Ao ouvir essas palavras ela mais uma vez teve a sensação de que ele estava provocando-a e, pelo olhar astuto de uma raposa traiçoeira, Giulio realmente tentava confundi-la e, o pior de tudo, ele estava conseguindo. Cansada de toda aquela situação, ela afastou-se dele para retomar suas funções - ou pelo menos tentar.
Por descuido, acidentalmente Eliza esbarrou em uma das telas da galeria. Horrorizada, ela viu a obra tilintar no piso de porcelanato.
- Meu Deus! O que eu fiz! - Exclamou.
Abalada, ela virou-se para vê a expressão de gozação de Giulio, porém ele permaneceu imperturbável com o olhar fixo nela.
Com os nervos à flor da pele, Eliza pegou a tela e analisou-a com cautela: um único arranhão e o seu emprego já era. Aparentemente a moldura estava intacta. Aliviada, suspirou.
- Vejo que minha presença a perturba. - Giulio falou com um sorriso divertido nos lábios. Aproximando-se dela, ele pegou a moldura de suas mãos e disse. - Calma, é apenas uma tela.
- Uma tela muito valiosa. Eu não seria capaz de pagá-la mesmo se trabalhasse por cem anos durante vinte e quatro horas. - Eliza expressou seu desespero sem esconder a sua angústia. Ela não queria ter os seus sonhos destruídos por um acidente tolo como aquele.
Inquieta, ela viu Giulio examinar cada canto da moldura friamente. De imediato, ele olhou para ela com censura, mas adoçou o clima dizendo.
- Não se preocupe; a tela sobreviveu às suas mãos. - Cinicamente, provocou-a. -Vou deixá-la em paz antes que você destrua a galeria.
- Signore Vallone, prometa não contar nada a senhora Pallot sobre o que aconteceu aqui. Por favor? - Eliza praticamente implorou. Sob o olhar de indecisão dele, ela pediu mais uma vez. - Eu realmente preciso desse emprego.
- Não se preocupe: esse será nosso pequeno segredo, a menos, é claro, que Giulietta tenha visto tudo pelas câmeras de segurança. - Giulio informou-lhe e apontou para as câmeras de segurança espalhadas pela sala.
Eliza sentiu o chão fugir dos seus pés, pois, se Giulietta visse o que havia acontecido ela certamente estaria em apuros. Se a sua situação já não fosse complicada o bastante, piorou quando Giulio, sem aviso prévio, puxou-a para si e cobriu-lhe os lábios com um beijo profundo. A princípio, ela parou subitamente assustada assim que sentiu os lábios experientes dele provando os dela. No entanto, foi apenas quando os braços fortes dele envolveram a cintura dela, que Eliza percebeu o que estava acontecendo. Ela tentou debater-se entre o abraço dele, porém todo o esforço foi em vão: Giulio era mais forte e mais ágil que ela.
A pressão dos lábios dele sobre os dela era exigente, mas gentil, de uma forma que fez com que ela parasse de lutar e sucumbisse àquele beijo devastador. Quando finalmente ele a soltou; ela estava ofegante e com as pernas trêmulas.
Abrindo um sorriso triunfante no rosto bonito, ele disse.
- Não se preocupe, se Giulietta viu o beijo, ela verá também que fui eu quem a agarrou. - Boquiaberta, ela o ouviu comentar. - A propósito, querida, seus lábios são macios.
Tão silencioso quanto entrou, ele saiu, deixando-a em um estado de nervos terrível.
Recuperada do susto de ser surpreendida por um beijo, Eliza retomou às suas tarefas muito, preocupada por ter esquecido do sistema de segurança, pois se Giulietta visse o que havia acontecido - como Giulio a fizera entender - seria seu último dia de estágio e ela não estava preparada para perdê-lo: sua permanência na Itália dependeria do resultado daquele dia.
Mesmo diante de tanto pessimismo ela conseguiu se concentrar no trabalho até o final do expediente.
Por volta das treze horas Eliza saiu para almoçar e, como no dia anterior, ela optou por um restaurante simples. Assim que ela se sentou em uma das mesas do estabelecimento o garçom entregou-lhe o cardápio – como de costume a refeição foi escolhida pelo preço e não pelas atraentes porções do Menu. Depois de verificar com cuidado todos os valores, ela pediu um Pugliese vegetariano e água para acompanhar; o dinheiro que tinha consigo era suficiente para pagar o prato. Por ser pobre, Eliza já estava acostumada a pechinchar preços e infelizmente sua atual situação financeira não era favorável, por isso o dinheiro gasto com ônibus e almoço pesavam muito nas contas no final do mês.
Eliza descobriu através da faxineira que havia uma pequena cozinha nos fundos da galeria voltada exclusivamente para as necessidades básicas dos funcionários e o local estava totalmente equipado com fogão, micro-ondas e geladeira. Esse achado era muito bom para ela, pois seria possível fazer as refeições no próprio ambiente de trabalho e também economizar nas despesas.
Enquanto Eliza planejava a possibilidade de levar sua própria marmita para a empresa, o garçon aproximou-se trazendo-lhe o seu pedido. Depois de agradecê-lo ela ocupou a mente saboreando o delicioso almoço a sua frente.
Da mesma forma que o dia anterior, ela não demorou muito para concluir sua refeição. Assim que terminou, ela checou o relógio e descobriu que ainda tinha alguns minutos a seu favor – ela poderia ficar lá e aproveitar os minutos de descanso, porém o seu senso de dever a obrigou a voltar imediatamente para a galeria. E foi na disposição de uma jovem sonhadora que ela pagou o restaurante e saiu cantarolando rumo ao trabalho.
Assim que chegou, arregaçou as mangas e mergulhou de cabeça nas atividades; a tarde passou rapidamente e ela suspirou aliviada quando a noite caiu e o horário de expediente acabou. Por volta das dezenove horas, quando estava prestes a sair, Giulietta apareceu como um furacão no salão de exposições.
Completamente séria, Giulietta ignorou a presença dela e caminhou em direção à tela que ela havia derrubado naquela manhã. Com mãos ávidas, ela pegou a moldura e examinou-a fixamente: seus olhos penetrantes e vividos viram o que Eliza e Giulio não puderam enxergar.
Visivelmente chateada, ela resmungou.
- Veja! Há um pequeno arranhão nesta moldura. - Furiosa, repreendeu-a. - Honestamente, signorina Villar, espero que você tenha mais cuidado ao manusear essas telas: seria uma pena ter que despedi-la tão cedo.
Diante do óbvio descontentamento de sua chefe, Eliza se redimiu envergonhada.
- Peço que me perdoe por minha falta de atenção. Garanto-lhe que o que aconteceu hoje nunca mais tornará a se repetir.
- Honestamente, espero que isso não se repita. Não gostei nada do que vi aqui. - Giulietta deixou claro de que não era apenas da pintura que ela estava se referindo: ela provavelmente viu seu beijo com Giulio. - Não pense que pode se esconde de mim, Eliza. Enquanto eu estiver na galeria, meus olhos estarão por todo lugar.
Sentindo-se culpada Eliza não ousou encarar Giulietta e, por causa de sua falta de atitude em defender-se, a decepção de sua chefe era evidente. Ela não ficaria surpresa se este fosse seu último dia de estágio.
Num impulso de coragem, pediu-lhe.
- Signora Pallot, você pode descontar do meu salário ou-.
Antes que Eliza tivesse tempo de terminar, Giulietta a interrompeu bruscamente. Andando em círculos pelo salão, ela disse-lhe mal-humorada.
- Seu salário nunca pagaria o concerto dessa moldura, garota. Já não sei se vale a pena mantê-la comigo na galeria. - Nesse momento, o coração de Eliza disparou temendo o pior. - Por hoje, você está dispensada. Amanhã, no entanto, assim que chegar passe no meu escritório e conversaremos melhor sobre tudo que aconteceu aqui. Devo deixar-lhe claro que não tolero certos comportamentos.
- Sinto muito decepciona-la, signora Pallot. - Eliza despediu-se com a voz embargada pelo choro.
Assim que Giulietta deu-lhe às costas, ela correu para o banheiro.
Ali, escondida de todos, ela não reprimiu sua dor e, diante de sua imagem refletida no espelho, deixou as lágrimas rolarem livremente. O choro libertador de algo que estava além da suas mãos era necessário para que ela pudesse se manter forte durante a dura conversa que teria com sua chefe. Amanhã uma única palavra mudaria o destino de sua vida, e ela esperava com todas as forças que não fosse um: "Você está demitida". Ouvir isso partiria o seu coração em mil pedaços.