- O que você está fazendo aqui? - Ane inqueriu abraçando a amiga de forma protetora.
- Não é o que vocês estão pensando. Eu posso explicar.
- Sério? - Ane cuspiu as palavras me cortando com sarcasmo e desprezo, apertando mais os braços em volta da amiga de maneira protetiva.
- Você não está ajudando. - Mag avisou me lançando um olhar que eu nunca tinha recebido dela, que nunca havia recebido de mulher nenhuma.
- Se acalmem vocês. Eu a encontrei na biblioteca dormindo de mau jeito em uma poltrona e como estava em um sono profundo eu preferi trazê-la para o quarto.
- E por que ela gritou desse jeito? - Ane questionou olhando da amiga, que estava curvada paralisada, para mim, com cara de quem não tinha acreditado em nada.
Gabriela não falou absolutamente nada, ela apenas abraçava os joelhos e se balançava para frente e para trás ainda com os olhos fechados, se balançava como se daquela maneira fosse conseguir novamente o controle do próprio corpo.
A cena me deixou ainda mais desconcertado, eu queria poder ajudá-la a entender a situação, a entender o que tinha acontecido de verdade, vê-la assustada e quebrada daquela maneira despertou algo em mim que não sabia explicar o que era, sentia um instinto de cuidado crescer, como se a necessidade de afastar aquela expressão de terror do seu rosto gritasse dentro de mim.
- Quando fui colocá-la na cama os braços dela ficaram em volta do meu pescoço e com o peso eu vim para baixo junto com ela, o trovão que vocês ouviram a acordou assustada. - expliquei rapidamente, mesmo sabendo que elas já estavam tirando conclusões horríveis ao meu respeito. - Então quando ela me viu aqui se espantou ainda mais. Eu sei que pode parecer outra coisa, mas eu jamais me aproveitaria de uma mulher em nenhuma situação. Não sou esse tipo de homem Gabriela! - e pela luz do celular que Mag segurava pude vê-la soltar uma respiração profunda, mas ainda estava na mesma posição.
- Pode ir agora. - disse Ane de forma seca.
- Gabriela? - chamei-a, não queria que ela ficasse pensando que eu era um tarado como o merda do seu ex-patrão, e que estava tentando tirar vantagens da situação em que a tinha encontrado.
- Depois maninho. - Mag pediu já indicando a porta com a cabeça para que eu saísse e as deixasse lidar com aquilo sozinha.
Se elas achavam melhor assim eu iria esperar no meu quarto até que Gabriela se acalmasse e pudesse me ouvir. Não sabia ao certo o que estava passando em sua cabeça nesse momento, mas conseguia imaginar o que poderia só de ver o seu estado.
Entrei no banheiro sem me importar com a falta de luz e tomei um banho, a água gelada me ajudou a ficar alerta e pensar. A única coisa que poderia me ser útil de todo esse estresse seria Gabriela querendo manter distância de agora em diante, só podia torcer para que ela não quisesse ir embora de vez depois de hoje.
Eu sabia bem que não podia mantê-la presa aqui, mas não a deixaria correndo riscos nas mãos daqueles infelizes, não era minha obrigação cuidar dela, mas por algum motivo estranho a necessidade ardia dentro de mim.
Vê-la naquele estado de torpor me fez pensar que talvez a situação com o verme do seu ex-chefe tenha sido mais traumática do que imaginei, estava claro que ela estava apavorada com a simples ideia de que eu fosse atacá-la.
Eu havia prometido essa manhã que logo ela poderia voltar a viver sua vida e só tinha um jeito de resolver isso, matando o desgraçado como devia ter feito no dia em que a conheci.
Minha porta foi aberta com um estrondo, Gabriela entrou tempestuosamente no quarto, mas travou no mesmo instante que seus olhos pousaram sobre meu corpo, até eu fiquei chocado por vê-la recuperada tão rápido depois do estado em que estava.
- Desculpa, eu não sabia que você estava assim. - ela murmurou ainda me encarando.
- Pelado? - por pouco, muito pouco ela não me viu realmente nu, se não tivesse uma toalha em mãos ela com certeza estaria me vendo como vim ao mundo.
As bochechas dela queimavam de tão vermelhas com a constatação do óbvio, mesmo assim ela parecia incapaz de desviar os olhos. O que ela queria ali afinal?
- É... eu só queria conversar com você. - falou tentando recuperar o senso, mas seus olhos continuaram a análise, descendo do meu peito ainda molhado do chuveiro e se encaminhando para meu abdômen, para só se deter quando chegou a minha mão que segurava a toalha de forma desajeitada sobre meu membro.
- Assim? - apontei para meu corpo para chamar sua atenção. - Você vai se virar ou vai querer continuar me olhando enquanto me visto? - questionei já intimidado com sua inspeção. Eu não era um boneco em uma vitrine para que ela ficasse ali fazendo uma vistoria.
Rapidamente Gabriela se virou envergonhada. Era engraçado e seria sexy também, se não tivesse acontecido tudo aquilo no quarto dela minutos atrás.
Peguei minha calça na cama e a vesti devagar, apreciando saber que coisas não tão inocentes estavam passando por sua cabeça nesse momento. Aproveitei para encarar sua postura ereta, com os punhos cerrados ao lado do corpo e a inquietação com que batia o pé descalço no chão.
Ela estava tensa por estar ali, tinha vindo pronta para a briga, mas a forma como me pegou pelado à fez perder o foco.
- Pode virar. - Avisei quando estava terminando de colocar a camisa.
- Eu preciso saber de você o que queria naquele quarto?
- Colocar você na cama. - falei reunindo minhas forças para não enlouquecer, ela tinha dúvidas e eu iria responder, mesmo que não tivessem o menor cabimento.
- Me colocar na cama ou ir junto comigo? - rebateu de maneira grosseira.
- Eu sei o que deve ter parecido, mas eu jamais faria isso, com você ou qualquer outra. Não ouse me acusar de nada que está imaginando em sua cabeça, até agora eu só fiz ajudar você e sua amiga, tenha isso em mente.
- Você fala como se devêssemos alguma coisa pra você, mas deixa só eu te lembrar de que nós nunca pedimos sua ajuda! - a voz agora estava alterada e ela projetava o corpo para frente como se realmente estivesse pronta para voar em cima de mim a qualquer momento.
- Quando se está a salvo é fácil falar e para sua informação sua amiga pediu sim minha ajuda. - falei dando ênfase no sim para que ela entendesse a situação de uma vez por todas. - Você é muito ingrata!
- Não vejo motivos para te agradecer, você conseguiu acabar com o que me sobrou na vida. E ela pode ter pedido sua ajuda, mas eu não, então não venha achando que vou ficar toda agradecida por você ter feito algo que não pedi! - eu não era o único que tinha jogado a paciência que restava para o espaço.
- Da próxima vez pode deixar que ficarei sentado enquanto você é estuprada! - eu cuspi as palavras antes mesmo de pensar no que estava dizendo e me arrependi logo que saiu da minha boca. Aquilo era uma coisa horrorosa de se falar e eu nunca quis realmente dizer aquilo, jamais.
Inferno! Sempre falava a coisa errada quando estava diante dela. Que porra estava acontecendo comigo? Eu não era esse tipo de homem que perdia as estribeiras e deixava de pensar direito, mas ela conseguia me tirar do eixo, no bom ou no mal sentido.
- Ou então vai acabar ajudando ele a fazer o serviço! - ela explodiu fazendo meu sangue ferver de vez.
Atravessei o quarto em três passadas largas e a segurei pelos ombros levando seu corpo para trás e soquei a parede ao lado da sua cabeça, querendo sacudi-la até que entendesse de uma vez que eu não era esse tipo de pessoa. Ela suspirou assustada com a aproximação brusca, mas não demonstrou medo.
- Pela última vez, então escuta bem, eu jamais tocaria em uma mulher sem ela querer! Eu jamais transaria com uma mulher sem o consentimento dela! Eu jamais estupraria uma mulher na minha vida! Espero que você tenha entendido. - Rosnei cada palavra deixando meus ânimos levarem o melhor sobre mim, mostrando um pouco do meu pior lado. Gabriela não disse nada, apenas continuou a me fitar nos olhos enquanto nossas respirações batiam aceleradas uma contra a outra. - Eu tenho princípios e acima de tudo respeito às mulheres. - disse bem mais baixo dessa vez, unindo todas as forças do meu corpo para me acalmar. - Se um dia eu quiser alguma coisa com você eu vou pedir sua permissão para te tocar, mas esse dia não vai acontecer. Entendeu?
- Eu espero mesmo que não aconteça, e da próxima vez pode me deixar dormindo onde me encontrar. - Ela falou firme, sacudiu os ombros e empurrou meu peito para afastar minhas mãos de sua pele.
Nos encaramos por um segundo ou dois apenas, os dois parecendo feras prontas para atacar um ao outro em uma demonstração de poder e a respiração profunda de Gabriela fazia seu corpo tremer de forma visível.
Ela assim como eu estava juntando sua raiva em um cantinho escuro dentro da alma, tentando voltar a imagem contida e aceitável pela sociedade, eu podia ver.
- Inferno de mulher! - gemi socando novamente a parede quando ela saiu batendo a porta, meu nível de estresse estava atingindo a estratosfera desde que ela chegou.
Porque ela tinha que ser tão insolente, determinada, selvagem... e linda. Quando me enfrentava daquele jeito parecia uma pantera feroz, que me excitava como louco e me tirava do sério como nunca nenhuma outra fez. Ela estava me enlouquecendo, era isso! Levando-me além da razão sem precisar fazer muito.
Nos conhecíamos apenas há dois dias e não tínhamos tido se quer um dia de paz, nossos ânimos nos levavam a agir como dois loucos discutindo por qualquer motivo. Mas eu precisava me lembrar de quem eu era e o que fazia, se eu queria protegê-la de qualquer perigo deveria me manter longe dela. Gabriela pertencia a um mundo onde eu era o vilão e não permitiria que minha podridão sujasse sua alma inocente.