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CAPÍTULO 5
Eu passei os últimos dias apavorada com a ameaça daquele homem de que acionaria a justiça para ter direitos sobre Pedro. Como poderia não sentir medo? Não conhecia aquelas pessoas, sequer sabia que meu marido tinha uma família.
Estava tão esgotada que meus olhos pareciam pesar. Mas o trabalho me ajudava a ter uma rotina minimamente saudável.
A sineta da porta sinalizou e eu levantei o olhar dos exames de alguns dos meus pacientes, gostava de fazer o acompanhamento no sofá da sala de espera quando estava vazia. Vi um casal de senhores com uma gaiola nas mãos. Os dois sorriram abertamente, simpáticos e me senti na obrigação de fazer o mesmo.
Eles andaram até o balcão de Andreia, esperei eles terminarem de falar com ela e contemplei suas mãos unidas, eles pareciam felizes juntos, a senhora é negra e seus cabelos ainda são pretos e crespos bem enroladinhos presos num coque baixo. Enquanto que o senhor é branco dos olhos azuis cristalinos. Um olhar muito marcante e... Familiar? Ai, minha nossa, estou neurótica, só pode!
Quando a ficha deles foi preenchida levantei, deixando os papéis em cima do balcão, sorri.
- O que esse bebezinho tem? - quis saber e a mulher me olhou com atenção.
- Ele parece um pouco desanimado. Não estava assim antes, estou medo de ter dado algo para ele que fez mal! - Ela parecia preocupada, abri a casinha e peguei-o. Ele não parecia doente, acariciei sua carinha e ele se movimentou arisco.
- Calma, mocinho, não vou machuca-lo. - Conversei com ele e o levei para a sala de consulta, o coloquei na maca e apalpei-o, e pareceu se acalmar um pouco. Ouvi a sineta da porta e observei Pedro entrar, ainda estávamos um pouco estremecidos um com o outro e aquilo estava começando a me perturbar. - Ah, querido, que bom que chegou, olhe esse coelho que lindo. - Chamei sua atenção e ele logo se empolgou, veio em nossa direção e acariciou o animal.
- O que ele tem? - Perguntou, observando os senhores que pareciam um pouco estáticos olhando meu filho.
Um comichão no peito me acendeu um alerta de medo. Mas aquela ideia de que dois velhinhos que pareciam tão inocentes serem sequestradores de crianças era tão ridícula, que tudo que podia fazer para me acalmar era colocar a culpa em minha neurose adquirida recentemente.
Eu desconfiava até da minha sombra e a situação era tão ridícula que estava cogitando a ideia de ter ficado louca.
- Ah, ele parece triste, desanimado. Acho que fiz algo errado. - A senhora disse, me resgatando dos milhares de cenários onde pegavam meu filho e o levavam para longe.
- Ele parece bem para mim - Pedro mexeu nele e depois me olhou. - Ele só deve querer ficar um pouco solto, esses animais gostam de pisar na grama e comer muita verdura. Certo, mãe? - Ele perguntou e abri um sorriso orgulhoso. Minha nossa, como ele estava crescido.
Acabei olhando-o um pouco boba por um momento até enfim responder com um sorriso gentil.
- Exatamente, vou recomendar que vocês deem vermífugo, estou achando a barriguinha dele um pouco inchada, mas para ter certeza, vamos realizar também alguns exames. Tentem deixa-lo num cercado mais natural e, é isso, ele vai ficar mais feliz. - Escrevi num papel o nome do vermífugo que costumava recomendar e onde encontrar.
- Obrigado! - Falou o homem pela primeira vez - Meu nome é Rodolfo e essa é minha esposa Francisca. Foi um grande prazer conhece-los. - Ele falou e sorrimos.
- Eu me chamo, Aline e este mocinho esperto aqui é o Pedro. - Abracei-o lateralmente e para minha surpresa e decepção ele se afastou.
- É um prazer conhece-los. - Ele disse olhando para o Pedro e sorriu. - Será que eu posso pagar um sorvete para vocês por ter nos ajudado com o nosso bichinho?
- Eu quero! - O sorriso do homem se alargou, pois meu filho que se achava adulto não pensou que eu não deixaria, e eu sorri sem graça. Eles podiam até parecer velhinhos inocentes, mas as aparências enganam e eu não era tão idiota de confiar meu filho a estranhos.
- Um outro dia, ainda tenho algumas consultas para hoje e o senhor Pedro precisa estudar para a prova de amanhã. - O olhar de decepção do homem quase me fez encolher, mas ele assentiu. E Pedro saiu da sala batendo o pé furioso. Eu iria acabar esganado aquele menino rebelde. - Desculpe por isso. - Pedi sem graça.
- É super normal, tivemos dois meninos que não eram nada fáceis de lidar nesta idade. - Francisca disse e colocou a mão no ombro do marido. - Vamos deixar a moça trabalhar, querido, já tomamos demais seu tempo. Quanto foi a consulta, querida?
- Está tudo bem, não deu trabalho algum. Paguem apenas a consulta depois de agendar o dia, a consulta fica por conta da casa por ser a primeira. - Falei, mas acabei ficando interessada em conversar um pouco mais com o casal, afinal, pessoas mais velhas tem a experiência ao seu favor. O que ela falou despertou o desejo de saber o que fazer com Pedro naquele momento. - Já que sabe tanto sobre crianças nesta idade, poderia me falar como eu o convenço que não permitir certas coisas não é falta de amor?
Francisca me olhou condescendente e pegou minha mão.
- Você está fazendo um bom trabalho, Aline, não se cobre tanto e tenha em mente que não importa o quanto tente demonstrar amor, ele sabe. Mas ser rebelde é tudo que ele consegue fazer por causa dos hormônios em ebulição. - Ela apertou os lábios. - E não se culpe por achar que precisa achar soluções para combater todos os problemas que surgirem, conversar é preciso e não é errado. Quanto ao Pedro, ele ama você mais que tudo na vida, pode ter certeza que não importa quantos pecados irá cometer, no fim tudo que uma criança deseja é a aprovação dos pais.
Apertei os lábios e sorri tentando conter as lágrimas.
- Isso foi bem esclarecedor. Me fez lembrar da minha mãe e que eu mesma já dei esse tipo de trabalho para ela.
- Viu, só, você tem a fórmula, sabe como é ter a idade dele e o que tanto queria de sua mãe nesta época. Conversem! A conversa é a melhor coisa em um relacionamento duradouro e saudável. Se vocês não disserem como se sentem, então nunca irão consertar o que está errado.
- Obrigada - Falei agradecida.
- De nada, querida! - Ela apertou minha mão por mais tempo do que parecia necessário, parecia um pouco indecisa. - Eu queria te fazer um convite, me identifiquei tanto com você! - Pisquei confusa e então esperei ela terminar. - Aceitaria um convite para almoçar conosco?
- Querida! - O homem pareceu surpreso e apreensivo.
- Só se eles quiserem, cuidaram tão bem do nosso bichinho. - Seus olhos pareciam suplicantes. Eu não era de aceitar convites assim de estranhos, mas ela tinha razão, nos identificamos, talvez o fato de sermos mães que amam tanto seus filhos. Olhei para Pedro, que virava a página do livro de estudos furioso e acabei entortando a boca.
- Quando será esse almoço? - perguntei e ela abriu um sorriso tão lindo que fiquei sem graça.
- Sábado é um dia bom para você?
- É um dia ótimo! - Falei para em seguida nos despedirmos.
**
- Pedro, vamos! - chamei-o da escada, olhei de novo o endereço e ainda me custava acreditar que aqueles senhores eram meus vizinhos e eu nunca tinha visto eles.
- Mãe, nós vamos a cavalo? - Ele gritou do quarto e eu olhei a hora no relógio de pulso, odiava me atrasar.
- Sim, eu falei que íamos de cavalo por ser perto. - O ouvi se movimentando e logo ele estava descendo a escada correndo.
- Estou pronto! - Ele ajeitou o chapéu e eu ajeitei um botão da camisa dele.
- Ótimo, vamos! - Saímos de casa e logo estávamos subindo nos cavalos.
- Mãe, vamos apostar corrida! - Aquela fala me trouxe um pouco de alivio e eu sorri.
- Claro, o que quer apostar? - Ele pareceu pensar um pouco.
- Se eu ganhar quero dormir mais tarde para ficar no celular. - Entortei a boca, mas sabendo que um dia não mataria ninguém, isso se ele ganhasse.
- Tudo bem, mas se eu ganhar, vai limpar os estábulos sozinho por uma semana! - Ele deu de ombros como se não estivesse preocupado.
- Apostado! - Ele sorriu e eu senti meu coração aquecer.
- Dá porteira até o nosso destino! - Pedro puxou a rédea do cavalo que já parecia em expectativa para começar a correr. Acariciei Pérola. - Vamos! - Bati com o pé na barriga dela e nossos cavalos começaram a correr.
Delegado corria bem, mas não mais que Pérola. A velocidade aumentou cada vez mais e nossos risos se misturou a brisa morna. Meus cabelos escuros balançavam e de vez em quando batiam no meu rosto. Pedro de repente mudou o rumo de Delegado e entrou num caminho mais acidentado..
- Filho da mãe. - Gritei e gargalhei, ele iria cortar caminho por um terreno mais acidentado que minha égua não dava conta, mas Delegado, treinado para competição, iria tirar de letra. Aumentei a velocidade e quando avistei a propriedade de Rodolfo e Francisca sorri abertamente.
Andar a cavalo era como virar criança novamente para mim e ganhar do meu filho iria ser muito divertido.
Assim eu pensei, até que Pedro entrou na minha frente e o ouvi gargalhar quando Pérola empinou assustada. O problema é que eu também me assustei, perdi o equilíbrio e voei da égua batendo no chão com tudo. Minha cabeça girou violentamente, minha visão escureceu e eu não era burra em pensar que aquilo era normal.
- Mãe, mãe! - Sua voz ficou muito longe, e eu não enxerguei mais meu filho desesperado. Queria dizer que estava tudo bem, acalma-lo, mas não consegui.
Não conseguia fazer nada, pois minha mente simplesmente desligou.