele... Reconsidere. - O peso do que eu tinha que dizer caiu sobre mim, mas também uma curiosidade.
- Por quê? - Balancei a cabeça sabendo que minha pergunta não fazia sentido. - Por que quer falar com ele agora?
- Meu pai está morrendo. E ele quer o perdão do filho mais velho! - Levei a mão ao coração. Meu Deus!
- Eu... Sinto muito, mas... Otávio morreu num acidente de carro a pouco mais de cinco anos atrás. - Os olhos azuis do homem arregalaram e ele levou a mão ao coração. Vi que seus olhos se encheram de lágrimas e que balançou a cabeça parecendo querer afasta-las. Seus olhos voltaram a focar em mim.
Ele abriu e fechou a boca, depois coçou a região do peito onde ficava seu coração.
Quase deu para ouvir o órgão se partir e eu tive uma vontade absurda de consola-lo. Olhei para Andreia e ia pedir que pegasse água para ele, mas minha recepcionista já entregava o conteúdo transparente para o homem que demorou mais alguns segundos até conseguir falar.
- Agora muita coisa faz sentido... Muita coisa mesmo! - Ele esfregou os olhos e suspirou com força ainda esfregando o peito. Eu entendia aquela dor, o impacto, a surpresa.
- Sinto muito de verdade. - Ele assentiu.
- Eu sinto muito por tudo que passou. - Ele disse. - Bom, tenho que ir dar a notícia ao meu pai... Eu, nossa! - Notei que as mãos dele tremia quando passou o copo de volta para Andreia, vazio.
Encarei seus olhos e percebi, que assim que o vi a primeira vez, havia esperança, até um pouco de expectativa, mas naquele momento o que enxerguei nos lindos olhos azuis, foi o vazio.
É, aquele era o tipo de notícia que nos deixava assim, vazios e completamente sem rumo. Pobre homem.
- Obrigado pela informação. - Agradeceu e olhou para saída, e vi uma resistência nele, todo seu corpo parecia resistir a ideia de ir embora com aquela notícia.
Ouvimos o barulho do sino na porta e logo Pedro se precipitou para dentro. Ele cruzou os braços e me olhou um pouco emburrado.
- Oi, Andreia! - Cumprimentou e olhou o homem - Oi, moço! - Ele me olhou e abaixou o olhar. - Mãe, quando vamos embora?
Percebi no momento que o menino me chamou de mãe, que o homem levantou a cabeça e nos olhou ainda mais surpreso e eu não sabia o que sentir sobre aquilo.
E apenas uma coisa veio a minha mente que eu precisava proteger meu filho. Por mais que me compadecesse da dor dele e até a entendesse não conhecia aquele homem ou que direitos ele achava que poderia ter sobre ele.
- Otávio teve um filho? - Puxei Pedro para mim e dei um sorriso falso. Puxei meu cartão de crédito e dei a ele.
- Querido, preciso que vá à casa de ração e encomende ração para os cavalos, só um saco e farelo, depois, compre um sorvete, tá bem? - De inicio Pedro apenas concordou, mas então franziu a testa.
- Mãe, ainda tem um saco de ração cheio, só precisamos de farelo. - Sorri sem graça.
- Isso, esqueci, só encomende o farelo, por favor! - Quase supliquei e ele tirou a mochila das costas e me obedeceu, quase suspirei de alivio, mas o olhar atento do homem fez meu alivio momentâneo, sumir.
- Ele é meu sobrinho? - Coloquei a mão na cintura, pronta para uma briga feia.
- Está na hora de você ir! - Ele endireitou os ombros, parecendo ainda maior que antes. Tentei ao máximo não me intimidar, apesar das minhas pernas estarem bambas de medo.
- Eu tenho o direito de conviver com meu sobrinho, meu pai tem o direito de conhece-lo antes morrer...
- Se Otávio não disse a vocês que ele existia, isso deve significar que não era de sua vontade que convivessem com o menino. Ou que ele não confiava em vocês. Por favor, se o amava, respeite o desejo dele. - O homem pareceu balançado por um momento, ele chegou a piscar algumas vezes.
- Eu não sei por que ele não me contou, mas... Não é justo agora que ele morreu, não podermos conhecer a única parte dele que nos restou. - Tranquei a mandíbula, aquela situação era muito difícil. Era uma daquelas decisões que eu nunca sabia se era certa ou errada e que só queria ter alguém para dividir a responsabilidade de tomar alguma atitude.
Meu Deus, Otávio, o que eu faço? O quê?
- Eu não vou expor meu filho a algo assim, por favor, vá embora! - O homem apertou a boca, parecendo tomar uma decisão.
- Não tem nenhuma razão sensata nesta sua decisão, eu sei os meus direitos e de minha família, e vou procurar os órgãos responsáveis para fazer valer esses direitos e até mesmo deveres que temos com a criança. - Meu rosto esquentou de raiva.
Ah. Não. Quem ele pensava que era para em ameaçar?
- Vai embora daqui, qualquer resquício de duvidas que tinha sobre deixa-lo conhece-los melhor morreu no momento que me ameaçou. - Andei até a porta abrindo-a. Vi que uma veia de raiva pulsou na testa dele, e percebi que era exatamente a mesma veia na testa de Otávio e Pedro.
Meu Deus, como isso podia ser possível? Como Otávio podia ter uma família e não ter me contado?
Assim que o homem foi embora, sentei no sofá mais próximo, senti que minha pressão baixou e que estava prendendo a respiração.
Andreia me deu um copo de água e coçou minhas costas.
- Ele me ameaçou, Andreia... Ele... Como depois de tanto tempo alguém pode aparecer achando que tem direitos. - As lágrimas desceram e Andreia ficou quieta por um tempo.
- Posso falar como alguém que vê a situação de fora? - Ela parecia insegura ao perguntar e sabia que era porque apesar de aceitar ajuda-la, a última coisa que éramos na vida, poderia ser considerado como amigas. Mas eu precisava tanto de um conselho naquele momento que acabei assentindo. - Ele não parecia nada ameaçador, só... surpreso, esperançoso, e quando você disse que não poderia ter contato com o menino, ele reagiu da forma que achou que poderia ajudar você a ceder.
- Eu não disse que não deixaria em algum momento, só que não era o desejo de meu marido. - Andreia não entendia, mas nada justificava o tom ameaçador que ele usou comigo.
- Tudo bem, Aline, como eu disse, foi apenas a minha visão da situação. Mas não acho que está errada também.
Dei um sorriso triste e ela se afastou.
Tentei me recompor, sabendo que logo Pedro chegaria.