Peço a Eliana, desviando meus olhos de Natália e seguindo com o carro para a rua.
- Esse aqui.
Eliana me mostra no celular.
- Fica perto do meu escritório.
- Ótimo! Agora acelera que não quero atrasar ainda mais.
Enquanto dirijo, Eliana liga para alguém e pela conversa, é sobre a decoração da festa. Olho algumas vezes pelo retrovisor, para ver Natália e ela está encarando a janela, muito distraída.
- Benzinho, precisamos conversar uma coisa chata.
Eliana diz, chamando minha atenção.
- Fala!
- Sabe que não sou mulher de limpar casa, cozinhar e tudo mais.
Me olha com o jeito sedutor de quando quer pedir algo.
- Quero me dedicar a você e não a casa. Hoje de manhã, enquanto tomava café com a minha mãe, ela me falou sobre contratar uma empregada.
- Eliana, o gasto que estou tendo com o casamento e a construção da nossa casa está me deixando no limite das contas. Não temos condição, pelo menos no começo do casamento de contratar empregada.
- Você está jogando na minha cara que não estou ajudando em nada? Está dizendo que vivo do seu dinheiro?
Respiro fundo.
- Eliana, você não trabalha e não está ajudando em nada na nossa futura vida a dois. Não quero te dizer que tem que trabalhar, mas se quer mordomias, ajude a pagá-las.
- Você sabe que não acho um emprego bom para mim. Estou procurando, mas os que me chamam não são bons.
- De qualquer forma. Não podemos pensar em contratar empregada agora. Teremos que nos virar.
- Não vou lavar, limpar e cozinhar.
- Moro sozinho há seis anos, podemos fazer isso juntos.
- Nem sei como organizar uma gaveta de cuecas. Vou acabar jogando tudo dentro da gaveta e você se vira.
- Ele dobra as cuecas em pequenas bolas e as separa por cores na gaveta. As meias ficam em uma gaveta separada e também separadas por cores.
Natália diz, causando um silêncio perturbador no carro. Ela mexeu nas minhas gavetas? Como ela sabe meu TOC por cores e organização?
- Como sabe disso?
Eliana pergunta e se vira no banco para olhar a irmã. Meu coração acelera as batidas e seguro forte o volante. É o fim da senzala. Sinhazinha vai surtar com a gente.
- Eu disse que ele deve. Do jeito que seu noivo é todo certinho, deve ter esses transtornos. Nojo de unir pé com cu.
Natália começa a rir sozinha.
- Juntar meia e cueca, caso não tenha entendido a piada.
- Você não falou " Deve". E a sua piada foi idiota.
Paro de sorrir da piada de Natália ao ouvir o que Eliana disse.
- Disse sim. Você que não ouviu. Estava muito preocupada com a possibilidade de limpar sua própria sujeira.
- Você se acha superior a mim, né Natália? Acha que seus problemas são maiores que os meus.
- Ter que cuidar da sua própria casa não é um problema. Faço isso desde os meus dezoito anos. Se tivesse feito faculdade ao invés de procurar um namorado rico, saberia como é trabalhar, estudar e cuidar da própria vida.
- Não fiz faculdade porque não quis. Não achei nada que combinasse comigo.
- Ainda não fizeram faculdade pra uma profissão sem cérebro. Amebas ainda não trabalham.
- Sua...
Paro o carro, quando vejo Eliana tentando avançar em Natália.
- Parem as duas.
Grito segurando Eliana.
- Odeio você!
- Sentimento é recíproco, querida irmã.
Eliana se vira no banco, voltando a ficar de frente e cruza os braços.
- Vamos logo, Matheus!
Grita comigo e volto a andar com o carro. O clima está insuportável. Elas se odeiam mesmo. Aproveito o silêncio para refletir. Então Natália fez faculdade e não mora com a mãe. Quero perguntar que faculdade fez, mas Eliana me mataria. Melhor me calar e manter o silêncio. Paramos o carro em frente a confeitaria mais chique de São Paulo.
- Temos que fazer o bolo aqui? Vai sair muito caro.
- Benzinho, o bolo é a parte mais importante da festa, depois da noiva. Quero o bolo mais perfeito.
Eliana diz e abre a porta do carro, saindo do carro. Respiro fundo, antes de sair.
- Vamos logo benzinho...
Natália diz rindo e abre a porta do carro.
- Sinhazinha quer arrancar o couro do pretinho.
Sai do carro e me pego revirando os olhos. Saio do carro também e ando de mãos dadas com Eliana para dentro da confeitaria. Natália vem logo atrás de braços cruzados. Eliana conversa com a atendente que nos leva para uma pequena sala de degustação.
- Vamos servir fatias dos nossos bolos e vocês poderão provar e escolher o que lhes agrada.
Nos sentamos e a mulher sai da sala. Eliana está do meu lado e Natália de frente para mim. Minha atenção fica em sua boca. Ela brinca com seu lábio inferior o mordendo. Isso é perturbador.
- Olha os sabores.
Eliana me chama, mostrando um cardápio com sabores e valores.
- Caramba...
Digo vendo o valor dos bolos. De repente a sala é invadida por pessoas, segurando pratos com fatias de bolo. Tem pelo menos uns vinte pratos na mesa agora. A atendente nos entrega talheres.
- Eliana, você já escolheu o tamanho e a forma que deseja no bolo. Agora só nos diga o sabor.
Eliana, Natália e eu, começamos a provar os bolos. Enfio meu garfo em uma mesma fatia que Natália e ela sorri. Com seu garfo, empurra o meu, pegando a fatia toda pra ela. Bato com meu garfo no garfo dela, derrubando o bolo e tento pegá-lo para mim. Estamos rindo da nossa briga pelo pedaço e paramos ao ouvir um pigarrear alto. É a sinhazinha ao meu lado, não curtindo a farra dos pretinhos. Preciso parar de pensar em Eliana como sinhazinha. Isso pode dar merda.
- Pode pegar pre...
Natália para de falar ao perceber que ia me chamar pelo apelido que me deu.
- Pega! Você é o noivo e precisa escolher.
Olho o bolo todo quebrado no prato.
- Acho que tem pedaços para nós dois.
Estamos sorrindo e juntos pegamos um pedaço do bolo, levando a boca. Gememos juntos com o maravilhoso sabor.
- Esse...
Falamos juntos, apontando com os talhares para o bolo. Eliana nos olha e recuo o talher.
- Gostei desse.
- Eu também.
Natália confirma e a atendente nos informa que é o bolo tradicional de baunilha. Olho o cardápio e vejo que é o bolo mais barato. Isso me agrada.
- Gosto desse...
Eliana aponta para um rodado.
- Não provei desse.
Natália diz.
- Nem eu.
Digo em seguida. Nós dois pegamos um pedaço generoso do bolo e enfiamos na boca. Começo a ter ânsia de vomito com o gosto horrível do bolo. Natália sem nenhuma delicadeza, cospe o bolo no prato e limpa a língua com o guardanapo. Queria muito fazer isso, mas Eliana está me olhando. Engulo essa merda que desce quadrada em minha garganta.
- Não é bom?
Eliana me pergunta e vejo Natália tomar o copo todo de água que deixaram pra ela. Olho meu copo de água e desesperadamente o pego, virando-o todo de uma vez.
- Esse é o nosso bolo mais criativo. É de romã com rum.
Coloco o copo de volta na mesa e vejo o cardápio. É o bolo mais caro.
- Queremos esse.
Eliana diz empolgada.
- Mas é horrível.
Natália solta sem dó.
- Tem gosto de bolo de terra com álcool.
Eliana fulmina ela com os olhos, assim como a atendente.
- Você não tem gosto refinado.
- Falou a rainha desempregada que não possui qualificação nenhuma e não serve nem pra dobrar cueca.
Antes que Eliana ataque Natália, seguro sua mão.
- Tudo bem! Pode ser esse o bolo.
Eliana fica animada e vem beijar meu rosto.
- Por isso eu te amo, benzinho.
Me abraça e Natália cobre o rosto, talvez me odiando por ceder aos caprichos de Eliana.
- Preciso que me confirme algumas coisas Eliana, pode vir comigo?
- Claro.
Eliana sai da sala, junto com a atendente, me deixando com Natália.
- Você é muito idiota, pretinho.
- Ela quer o bolo. É o casamento dela.
- Pau mandado da sinhazinha.
- Não sou pau mandado. O bolo é bom.
Minto e ela estreita os olhos pra mim.
- Você gostou daquilo?
- Sim...
Minha voz sai fina. Ela tenta não rir e se levanta da cadeira. Vem em minha direção e meu corpo congela. Para ao meu lado e com a mão, pega um pedaço generoso do bolo horrível.
- Come de novo ele.
- Não, estou satisfeito.
Me assusto quando a vejo sentar no meu colo de frente para mim.
- Natália...
Digo olhando em volta, apavorado. Eliana pode voltar a qualquer momento. Natália usa a mão sem o bolo para segurar meu queixo.
- Abre a boca!
- Não...
Vejo ela trazer o bolo com a outra mão. Sua cabeça se curva para a frente e sua boca fica perto da minha.
- Se não abrir a boca, vou ficar rebolando no seu colo, deixando seu pau ainda mais duro, até minha irmã chegar.
Por um minuto, minha vontade é de ficar com a boca fechada. Mas logo a sanidade me volta e abro a boca. Natália enfia o bolo nela e só o cheiro do bolo já me deixa enjoado.
- Mastiga.
Minha boca trava e não consigo mastigar.
- Vou te ajudar.
Coloca os dedos nas laterais das minhas bochechas e os circula, me forçando a mastigar.
- Pretinho obediente. Tá gostoso o bolo?
Escuto a voz de Eliana se aproximando.
- Vai treinando comer. Porque se fizer essa cara de cu chupando limão no dia da festa, quando for a foto da Eliana te dando um pedaço de bolo na boca, ela vai te matar.
Sai do meu colo e limpa a mão no guardanapo. Pego o guardanapo e cuspo o bolo.
- Você é violenta.
Digo limpando a boca.
- Não viu no sexo.
Sinto meu membro pulsar e Eliana entra na sala.
- Podemos ir. Já está tudo certo. Deixei um cheque seu como pagamento.
Vou ter que arranjar mais um cliente para pagar o bolo. Saímos da confeitaria e seguimos para a casa da Eliana.
- Vou te deixar na sua casa e vou trabalhar.
- Hoje é sábado. Falta uma semana para o nosso casamento.
Eliana deita a cabeça em meu ombro, enquanto dirijo.
- Vamos curtir nosso último fim de semana sem ser marido e mulher.
- Preciso trabalhar.
- Então vamos sair a noite.
- Sabe que não gosto de sair.
- Vou em uma festa hoje a noite.
Natália diz do banco de trás.
- Onde?
Eliana pergunta e Natália fala o endereço.
- É na mansão dos Willians.
Eliana diz animada.
- A festa vai ser aberta?
- Parece que sim.
- Vai com quem?
- Com uma amiga.
Algo me incomoda nessa saída de Natália.
- Matheus não gosta desse tipo de festas. Na verdade ele não gosta de festa nenhuma.
- Nós vamos...
Digo rapidamente e Eliana me olha.
- Sério?
- Sim...
Algo grita dentro de mim, para não deixar Natália sozinha.