Ao olhar-se no espelho, ela sentiu-se mais forte e mais bonita do que nunca; a nuvem de tristeza que pairava sobre o olhar dela havia desaparecido, revelando apenas uma linda jovem a desabrochar. Quem quer que a visse pela rua não diria que ela se debulhou em lágrimas diante do espelho e muito menos notaria a turbulência interna que estava enfrentando.
Apesar da aparente calmaria que ela demonstrou ao sair da galeria, por dentro ela estava extremamente vulnerável ao pensar que este seria mais um sonho fracassado - houveram tantos ao longo dos anos que este parecia ser mais um em mil.
Munindo-se de força, ela disse a si mesma: "Você vai sobreviver a isso, Eliza. Você sobreviveu a uma vida de misérias e sobreviverá a este fardo também".
Não era possível mensurar, mas Eliza estava emocionalmente abalada enquanto vagava sem rumo pelas ruas de Florença: a única certeza para ela era a de que seu estágio estava por um fio e que provavelmente teria que deixar o país e voltar para o Brasil de mãos vazias. Muitos questionamentos passavam pela mente dela e ela se perguntou em que momento havia tornando-se tão pessimista.
Depois de seu pequeno momento de perambulação, ela sentou-se no ponto de ônibus e esperou a hora de voltar para casa.
Se tudo não fosse difícil o suficiente, quando ela chegou ao apartamento, seu corpo estava em frangalhos. Como resultado de vagar pelas ruas sem destino certo, o pé dela tinha adquirido dois calos enormes, na qual apenas uma massagem relaxante aliviaria a tensão deles.
Gentilmente, ela tirou a sandália de salto alto e começou a massagear os pés.
Mentalmente Eliza agradecia pelo apartamento estar vazio para que suas amigas não a vissem naquele estado lamentável. Por sorte ela não precisaria dar nenhuma explicação sobre o que havia acontecido, além de que Lúcia tornava-se inconveniente nesses momentos.
Sentindo-se mais relaxada, ela foi até a cozinha preparar o jantar. Após deixar o alimento cozinhando ela correu para o banheiro em uma ducha rápida. Terminada todas as preparações, ela voltou para a cozinha e apreciou a refeição - apesar dos acontecimentos desagradáveis e da falta de ânimo, ela estava faminta.
Ao terminar a refeição e lavar a louça, Eliza se dirigiu para o quarto e, ao invés de enfiar-se em baixo das cobertas como sempre fazia, ela pegou uma de suas telas inacabadas e começou pintá-la, colocando sobre ela, cores e mais cores. Isso a lembrou de que certa vez o professor Salvattori, ao analisar uma de suas obras, disse-lhe que todas as melhores telas dela eram fruto de seus piores momentos: raiva, tristeza, revolta; pois era nessas ocasiões que ele a via expressar toda a genialidade artística dela. Eliza entendia isso agora, pois de fato a arte dela surgia do declínio de sua humanidade - sua bondade a fazia tecer sonhos e sua raiva a realidade. Algo efémero, mas grandioso.
E, mesmo que estivesse determinada a colocar toda a sua ansiedade na tela, Eliza fez pouco ou quase nada. A turbulência emocional ainda era grande e a estava matando por dentro. Ela odiava sentir-se vulnerável, principalmente agora, porque além da sua vulnerabilidade, ela estava sentindo-se derrotada.
Com o pensamento de não se deixar desencorajar pelas circunstâncias, ela recitou o trecho de uma famosa canção: "Reconheça a guerra e não desanime; levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima." Suspirando desanimada ela voltou a guardar a tela e deitou-se. Seja por cansaço ou pelo sentimento de recomeçar, assim que apoiou a cabeça no travesseiro e caiu em um sono profundo.
Para quem estava prestes a ficar desempregada, Eliza acordou na manhã seguinte de bom humor. Definitivamente, ela não se permitiria ser prejudicada por sua situação atual; afinal, ficar desempregada não era o fim do mundo e ela não seria a primeira a entrar na fila. Por mais delicada que fosse a sua situação, ela teria que enfrentar essa nova realidade de cabeça erguida, ceder ao desespero não iria ajudá-la, muito menos devolver o seu emprego.
Aceitando o fato de não ter como evitar os eventos desastrosos, ela rapidamente pulou da cama e se dirigiu para a cozinha. Assim que Eliza chegou lá, ela encontrou Mirella inclinada sobre a mesa parecendo estar dormindo. Preocupada com a amiga, ela chamou sua atenção sussurrando suavemente.
- Mirella? Está acordada?
Lentamente, Mirella olhou para cima com enormes círculos cinza sob os olhos, ela soltou um bocejo curto e sonolento; pela aparência abatida e cabelo despenteado, Eliza podia imaginar o dia ruim que Mirella teve. Ela espreguiçou-se na cadeira e afofou os cílios preguiçosamente.
- Bom dia, Eliza. - De modo a esconder seus assuntos e não entrar em detalhes, Mirella mudou o rumo da conversa e assumiu a mesma postura maternal de preocupação de Eliza. - Você parece abatida... Aconteceu alguma coisa? - Perguntou curiosa.
- Eu lhe perguntaria a mesma coisa.
- Cheguei primeiro, querida: ponto para Mirella. - Ela deu uma piscadela brincalhona, e acrescentou. - Já que assumi a liderança, você me deve uma resposta.
- Oh, sim! - Eliza sorriu. Disse-lhe. - Essa foi realmente uma jogada de mestre.
Mirella cruzou os braços sobre o peito e a encorajou a prosseguir.
- E então... Sem rodeios, Eliza.
Eliza virou-se desconfortavelmente para o balcão e fingiu preparar o café. Dizer a Mirella que ficaria desempregada era um péssimo jeito de começar o dia. Porém, talvez fosse de conforto que ela precisasse.
- Apenas uma noite de insônia. Nada com o que se preocupar. - Disse rapidamente tirando o foco de si, - E você, Mirella, como foi seu dia no hospital?
- Um mentiroso reconhece outro mentiroso, Eliza. Mas eu entendo que não queira conversar. Já sobre o meu dia... - Mirella fez uma longa pausa e recostou-se na cadeira reflexiva. - Eu perdi um de meus pacientes ontem à noite, sinto que não fiz o meu melhor por ele.
Eliza olhou para a colega com pena, mas recompôs-se – ela odiava ser tratada dessa forma e pena era o pior sentimento que um ser humano poderia oferecer a alguém. De forma amigável, ela pegou as mãos de Mirella para confortá-la.
- Tenho certeza de que você fez tudo o que estava ao seu alcance para salvá-lo. Não é sua culpa. - Disse olhando-a nos olhos.
- Eu sei, mas ainda é difícil. Talvez eu deva pular um plantão e sair com Lúcia algum dia desses: ela é a pessoa certa para isso. Como ela mesma diz: 'nenhum problema é tão grande que não se resolva com festas'.
Eliza sorriu, - Na verdade, Lúcia nunca decepciona quando se trata de festas. Talvez até eu me junte a vocês... Algum dia, é claro.
- A clássica e enrustida Eliza. - Mirella sorriu e acrescentou. - Eu realmente amo a garota que há em você. Não mude, ok?
- Definitivamente não.
Mirella voltou a sorrir e bocejou.
- Bom, não vou estragar o seu café da manhã com minha "empolgação". Ah, eu realmente preciso descansar. - Ela espreguiçou-se enquanto se levantava da cadeira, seu pescoço fazendo um pequeno "Trec". Já acordada, desejou a Eliza. - Tenha um ótimo dia de trabalho.
- Obrigada, Mirella. - Isso era tudo que ela esperava ouvir.
Eliza tinha que ter um bom motivo para não se preocupar: sem confusão, sem Giulio, sem desemprego... Ela lembrou-se de um ditado do seu país que diz: quem tem boca vai à Roma. O sorriso dela foi quase instantâneo. Chegar à Itália já foi um milagre e, se tivesse que partir, levaria consigo boas lembranças, mas se tudo corresse bem, Giulietta seria generosa. Ela tinha que esperar para ver.