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CAPÍTULO 4
Heitor Alcântara
Eu não sabia o que fazer, como falaria ao meu pai com a previsão de meses, talvez semanas de vida que o filho dele estava morto? E a aquela mulher... Por que negar algo tão valioso a alguém a beira da morte? Eu não consigo entender, e estava disposto a lutar para que meu pai tivesse ao menos um pouco de paz nos últimos suspiros de vida.
Estacionei na frente da mansão dos meus pais algumas horas depois, naquele mesmo dia lamentável e desci do veículo, um dos empregados veio até mim e pegou a chave.
- Bem-vindo, senhor Heitor! - Dei um aceno para o Henrique e sorri.
- Meu pai está? Como ele passou esses últimos dias? - Ele assentiu.
- Está no jardim tomando o sol da manhã que o médico recomendou. Ontem ele não conseguiu sair da cama, senhor... Hoje parece um pouco melhor. - Sorri triste e apertei o ombro do funcionário.
- Obrigado! - Pedi e ele se afastou para colocar meu carro para dentro. Coloquei a mão no bolso e segui em direção ao jardim, quando cheguei, avistei meu pai. Ele em nada se parecia mais com o homem forte e vigoroso de meses atrás. Estava magro, abatido e parecia ser muito mais velho do que era e constatação do motivo de seu abatimento cortava meu coração. Ele se encontrava embaixo de uma árvore onde tinham um sofá e duas poltronas. Ele estava numa das poltronas, lendo um livro, com uma manta cobrindo as pernas.
Sentei-me no sofá e quando ele notou minha presença, seu rosto branco e enrugado se esticou num sorriso terno.
- Meu filho, que bom que voltou! - Seu tom de voz era quase desesperado. - Achou seu irmão? Conseguiu convence-lo? - Apertei os lábios frustrado, como falaria aquilo para o meu pai, quando a notícia quase me fez arriar no chão e chorar como um bebê?
- Pai...
- Pelo seu pesar, acredito que ele não quis vir... Está tudo bem, não precisa me dar essa notícia, eu imaginei que Otávio não me perdoaria, sequer é justo pedir a ele que o faça só por que estou enfermo... - Papai começou a divagar e enruguei os lábios.
- Pai... Por favor, me deixe concluir! - O homem me encarou com seus olhos tão azuis que chegavam a parecer frios, apesar de eu saber quão amoroso era. - Não cheguei a ver o Otávio, e não será possível fazê-lo. Ele sofreu um acidente de carro alguns anos atrás... - Ele levou a mão ao rosto, pensei em continuar, mas assim como aconteceu comigo a ficha foi caindo mesmo que eu não tivesse concluído a frase.
Vi seu corpo tremer quando o choro chegou. Os pelos do meu corpo arrepiaram. Sentia a dor dele.
Porra, eu sentia que meu coração estava se quebrando em mil pedaços. Não me conformava de não ter tido mais tempo com meu irmão, menos ainda de não tê-lo procurado antes e tentado trazê-lo para casa.
Nos últimos anos em que tivemos contato, sabia o quanto Otávio me amava, e que ele amava meu pai, antes deles brigarem, erámos amigos e unidos, os três. O fato de meu pai ter feito algo terrível conosco, comprometeu nossas relações, mas eu entendia que não era falta de amor, apenas faltou responsabilidade com os sentimentos alheios.
Talvez, essa dor fosse o preço que ele pagaria por ter magoado profundamente o filho mais velho.
- Eu nunca mais vou vê-lo... Eu... Por que o levou tão novo, meu Deus, por quê? - Papai choramingou baixinho e levei a mão aos seus ombros.
Alisei seus braços ossudos e o deixei chorar, algumas lágrimas rolaram pelo meu próprio rosto, cada segundo tornando aquele fato real e irremediável.
Vi quando papai limpou o rosto, fungando e soluçando. Ele parecia calmo e ainda mais velho, como se a notícia tivesse matado o resto de energia que lhe restava.
Respirei fundo tentando me manter firme. Meu pai precisava saber o que mais eu tinha descoberto.
- Pai, ele teve um filho... Eu o vi muito rapidamente, mas... É a cara do Otávio, talvez possa conviver um pouco com ele... - Ele levantou o rosto avermelhado e piscou algumas vezes.
- Eu sou avó? - Dei um sorriso triste e concordei.
- Mas tem um problema, a mãe da criança não concordou em deixa-lo conviver conosco... - O olhar de meu pai foi de esperançoso a triste novamente e eu levantei esfregando as mãos agitado. - Mas eu já conversei com Moisés e ele disse que temos direitos quanto a visitação, e hoje mesmo ele vai fazer um pedido junto ao juiz para solicitar que o senhor possa vê-lo levando em conta a sua condição. - Ele começou a negar com a cabeça.
- Não faça isso, Heitor... Não comece uma relação de guerra com essa mulher que já perdeu tanto. Jamais quero cometer um erro assim novamente. Desfaça o pedido ao Moisés e vamos fazer uma abordagem diferente. - Minhas sobrancelhas se ergueram, meu pai e seus planos malucos nunca eram algo que eu costumava concordar.
- E que abordagem seria essa? - Ele riu travesso.
- Sua mãe não vai gostar... - Franzi os lábios.
- Acho que eu também não irei gostar! - Acabei rindo - Mas vamos fazer da forma que achar mais confortável, então!
- Obrigado, me conte tudo que sabe sobre eles!
- Tudo que sei é que ela é veterinária, que o menino tem em torno de onze ou doze anos de idade. E que ela é superprotetora, dá para ver isso nas feições e reações dela, o que torna muito difícil conversar. - Ele assentiu.
- Eu a entendo, é complicado expor uma criança a morte... Mas eu tenho um plano, vamos fazer o seguinte...
**
Com toda certeza do mundo aquilo era loucura, meu pai poderia morrer naquela maluquice, achei que minha mãe seria aquela com juízo e o impediria, mas ao invés disso ela riu, apesar de ser um riso triste, ela concordou e ainda decidiu participar.
Quando estacionei na frente da clínica veterinária, só conseguia pensar no quanto aquela mulher foi rude ao negar meu pedido e praticamente me expulsou.
Suspirei e ajudei meu pai a sair do carro, apesar de parecer frágil, hoje ele estava muito bem, como se aquele desafio o tivesse devolvido a vida e o câncer não estivesse se espalhando rapidamente.
- Certo, querido, como combinado, você não entra, vai dar uma voltinha... - Minha mãe pediu e me deu um beijo, suspirei cansado.
- Eu preciso do coelho, filho! - Meu pai disse e eu peguei a gaiola com o bichinho malhado de branco e cinza dentro.
- Qualquer coisa me liguem. - Pedi e eles concordaram.
- Não se preocupe com nada, vai dar tudo certo, confia! - Dei um sorriso nervoso para minha mãe!
- Já disse que isso é loucura, não é? - Eles balançaram a cabeça positivamente e riram.
- Será ótimo viver mais essa loucura juntos. - Os olhos de mamãe lacrimejaram e eu não tive como evitar, os abracei e me afastei para que pudessem ir. Apenas quando eles sumiram para dentro da clínica entrei no carro e esperei, não demorou muito, Pedro apareceu, e meu coração se encheu de emoção em saber que mesmo que desse tudo errado naquele plano do meu pai em amolecer o coração daquela mulher, ele ainda teria o gostinho de ver o neto.
Valeria a pena, tinha que valer. Só esperava muito que Otávio não puxasse nossos pés por isso!