Meus olhos estavam terrivelmente abertos como nunca, olhei pela vigésima vez para a tela de meu celular, mostrava "01:24" da madrugada, eu precisava dormir já que ainda hoje eu haveria de trabalhar cedo. Como todos os dias de minha vida. Revirei meus olhos e bufei, completamente bravo, meu corpo resistia ao cansaço e minha mente não me deixava em paz nem por um segundo, eu odiava ser ansioso desta forma, ao nível de me manter ligado por, as vezes, vinte e quatro horas de meu dia. É como se minha vida somente dependesse de uma determinada situação. Isso ferrava com meu físico e psicológico, pois não conseguia de forma alguma descansar e ficar tranquilo. Mas nada dessa tranquilidade chegar. Novamente peguei meu celular, passando de um aplicativo a outro.
Logo me recordei do que ocorreu no dia anterior de uma forma inesperada, me sentir pequeno naquela situação, céus, como ele era um imbecil... Eu me senti tão humilhado, eu estava tão revoltado. Como alguém pode ser assim tão nojento? Me senti preso, atado numa situação extremamente desconfortável. Tudo porque sou um subordinado, que ódio eu senti de sua cara. Aquele sorriso vitorioso foi como uma espada enfiada em minha barriga, não compreendo como alguém consegue ser tão frio e ambicioso. Neguei com a cabeça, visivelmente chateado. Disquei o número de Gab, na tentativa de ligar, já que não tinha certeza alguma se ela me atenderia pelo horário em que estávamos.
- Uma da manhã, Lucas. Uma da manhã. Você tem noção disso? - Indagou, assim que atendeu, com sua voz sonolenta.
- Desculpe. - Pedi, já me arrependendo. - Eu não consigo dormir, e estou com medo de ter uma crise de ansiedade e não saber quando vou parar, pode ficar um tempinho comigo? - Perguntei sendo sincero, odiava ter que atrapalhar as pessoas, mas eu realmente estava apavorado.
- Tudo bem. - Ela Respirou fundo, aparentemente se arrumando em sua cama. - O seu psicologo não passou nada para evitar isso?
- Por enquanto, não.
- E o que aconteceu?
- Aí é que está. - Suspirei. - Não sei.
- Aparentemente você me odeia. - Ri fraco. - No que estava pensando antes? Teve algum gatilho?
- Não... - Menti. - Creio que não.
- Certeza?
- Sim.
- Tudo bem, o que lhe dá sono? - Bocejou.
- Ótima pergunta. - Ri, ouvindo a mesma me acompanhar.
- Vamos falar sobre... Matemática. Você tem cara de quem tem sono em aula de matemática.
- Gab, eu tenho tdah. O que você acha? - Sorri, deixando a ligação no viva-voz.
- Certo, certo. Vamos lá. 12+15?
- 27?
- 55+41? - Fiz careta.
- 96.
- 28+39?
- 67.
- 15×25?
- Aí você me quebrou, Gab. - Ela gargalhou.
- Ande, não é tão difícil assim.
- Para mim é péssimo, é a mesma coisa que assinar minha certidão de óbito. - Sorri. - Sou péssimo nisso.
- Tente.
- Não, eu estou bem não sendo humilhado.
- Pelo menos deu sono?
- Nem um pouco.
- Nadinha?
- O que você acha?!
- Bom, pelo menos temos a plena certeza que você é de humanas mesmo. - Brincou.
- Não precisava nem de muito para notar. - Peguei meu notebook e o liguei, na tentativa de me distrair. - Enfim, Gab. Deixando isso de lado, como está o observador?
- Está dizendo o Matt? - Riu. - Na mesma, Lu. Me liga daqui, troca de número para me encher de mensagens jurando que irá mudar, perfis falsos em redes sociais... Pix para dizer que me ama.
- De quanto?
- Sério que de tudo que eu falei, você só se importou com o último citado? - Dei de ombros.
- A parte que ele é lunático eu já entendi, agora é ter a certeza se ele é mão de vaca. Quanto?
- Geralmente de 100, mas estou guardando para devolver. Não quero nada dele.
- Eu guardava e fazia uma viagem com outro.
- Nossa, que ótima ideia?! - Concordei, enquanto lia algumas anotações que tinha feito na noite passada.
- Eu estou dizendo. Você quem não sabe aproveitar os burros que a vida coloca na sua história.
- Realmente. Nada disso muda o fato dele ter sido um grande cuzão comigo por todos estes anos.
Ligeiramente lembrei do cara da lanchonete, e nem ao menos entendi o porquê. Provavelmente por ele ser um grande pé no saco, e eu imagino que eu não seja o único "sortudo" de ter passado por ele algum dia, tenho certeza que outras pessoas com empregos inferiores foram maltratadas.
- Pessoas maldosas não mudam de jeito nenhum, elas fingem. Manipulação o nome.
- Absolutamente. Mas e aí, Lu? Você nunca me disse nada sobre conhecer alguém, ter uma paquerazinha?
- É porque eu não tenho mesmo. - Sorri de canto. - Eu não saio de casa, Gab. Eu gosto de ficar no meu conforto, com o Mint, assistir alguma série, escrever e ir dormir. Essa é minha vibe. Definitivamente.
- Mas viver somente disso, Lu, não é saudável. Sei que é seu hobby, seu sonho. Mas você tem que seguir sua vida, ver pessoas, sair, conhecer novos lugares. E talvez até um novo hobby.
- Sair da bolha é mais doloroso do que eu imaginei.
- Realmente, é muito doloroso. Mas necessário. Ninguém disse que a vida era fácil. Aprender e ultrapassar cada pouquinho das limitações que temos, é uma vitória.
- Meu maior pavor. - Disse, baixinho. - Não quero viver tudo aquilo que já vivi antes, é doentio.
- Mas todos nós somos criações diferentes, amigo. Nem todos são errados, alguns são machucados como você, como eu. Mas eles têm possibilidades de estar afundados em casa, ou tentando um dia seguinte melhor.
- Duas da manhã e minha amiga desequilibrada me dando aula de equilíbrio social. - Rimos. - Obrigado, Gab. Minha cabeça é uma zona, e sozinho é complicado de conseguir ultrapassar as limitações de cada dia.
- Voltando a pergunta: ninguém que lhe interesse?
- Não, ninguém.
- Nem que você ache bonitinho?
- Nem.
- E aquele cliente que sempre frequenta a lanchonete? Matias? É um gatinho, não acha? - Tentei lembrar quem era, fazendo careta.
- Não faz meu tipo. - Neguei com a cabeça.
- Céus, você parece um jovem virgem.
- Me deixe em paz, Gabriella. - Ri fraco.
- Vamos arrumar alguém bem maneiro para ti, amanhã. Só para tirar esse bvl.
- Garota, me respeite! - Ri, deixando meu computador na mesinha de canto.
- Pelo menos desestressar, esquecer essa vida de intelectual pelo menos por alguns segundos. Ninguém se apaixona por você dessa forma, parece que está se escondendo. - Revirei os olhos.
- E quem está pedindo para que se apaixone por mim?
- Eu.
- Você é insuportável, garota.
- Bom, já que te distrai o suficiente hoje, posso ir dormir? Porque o mesmo trabalho que você tem amanhã, eu também sofro.- Fingiu voz de choro.
- Obrigado pela companhia, Gab.
- Precisando, Lu, estamos sempre aí.
- Obrigado.
- Boa noite, vê se dorme. Te amo.
- Boa noite. Você também. Te amo. - Desliguei a ligação, junto da tela do celular.
Coloquei o aparelho no carregador, ao lado de meu computador, e me aconcheguei em meu edredom, tentando acalmar meus pensamentos e relaxar meus músculos para conseguir dormir, já eram duas e meia da manhã, eu precisava, pelo menos, fingir que descansei. Mas acabei dormindo rapidamente.
Acordei num quarto escuro, totalmente. Olhei em volta, confuso, não sabia onde estava de forma alguma. Me sentia estranho, observado. Olhei por todos os lado, minha visão estava turva, pisquei diversas vezes na tentativa das mesmas voltarem ao normal. Ouvi passos, o que me deixou ainda mais atento, não sabia de onde vinha, pois parecia vir de todos os lados, me senti ofegante, aquilo me agoniava de todas as formas possíveis.
- Oi, querido. - Ouvi alguém sussurrar em meu ouvido, congelei. - Fique tranquilo. - Sua voz era grossa, aveludada. Meus olhos se arregalaram. Engoli em saco. - Não, não... Não fique assustado. - Bufou um riso em minha orelha, tentei controlar minha respiração. - Fique tranquilo. - Repetiu.
- O-onde... O-nde estamos...? - Perguntei com dificuldade, num sussurro. Eu não tinha controle algum de minha voz, sentia que perdia todo o ar em meus pulmões.
- Fique relaxado. Não fale. - Repousou suas mãos em meus ombros, eu senti todo meu corpo responder. Trêmulo. Suas mãos eram frias, mesmo através de minhas roupas. Eu estava completamente assustado.
Não consegui mover um músculo além das tremedeiras sem fim.
Notei, só então, que estava sentado numa cadeira, não sentia minhas pernas, nem meus braços. Um nó se fez presente em minha garganta. Onde estava? Com quem estava? Tinha algo atrás de mim que me impedia de olhar para seja lá quem for, ele novamente pois-se a se aproximar de meu ouvido, num riso baixo e aterrorizante. Fechei fortemente meus olhos, que desciam largrimas grossas e pavorosas, eu estava com muito medo.
- Vai ficar tudo bem. - Ele riu. - Eu estou com você.
Acordei num sobressalto, minha respiração estava descompensada, meu corpo tremia como nunca antes, sentia minha cabeça latejar e minhas bochechas queimarem. E me pus a chorar. Chorar muito, não sabia o porquê, mas eu estava desesperado. Foi o pior pesadelo que um dia, pude ter. Eu odeio minha cabeça. Eu odeio.
Depois de um certo tempo com meus joelhos junto de meu peito descompensado, eu respirei fundo e me levantei, desligando o despertador. Eu precisava tomar um banho, eu precisava trabalhar. Com minhas pernas ainda trêmulas e teimosas, segui até meu banheiro, me despi e comecei o banho mais doloroso de minha vida.
Senti meu corpo pesar ainda mais, como se levasse um elefante em meus ombros, encostei minha testa na parede, deixando a água cair contra meu corpo. Tentando deixar os flashes do pesadelo descerem pelo ralo.
- Que merda, que inferno de vida, Lucas! - Gritei, contra a parede. - Você não é assim! Por favor! - Soquei a mesma diversas vezes, num choro incessante. - Eu não sou assim, eu não sou... - Continuei a chorar, com meu peito ardendo. - Eu não sou isso... - Repeti.
Já no quarto, eu me troquei rapidamente. Não queria ter tempo para pensar nem em uma fração de segundos naquele pesadelo, senão eu tinha a plena certeza que me acarretaria uma crise de ansiedade doentia, e eu não posso. Não agora. Eu preciso trabalhar.
Olhei o relógio e eu ainda tinha tempo, peguei meus fones e minha bolsa, saindo de casa e colocando uma música de minha playlist favorita. Respirei fundo e comecei a caminha para o local de meu trabalho, tentando distrair minha cabeça com as paisagens que eu tinha o prazer de ver.
Cheguei no momento certo, suspirei aliviado por não ter me atrasado, odiava atrasos retirei meus fones e segui ao quartinho para me trocar, rapidamente.
- Bom dia. - Vi Gab, com seus olhos cansados, carregando um sorriso leve, e forçado, em seu rosto.
- Bom dia, Gab. Me desculpe por ontem. - Fui sincero, a abraçando rápido. - Não queria te perturbar, mas não tinha com quem conversar.
- Está tudo bem, amigo. Você faria o mesmo por mim. - Sorri fraco.
- Bom, pelo lado bom... Estamos quebrados juntos. - Rimos, e ela concordou com a cabeça.
- ah, não esqueça. É amanhã, viu? Vê se você se arruma igual gente e seja o mais incrível daquela pub, se não eu lhe viro do avesso. - Alertou, concordei. Ela piscou para mim. - Fico no caixa hoje, você pode buscar os pedidos?
- Claro. - Peguei o bloco de notas e a caneta no balcão, seguindo aos clientes.
Por volta das seis e quarenta da tarde, já estava no horário de saída da lanchonete, os últimos clientes já saiam pela porta e sorri fraco, sentindo meu dever, por mais um dia, cumprido. Retirei meu avental, e segui para o quartinho colocar de volta minhas roupas, vestindo, também, um casaco. Sai da sala e peguei novamente meu celular, plugando meus fones de ouvido. Música nunca é demais, principalmente para cessar pensamentos intrusivos.
- Tchau, Lu! - Acenou para mim de trás do balcão.
- Até amanhã! - Acenei de volta, saindo finalmente de lá.
Cheguei em casa tão rapidamente que acabei não notando, quando vi, estava na porta de casa. Eu me sentia pesado, cansado. Mais do que em outros dias que a lanchonete estava até mais cheia. Me joguei em meu sofá sem ao menos tirar a roupa, e ali mesmo, eu dormi.
Quando despertei, estava completamente torto e dolorido, e Mint estava em cima de mim, miando incessantemente. Levantei e o peguei no colo, me levantando e seguindo para a área de serviço. Eu havia esquecidk de colocar sua ração no potinho.
Resolvi, também, comer algo. Preparei um sanduíche rápido e peguei meu celular para ver as horas, e me assustei quando notei: onze da noite. Eu odiava dormir quando chegava do trabalho, eu literalmente ferrava com meu sono.
Já me sentia sem sono quase por completo, fui ao meu guarda-roupa decidir o que iria vestir amanhã, eram muitas para decidir, mas fui separando as que mais me chamavam atenção, enquanto mordiscsva meu lanche. Logo optei por uma calça escura jeans, uma camisa longa e uma blusa xadrez, dei de ombros e a deixei em minha mesinha de canto, era o necessário para mim.
Senti novamente Mint miar, e se esfregar em minhas pernas enquanto estava de pé, decidindo alguns acessórios. Sorri e deixei de canto os acessórios e me sentei na cama, terminando meu sanduíche e o pegando no colo, deitando ele ao meu lado. Acariciando-o.
- Essa monótonia está me matando, Mint. Preciso me divertir mais, me permitir. Estou cansada dessa vida de seguir somente regras e nunca me permitir errar. Não está certo. - Mint ronronou. - Isso vai mudar, eu prometo. A partir de amanhã, isso com certeza irá mudar. Vou fazer isso acontecer.