ㅡ Ele pediu para dividirmos o fone de ouvido, e pediu para escutarmos música.
ㅡ Mas vocês sempre fazem isso.
ㅡ Sim, mas foi diferente, entende? Eu senti que ele... por um momento quisesse me beijar.
ㅡ Tipo, na boca?
Lucy apenas assentiu, passando a mão sobre seus cabelos e o jogando para o lado, ainda nervosa.
ㅡ E por que você não beijou? ㅡ Jaesun perguntou. ㅡ não é isso que você quer desde os doze anos?
ㅡ Treze. ㅡ corrigiu-o. ㅡ mas esse não é o caso, oppa. ㅡ falou aproximando-se para sussurrar. ㅡ Ele não sabe nada sobre mim.
ㅡ E nunca saberá se você não contar. ㅡ Jaesun sussurrou no mesmo volume. ㅡ Eu já te disse, eu te apoio, o Ryeon com certeza também te apoiará.
ㅡ Eu duvido disso... Ninguém apoia o que eu sou. ㅡ lamenta-se.
ㅡ Deixa de ser boba, eu apoio e não sou ninguém, sou seu melhor amigo. Mas você precisa falar, principalmente para os seus pais, e parar de tomar aquela porcaria sem prescrição. Uma hora ou outra ficará evidente, e o que você fará?
Lucy vinha tomando alguns hormônios escondidos que havia comprado pela internet, mas não fazia muito tempo, seu corpo estava praticamente igual a antes. Jaesun brigou e até tentou tomar e proibir-lhe de tomar aquele tipo de coisa sem acompanhamento médico. Mas sabia que não teria apoio de ninguém além dele. Se não fosse assim, como conseguiria prosseguir?
ㅡ Quando isso acontecer, oppa, eu já vou estar longe. ㅡ disse animada. ㅡ Serei eu mesma e serei dona da minha própria vida.
ㅡ Você sabe que sou contra a tudo isso. Digo, a fazer isso dessa maneira. Você é dona de si mesma de qualquer forma. Mas isso pode até te matar se for ingerido de forma irresponsável. Você nem comprar numa farmácia ou lugar apropriado. Compra por contrabando! Quem garante que é hormônio feminino mesmo?
Jaesun via nos olhos da garota que ela, de coração, não queria fazer desse jeito.
ㅡ Eu só não posso parar, oppa. Não posso...
O garoto suspirou. Aquele assunto não era novo, e sabia bem como a Jeon era insistente.
ㅡ Mudando de assunto. ㅡ voltou a sentar melhor sobre a cadeira ㅡ Você viu o Mark?
ㅡ Aqui? ㅡ referiu-se à escola. O garoto assentiu. ㅡ entrei correndo, Jae, não notei quem estava pelo caminho.
ㅡ Eu queria perguntar se ele vai ao baile... ㅡ murmurou.
ㅡ vai convidar ele?
ㅡ E levar o fora do garoto novato, que é nerd e gato demais? Não Lu, eu não vou, não. Mas pensei que me aproximando, a gente poderia conversar no baile. Isso se ele não for com um par grudento demais.
ㅡ Jae, você fica suspirando por ele sempre que ele passa por aquela porta. Você precisa chamá-lo!
ㅡ É? E por que você também não chama o Ryeon?
ㅡ É diferente.
ㅡ Não é nada.
ㅡ É sim. O Ryeon não sabe de nada.
ㅡ Eu não sei do que?
E naquele momento, Lucy gelou.
Ela nunca havia virado tão rápido para olhar para alguém, como fez com Ryeon.
ㅡ Nada. ㅡ disse desviando o olhar, mexendo em sua mochila, louca para que Ryeon seguisse para seu rotineiro lugar ali, onde sempre ficava atrás de Jaesun.
Mas, naquele dia, parecia que todo o universo brincava com a sanidade mental da garota, pois seu coração quis saltar por sua boca assim que percebeu que Ryeon depositava a mochila calmamente na carteira ao lado, sorrindo para si ao sentar-se.
ㅡ Olha lá. ㅡ Jaesun cutucou a amiga, suspirando.
A garota ergueu o olhar, vendo que Mark adentrando a sala.
Seus cabelos devidamente penteados e castanhos entregavam toda a sua beleza extraordinária, assim como era também a sua inteligência.
Jaesun suspirou mais uma vez, apoiando a bochecha sobre o punho direito.
Mark ajeitou seus óculos no rosto e sorriu em direção a eles, abaixando o olhar em seguida, e sentando-se a cadeiras de distância, sempre perto demais da lousa.
ㅡ Eu vou me casar com ele. ㅡ balbuciou Jaesun.
Lucy somente sorriu, ouvindo em seguida a risada baixa de Ryeon. Ela olhou de soslaio para o amigo e viu como suas mãos pequenas batucavam sobre a mesa no mesmo ritmo da música em que haviam escutado no ônibus.
A música que a partir daquele momento Lucy já intitulava como a deles.
Mesmo que não existissem "eles" no mundo.
A professora adentrou a sala, retirando Lucy de seus devaneios. Foi rápida em pedir para que todos pegassem seus livros e abrissem na página correta.
Estudariam a biologia humana aquela manhã.
ㅡ Mas não podia ser outro assunto? ㅡ Lucy reclamou para si mesmo, buscando a página do livro.
ㅡ Falando sozinho? ㅡ Ryeon perguntou, inclinando-se um pouco até que tomasse para si a atenção da garota.
ㅡ São só besteiras na minha mente. ㅡ respondeu baixo.
ㅡ Tem algo diferente em você, Woojin, mas eu não sei.
A garota não queria dar bola para aquilo, mas Ryeon permanecia a olhando, e seu corpo arrepiava-se somente em notar aquilo.
ㅡ Tipo o quê? ㅡ perguntou sem olhá-lo.
ㅡ Não sei. ㅡ disse Ryeon, ainda a olhando. ㅡ Talvez o cabelo? ㅡ Tocou sutilmente os fios compridos. ㅡ estão tão bonitos... você está deixando crescer, eu gostei.
Lucy sorriu pequeno, fitando os cabelos sobre os ombros. Encarou Ryeon ainda os tocando e desviou o olhar, sentindo-se atingida por tudo nele.
ㅡ Preste atenção, ou a senhorita Hyejin irá reclamar. ㅡ pediu, voltando sua atenção para o livro.
Lucy foi prática, fazendo Ryeon soltar seus cabelos antes que ela desmaiasse ali mesmo.
Ele fez como havia sido pedido. Endireitou-se na cadeira e focou na leitura que era iniciada no momento.
Sozinha, a garota liberou o ar preso em seus pulmões. Percebia o sorriso de Jaesun logo atrás de si, não era preciso nem olhá-lo, mas ela fez questão de olhá-lo para constatar. O Kim tinha as sobrancelhas arqueadas e olhava de si para Ryeon.
Tentou não ligar, voltando para a leitura.
Precisou focar-se com almejo, até que seu pensamento tivesse focado somente no que interessava ali, o estudo.
Não podia perder-se com besteiras, sua única saída da vida que tinha era a bolsa integral em Seul, e está, ela tentaria conseguir com toda a garra.
[...]
ㅡ Você vai ficar só nessa, Jaesun? ㅡ Ryeon perguntou enquanto comia seu sanduíche de geleia de pêssego.
Não aguentava mais ver o amigo suspirar pelos cantos, completamente apaixonado por o novato, e não entendia o porquê dele não ter ido até o mesmo ainda.
ㅡ Quando você quis dar uns beijos no Kuan, você foi direto nele, não foi? ㅡ Lucy bradou, mordendo seu biscoito seco de aveia.
Odiava aquilo.
Mas segundo sua mãe, uma boa alimentação é o que faz o ser humano.
Balela, ela queria estar comendo do sanduíche de Ryeon, e se possível, com Ryeon, como a cena da dama e o vagabundo, onde dividem o espaguete.
ㅡ Ouvi meu nome?
Todos os três sentados à mesa ergueram o olhar e encontraram o rapaz parado ali.
Jaesun revirou os olhos, adorava implicar com Kuan.
ㅡ Sim, falávamos de você e como você é um saco. ㅡ brincou.
ㅡ Isso ainda é amor, não é? ㅡ Kuan sorriu, sentando-se bem ao lado do outro.
ㅡ Onde está seu namorado? ㅡ perguntou olhando-o.
ㅡ Vem já ㅡ deu de ombros, e retirou um pote com laranjas cortadas em rodelas.
Jaesun achava aquilo uma frescura.
ㅡ Olha lá, Jae, você vai perder.
Ryeon falou brincando, mas para Jaesun era mais do que sério.
Via como Sun se inclinava e ria tocando sobre o ombro de Mark.
Jaesun quis cuspir fogo.
ㅡ Será possível que ela quer todo mundo? Não é sua namorada, Ryeon?
ㅡ Ela não é nada minha não. ㅡ defendeu-se.
ㅡ Qual é a do novato? ㅡ Kuan perguntou, fitando Mark e a garota.
ㅡ Jaesun quer casar com ele. ㅡ Lucy explicou e apenas viu seu amigo assentir, ainda vidrado na cena logo à frente.
ㅡ E por que você ainda não chegou nele? Você chegou em mim quando me quis.
E novamente, Jaesun revirou os olhos.
ㅡ É diferente, Kuan. Você não é... Aquilo tudo. ㅡ suspirou novamente.
ㅡ Me senti ofendido, fique sabendo disso ㅡ falou colocando mais um pedaço de sua laranja na boca ㅡ Se eu não tivesse com o Daniel, pegava o grandão só para te desbancar.
ㅡ Eu quebrava as suas canelas. ㅡ respondeu enraivecido, fazendo Kuan apenas sorrir, não dando muita bola.
O horário de descanso seguiu assim, como sempre era. Havia falatórios, brincadeiras bobas, e até brigas.
Ryeon a todo o momento tentava falar com Lucy, e ela até tentava focar-se, mas via a boca dele, e pensava no que havia acontecido mais cedo.
Queria poder ser a garota que é, pois, com certeza estaria beijando Ryeon naquele momento, sem que a achassem repugnante ou que ele saísse correndo.
Seguiram para o tempo restante de aula, tendo enfim aulas de matemática.
Jaesun nunca havia gostado tanto de matemática como estava naquele semestre. Segundo ele, o universo enfim estava sendo bom consigo, colocando-o como o par de Kim Mark naquela matéria.
Lucy observava o jeito que seu amigo sorria torto e abaixava por diversas vezes o olhar, completamente desnorteado com o outro tão perto.
Ela achava engraçado, ver Jaesun tão determinado para algumas coisas, e tão molenga para outras.
Mas sua atenção sempre mudava, e não era para o exercício incompleto em seu caderno.
Sua atenção sempre ia para Ryeon e Sun, logo à frente.
Lucy nunca gostou muito da garota, ela era um tanto irritante, e parecia que esse sentimento só crescia a cada novo momento que ela os presenciava juntos.
ㅡ Qual a necessidade de misturar letra e número? ㅡ Daniel, o par de Lucy, reclamava olhando a equação como se fosse um monstro.
ㅡ É para complicar tudo, 'tá ligado? ㅡ Kuan, que estava logo atrás do namorado, respondeu. ㅡ Quer fugir para dar uns beijos?
ㅡ Nem ouse! ㅡ Lucy foi quem respondeu, segurando o braço do parceiro, quando este já se levantava. ㅡ Precisamos terminar isso, ou eu paro de fazer com você, e você toma um zero imenso.
O garoto quis reclamar, mas não tinha mesmo o que fazer, então bufou, voltando a encarar o caderno, enquanto Kuan reclamava mais que idoso em fila para comprar pão.
Quando todas as aulas chegaram ao fim, Lucy sentia-se um pouco aliviada.
Sentia-se bem por terminar mais um dia no colégio, mas sentia-se mal por ter que voltar para a casa.
ㅡ Eu te odeio, Jaesun. ㅡ falou, quase choramingando.
ㅡ Desculpa, mas é meu pai. Eu tenho que ir para a casa dele hoje.
ㅡ Porque os seus pais tinham que se separar justo agora?
O amigo apenas riu, abraçando-a para se despedir.
Então ela o viu ir, e seguiu sozinha até o ponto de ônibus.
ㅡ Ei, me espera!
Lucy ouviu a voz de Ryeon e o viu correndo como louco em sua direção. Não queria, mas sentiu-se bem por um instante em saber que voltaria com Ryeon.
Quem sabe não ouviam música novamente, não é?
ㅡ Não me esperou por quê? ㅡ O garoto perguntou ofegante, acompanhando os passos lentos dela.
ㅡ Porque você estava conversando com o seu par do baile, eu não queria interromper.
ㅡ Que bobagem. Mas se quer saber, nós estávamos falando justamente sobre o baile. Nós não iremos mais juntos.
ㅡ Como assim não vão? ㅡ Lucy freou os pés, tão bruscos, que fez com que Ryeon batesse em si.
O que aquilo queria dizer?
ㅡ Que eu e ela não vamos mais ㅡ disse alisando seu braço, que doía devido à batida. ㅡ Ela disse que achava que gostava de mim, mas percebeu que não gostava.
ㅡ Mas e você?
Lucy não queria, mas perguntou num impulso.
E se Ryeon gostasse da outra?
ㅡ Eu 'tô de boa, não gosto dela nesse sentido. ㅡ deu de ombros. ㅡ e ela quer o intelectual.
ㅡ Quem? ㅡ franziu o cenho novamente.
ㅡ Mark. Ela disse que acha que está apaixonada por ele, então ia tentar chamá-lo para o baile.
ㅡ Jaesun terá um troço se isso acontecer antes dele ter coragem para chegar no Kim. ㅡ respondeu negando, continuando a andar. ㅡ ele quer muito o chamar para o baile.
ㅡ Eu pensei a mesma coisa, e quer saber? Mark ainda não foi convidado pela Sun, Jae ainda tem suas chances.
ㅡ Mas nem sabemos se Mark curte homens... Jaesun poderia levar um fora.
ㅡ É um risco, não? E não precisa gostar de alguém para se ir a um lugar com a mesma. Eu, por exemplo, iria ao baile somente com você.
Isso queria dizer que Ryeon não gostava dela?
ㅡ Mas eu gosto de você. ㅡ Ryeon continuou sua frase, fazendo a garota olhá-lo.
ㅡ G-Gosta? ㅡ perguntou vendo Ryeon sorrir e assentir, e em seguida, abaixou o olhar não podendo se conter.
ㅡ Claro que gosto. Você gosta de mim também, não é, Woojin?
Lucy sentiu o arrepio que lhe subiu dos pés à cabeça. Não podia dizer a verdade, que ela gostava muito de Ryeon, tanto, que queria se tornar namorada dele um dia. Mas, ela não sabia também qual o sentido da pergunta. Ryeon poderia estar falando apenas do gostar entre "amigos".
Ledo engano.
Lucy não fazia mesmo ideia do que acontecia à sua volta.
Mas, como tudo em sua vida, ela não podia simplesmente ser ela e responder um simples: "Sim, Ryeon, eu gosto". Tinha um roteiro, um padrão para seguir.
E para não deixar com que ele soubesse de si e lhe odiasse, ela procurou a saída.
E esta, estava bem à sua frente, parando no ponto de ônibus e permitindo que o último passageiro embarcasse em si.
Lucy arregalou os olhos e apontou, fazendo com que Ryeon olhasse também.
Ambos correram, gritando e acenando para que o motorista responsável os esperasse.
E para a sorte, aquele era um dia bom.
Ambos embarcaram ofegantes, risonhos demais.
Pagaram com seus passes estudantis e caminharam até a última fileira.
Ryeon desta vez sentou-se ao lado da janela, logo buscando seu celular para pôr outra vez música. Lucy esperou ansiosa, e sorriu quando ele apenas esticou um dos lados em sua direção.
Ouviam Falling, e Lucy arrepiou-se ao lembrar-se da letra forte que Harry cantava.
Ouvia sempre que sentia seu mundo afundar. Sempre que pensamentos ruins lhe assombravam.
Fechou os olhos, navegando na imensidão nublada de sua mente empilhada de coisas ruins.
Sentiu-se amarga de imediato.
Por que tudo era tão difícil para si?
Sabia que queria chorar a cada segundo que passava, era sempre assim. Afundava seu rosto nos travesseiros brancos, e os deixava com rios cinzas e azuis, mostrando o caminho que a sua dor em forma de líquido foi expelida.
Mostrando como as marcas novas de lágrimas ficavam sobre as antigas.
Então veio o refrão que mais a tocava.
What if I'm someone I don't want around?
"E se eu for uma pessoa que não quero por perto?".
ㅡ Eu sou mesmo uma pessoa de verdade?
Perguntou baixo, em um sussurro para si mesma. Negou, sabia que não era, mas Ryeon lhe ouvia, e sem que percebesse, a observava também.
Sentia a dor nos pequenos movimentos que o rosto belo dela fazia bem, e encabulou-se, sem saber como agir.
ㅡ Eu gosto mesmo de você. ㅡ falou, fazendo Lucy suspirar e abrir os olhos lacrimejados.
A garota sorriu.
ㅡ Você não gosta, Ryeon.
Foi a única coisa que ela disse.
Pois, em seguida, se ergueu, pedindo para que o ônibus parasse, mesmo que ainda não fosse a sua parada.
Ryeon seguiu todos os movimentos com os olhos, e viu, através da janela, a garota ir.
Andava com a cabeça baixa, com seus cabelos teimosos cobrindo parte das bochechas, e suas mãos segurando as alças da mochila.
Queria ir atrás, mas não teve coragem.
Não entendeu o que havia acontecido, e nem porque quis tanto dizer aquilo, mas entendia que seu coração estava pesado, e isso era culpa apenas de Woojin.
Lucy caminhou sentindo-se tonta. Queria transcender, mas somente retrocedia.
Tomava tanto dos remédios escondidos, mas ainda continuava presa, dentro daquela carcaça na qual não se agradava nem por um segundo.
Viu o ônibus passar por si, e não quis erguer o rosto para fitar Ryeon, pois sabia que o garoto ainda estaria a olhando.
Era melhor assim, não? Ela estava se afastando.
Afastando todo o erro de perto de Ryeon.
Bufou quando sua barriga roncou. Tinha a mania de, assim que chegasse em casa, correr para trocar-se e enfim se alimentar.
Mas, por sua decisão, lá estava ela, caminhando por vinte e cinco minutos sob um sol de rachar.
Tirava a todo o instante os cabelos grudados de sua testa, mas não adiantava muito.
Viu o alívio quando dobrou a esquina de casa, tendo apenas cinco casas lhe separando de sua cama e de um delicioso prato com macarrão, mas gelou, quando viu que Ryeon estava sentado sob os degraus de cimento da entrada.
Lucy engoliu em seco, mas continuou a andar. Não podia desviar ou voltar, ele já sorria covardemente lindo para ela.
ㅡ O que aconteceu? ㅡ Ryeon perguntou, ainda distante dela.
ㅡ Não quero falar sobre, Ryeon. ㅡ apenas respondeu, parando em frente a ele. ㅡ O que você faz aqui?
ㅡ Eu disse que viria para a sua casa depois da aula, se esqueceu? Você concordou e tudo, e disse que poderíamos ficar no quintal...
Lucy fechou os olhos por breves momentos, se praguejando por ser tão descuidada. Como queria afastar Ryeon assim, se ela mesma dava ideias para que sua cabeça planejasse um tempo perfeito com direito a beijos e tudo?
Mas despertou quando seu cenho franziu, vendo como Ryeon a encarava de forma ansiosa.
ㅡ Você disse que era só à noite, não? ㅡ indagou, confusa.
Ryeon sorriu totalmente sem graça enquanto seus dedos bagunçaram os cabelos de sua nuca.
ㅡ Ok, eu só fiquei preocupado com você... vim aqui para saber de você. Saber porque saiu daquele jeito.
Lucy só deu de ombros, sequer ela saberia explicar suas decisões.
ㅡ Só me diga que está tudo bem e então irei para a casa. Só me preocupa te ver tão triste ultimamente.
ㅡ Estou bem.ㅡ disse, apertando mais as alças da mochila, ainda com o olhar de Ryeon sobre si. ㅡ você pode ir para a casa...
Ryeon suspirou, demorando-se mais, apenas lhe observando
ㅡ Tudo bem.ㅡ ele disse no fim, buscando sua mochila do chão. ㅡ Posso te falar algo antes de ir?
Lucy assentiu, percebendo o modo em como, vagarosamente, Ryeon se aproximou.
ㅡ Seu cabelo está realmente bonito. ㅡ Tocou sutilmente uma mecha fria, molhada de suor, colocando-a atrás da orelha, e deslizando sutilmente o dedo por ali. ㅡ assim como você também está.
Lucy instantaneamente corou, abaixando o olhar e fazendo com que Ryeon sorrisse de si.
ㅡ Até mais, Woojin. ㅡ disse livrando-se, caminhando à frente.
A garota o viu ir, caminhando calmamente. Olhando para trás apenas algumas vezes antes de dobrar a esquina da rua.
Queria entender como funcionava Ryeon, mas tinha a certeza que o garoto era complexo demais.
Tão completo quanto ela. Era demais para si.
[...]
Enquanto terminava de escovar os dentes, Lucy olhava como estava seu cabelo.
Havia ousado, permitindo colocar duas presilhas de cor rosa e roxa sob a mesma mecha que Ryeon havia segurado mais cedo, e havia sorrido ao perceber como ficaram bonitas ali.
Cuspiu o último filete de saliva e creme dental, e limpou sua boca, passando água por todo o rosto também.
Sentou-se em sua cama e observou as horas no celular. Ainda eram seis e quarenta, Ryeon viria às sete, e já era possível ouvir sua mãe com suas "amigas" na sala, falando se coisas importantes, como o novo carro da vizinha debaixo.
A mulher havia se mudado há pouco tempo, e trabalhava num escritório "masculino".
Que absurdo era para Sun-ha, uma mulher trabalhar em meio aos homens.
Seu lugar, segundo ela, era em casa, cuidando de um marido, e talvez de filhos, mas não vivendo de aventuras de modo livre, isso jamais.
Lucy enojava-se dos pensamentos arcaicos.
Era uma mulher muito diferente da que havia lhe dado à vida, e isso ia muito além do que apenas o gênero de nascimento.
Buscou a pequena bolsinha que guardava debaixo de sua cama, e buscou suas maquiagens ali.
Ajeitou as sobrancelhas e passou batom, o mesmo de sempre.
Atreveu-se a fazer algo nos olhos, como um delineado, mas enquanto lia as embalagens, vendo se era o de cor preta ou marrom, viu sua porta ser aberta com força, evidenciando seu pai ali.
A garota deu um salto com o impulso do susto, e fechou os pulsos, tentando esconder o que carregava, mas os olhos do homem já estavam ali, percebendo com clareza do que se tratava.
ㅡ Vim avisar que Ryeon está lá embaixo. ㅡ disse desviando o olhar para os olhos assustados da filha.
ㅡ Tudo bem, estou descendo.
O homem assentiu, virando-se para ir, mas parou na porta, ficando daquele modo por segundos afins, até que seu corpo vira e seus pés o levam até Lucy.
ㅡ Está tudo bem. ㅡ disse olhando-a de modo suave. ㅡ entende?
Lucy o encarou de início, não entendendo o que dizia. Mas viu-o apontar, fazendo-a perceber que aquela conversa se tratava da maquiagem que tinha nas mãos.
ㅡ Eu não me importo com nada disso, ainda vou te amar. ㅡ Jungso falou verdadeiro.
ㅡ Papai, o que quer dizer? ㅡ tomou o impulso de perguntar, vendo como o homem parecia aflito.
ㅡ De ser gay, eu ainda vou te amar, Woojin.
Lucy não deveria, mas riu, negando enquanto caminhava até ele para o abraçar.
ㅡ Já tivemos essa conversa antes, não foi?
ㅡ Sim, mas é só uma coisa no qual quero que saiba.
ㅡ Papai, eu não sou gay.
ㅡ Não se preocupe com sua mãe, eu converso com ela se precisar e quiser.
Lucy mais uma vez sorriu e negou, não se permitindo falar mais algo, pois sabia que não mudaria nada.
ㅡ Avise a Ryeon que estou indo, tudo bem?
ㅡ Tudo bem. ㅡ respondeu, deixando um beijo sobre a testa dela e saindo.
Lucy sempre sentia-se acolhida, quente, e feliz quando estava perto de seu pai.
Sabia que ao menos com ele, poderia contar sempre.
Desistiu do delineado, e apenas correu para passar do seu perfume doce.
Passou mais do que necessitava, mas não se importou. Ajeitou o casaco que usava e viu como ele ficava bonito junto à calça folgada e cinza que cobria suas pernas cumpridas.
Saiu saltitante de seu quarto, indo o mais depressa que podia, e encontrou Ryeon encarando a enorme árvore no centro de seu quintal e sorriu para aquilo.
ㅡ O que foi? ㅡ perguntou sentando no balanço de pneu bem abaixo do galho grande que sustentava dezenas de flores.
ㅡ Essa árvore é assustadora ㅡ respondeu, ainda olhando. ㅡ ela me lembra das árvores de filmes de terror.
ㅡ Deixa de bobagem, Ryeon. É uma árvore bonita.
Ryeon sorriu, desviando os olhos para Lucy e admirou como a pele se iluminava bem com a luz do luar.
ㅡ Eu vim te pedir desculpas. ㅡ é o que ele diz, sentando-se no chão, bem em frente a ela.
ㅡ Desculpas?
ㅡ Eu não sei o que fiz mais cedo, mas se te assustei ou magoei, eu quero dizer que foi sem intenção...
Lucy negou, não sabendo de início o que dizer.
Não queria que Ryeon se culpasse de suas bobeiras. Era ela o problema, somente ela.
ㅡ Você não fez nada ㅡ respondeu baixo, impulsionando os pés para que o balanço começasse a se mover sutilmente. ㅡ Eu só precisava respirar um pouco.
ㅡ Você quer conversar um pouco? ㅡ Ryeon tinha os olhos cravados nela. Suas pernas dobradas balançavam de leve, evidenciando o quão angustiado ele também estava.
ㅡ Eu não quero, oppa...
Ryeon apenas assentiu, permanecendo quieto ali, observando-a em suas nuances.
ㅡ Tem algo a mais para falar? ㅡ a garota perguntou se erguendo. Sentia-se envergonhada quando Ryeon lhe olhava como estava olhando aquele momento. Ele sempre parecia que buscava seus detalhes.
O Park também se ergueu, focado demais sobre o rosto dela. Aproximou-se mais, ficando apenas alguns centímetros dela e negou.
E Lucy precisou suspirar.
Por que tão próximo, e tão difícil?
Encaravam-se de uma forma tão intensa que não entendiam o porquê não se aproximavam mais. A força entre aqueles corpos era tão grande que parecia existir um enorme ímã ali, mas era somente a tensão.
ㅡ Por que eu não consigo parar de querer ficar perto de você? ㅡ Ryeon perguntou num sussurro baixo, fazendo o corpo dela tremer.
Lucy engoliu em seco, não contendo seus olhos dos lábios gordinhos do outro. Queria tanto beijá-los e senti-los mais uma vez.
Sentir como as nuvens passeiam pelo céu, assim como sua língua passeou um dia pela dele.
Mas, antes que qualquer movimento fosse feito, ou palavra fosse dita, a porta de trás foi aberta, fazendo ambos darem um sobressalto, observando quem estava ali.
ㅡ Meninos, entrem, não é bom que fiquem aqui sozinhos.
Era uma das amigas e vizinhas de Sun-ha, uma das que amava fofocas.
Ryeon sorriu brevemente para ela, não sabendo o que dizer e apenas assentiu. Lucy segurou firme o pulso de seu amigo e caminhou para dentro, passando rapidamente pelas mulheres e indo de volta para seu quarto.
ㅡ Mamãe realmente não se encaixa nisso ㅡ foi o que Ryeon disse aos risos, subindo as escadas.
A garota concordou. Com certeza a senhora Park não se encaixava naquilo.
Soltando o pulso do outro já no andar de cima, Lucy abriu a porta e passou primeiro. Ryeon já conhecia bem o lugar, não era a primeira vez dele ali, então apenas seguiu-a e fechou a porta.
A garota sentou-se sobre sua cama, dobrando as pernas e sentindo o coração pulsar. Viu Ryeon caminhar e parar a sua frente, sentando-se da mesma forma, e entrando em um absoluto silêncio.
Lucy sentia-se estranha.
Na verdade, sentia que tudo estava estranho.
Olhou para seus próprios pés, mas desviou o olhar para os de Ryeon. Seus dedos estavam encolhidos, mas brincavam uns nos outros e por vezes com o tecido azul da colcha.
Ela mordeu o lábio inferior, não sabendo o que falar ou perguntar, mas viu Ryeon se inclinar e sorrir.
ㅡ O que é aquilo? ㅡ perguntou apontando para baixo.
Lucy olhou em direção e viu que Ryeon apontava para a sua caixa de segredos. Arregalou os olhos, com medo, mas antes que dissesse algo, viu o garoto se inclinar e capturá-la com suas mãos.
ㅡ Não é nada ㅡ disse rápido, esticando-se para pegar, mas Ryeon sorriu, levando aquilo na brincadeira, e abriu-a sem ao menos se importar.
Seus olhos foram rápidos de encontro ao tecido preto e fino logo acima. Fitou o potinho transparente com pílulas coloridas, mas Lucy buscou-o e escondeu-o com rapidez. Ryeon fitou-a com o cenho franzido, mas foi levado pela curiosidade, tocou o tecido e puxou-o, erguendo e analisando.
Era um vestido.
ㅡ De quem é isso?
Lucy se desesperou, puxando-o para seu peito, a fim de esconder aquilo junto a suas pílulas.
Mas Ryeon não entendeu, e viu que como aquele vestido, havia outros naquela caixa. Puxou-os sem rumo, vendo as peças em suas mãos, analisando as saias e sutiãs.
Não sabia o que pensar, mas viu como Lucy os puxou rápido de seus braços e devolveu a caixa, fechando-a e devolvendo ao mesmo lugar.
ㅡ De quem é isso? ㅡ Ryeon não sabia nem o que pensar. ㅡ Que remédio era aquele?
ㅡ Está na hora de você ir, Ryeon ㅡ disse, ficando de pé e caminhando até a porta.
ㅡ Woojin! ㅡ Ryeon ficou de pé, e foi até onde a garota estava, mas viu o modo em como ela desviou o olhar, não querendo encarar-lhe. ㅡ O que é tudo isso?
ㅡ Ryeon, por favor...
ㅡ Você tem uma namorada, é isso?
ㅡ Claro que não...
ㅡ Então porque não me conta nada? Não confia em mim?
ㅡ Você não entenderia ㅡ respondeu baixo, engolindo o bolo que já se formava. ㅡ Por favor, vá.
ㅡ Woojin... aquilo é seu? ㅡ Ryeon tentou entender, tentou fazê-la lhe contar enquanto seus dedos iam de encontro à bochecha cor de marfim que ela tinha.
ㅡ Não ㅡ Mas Lucy negou, não suportava ouvir Ryeon a chamar daquele jeito, perguntando aquilo, doía demais porque saberia que nunca entenderia. ㅡ Não quero falar sobre isso, apenas vá embora, por favor.
ㅡ Mas...
ㅡ Apenas vá, Ryeon. ㅡ tocou-lhe no pulso outra vez, mas diferente de antes, o puxou em direção à porta. ㅡ Depois a gente se fala.
E antes que o garoto pudesse falar qualquer outra coisa, já estava do lado de fora e a porta era fechada.
Ryeon ficou por segundos perdido ali, apenas encarando a porta, sem entender nada. E do outro lado, a garota já entrava em mais uma de suas crises de choro.
Perguntava-se até quando viveria daquele modo, às escondidas e em fugas.
Até quando viveria sem ser ela mesma?
Caminhou até sua cama, com seu rosto já banhado por lágrimas. Buscou o vestido no qual foi visto por Ryeon e colocou-o sobre o corpo.
Lembrou-se de quando juntou suas economias e comprou-o às escondidas.
Não pôde provar no momento, pois disse para a vendedora que lhe atendia que seria para sua irmã mais jovem, mas assim que chegou em casa, trancou-se e vestiu-o, sentindo-se livre, enquanto estava presa no quarto.
Minutos depois chorou, do mesmo modo como fazia naquele momento. Sabia que não teria momento ou liberdade para vesti-lo, então aquele seria somente um pedaço de tecido para lembrar-lhe de tudo.
Sentiu vontade de rasgá-lo e queimá-lo, amargurada por tudo o que lhe enchia, mas juntou-o junto às saias e dobrou-os com cuidado, fungando e se lamentando, sentindo como cada um ali tinha um breve significado de momentos certos em sua vida.
Após guardá-los e devolvê-los a seu lugar escondido, ela deitou sobre a cama e cobriu-se por completo, limpando enfim as lágrimas.
Suspirava aliviada, recuperando sua respiração, mas ainda sentia sua mente turbilhonar com todas as suas dores.
Quando... Quando ela seria livre, então?
Será que algum dia?
Lucy sentia que seria mais fácil morrer, do que conseguir ser livre.