Capítulo 5 1.2 Capítulo - HEITOR

Depois de encerrar a ligação com a minha mãe e limpar a bagunça que fiz, dou a ração para meu fiel companheiro que permanece dormindo, o que não é nenhuma novidade para mim, às vezes penso que peguei um bicho preguiça ao invés de um cachorro. Sigo para o meu quarto, tomo um banho e depois ligo para o meu irmão. Apesar de Tommaso tomar conta da Vinícola da família de forma bem habilidosa, ele sempre divide conosco as decisões mais importantes.

Eu e Angelina fazemos questão de participar das reuniões importantes, levamos muito a sério o trabalho que desempenhamos na administração da vinícola. Prezamos pela qualidade do vinho e de outros produtos feitos artesanalmente. São produtos exportados para vários países, premiados por méritos de safras excelentes e cuidados em toda a sua fase de produção. Por isso, decisões sobre compra de terras, equipamentos e insumos, preferimos que fossem decisões mútuas.

Acordei cedo hoje e ajeitei algumas coisas em casa, terminei de preparar os últimos detalhes das aulas da noite que começam hoje, levei Baleia para passear no parque e aproveitei para dar uma olhada em alguns apartamentos, pois estou para me mudar, achei este muito pequeno e quero um com mais cômodo pelo menos. Decido assistir a um filme para a hora passar mais rápido, pois ainda está muito cedo para começar a me arrumar para o trabalho. Recosto-me no sofá macio e por apenas alguns segundos fecho os olhos pensando em por que diabos acordei tão cedo hoje?! É tão bom cochilar, dormir é a melhor coisa que existe, principalmente, quando se está exausto como eu.

Desperto com o pescoço meio dolorido e com o corpo meio deitado no sofá, olho para frente vendo os letreiros do final do filme passando na televisão, pego meu celular de cima da mesinha de centro, concluindo que estou atrasado para meu primeiro dia de trabalho. Porra! Sabia que não devia ter saído com Christian ontem. Christian é um colega que fiz em uma das universidade que trabalhei, quando ele ligou para irmos até um barzinho no centro da cidade, pensei em recusar o convite, mas como passei três meses na Itália fazendo curso, ele me cobrou dizendo que eu estava lhe devendo uma cerveja. Resolvi sair e acabamos conhecendo umas garotas e estendemos a noite. Fui dormir tarde e acordei muito cedo hoje, agora vou chegar atrasado no meu primeiro dia de aula no trabalho novo.

Parabéns, Heitor! Parabéns!

Tomo um banho gelado para me despertar, troco rapidamente de roupa, pego as chaves da minha Ducati, a mochila com o material da aula e sigo para universidade.

Já no campus, procuro a sala da minha primeira aula e percebo que estou meio perdido, viro para olhar o nome na porta das salas e esbarro em alguém que vinha apressada na minha na minha direção. Merda!

- Me perdoe! Eu sou um desastrado mesmo. Além de estar sempre atrasado - confesso, abaixando-me para ajudar a menina que trombou comigo e acabou derrubando todo seu material.

- Tudo bem! Sei bem como é chegar atrasada. - Ela sorri de um jeito bonito enquanto junta os materiais junto comigo.

- Eu sou Heitor - falo e estendo a mão em sua direção, sempre fui espontâneo, este é meu jeito de ser, observo a garota notando que ela também é muito simpática, além de linda, seus cabelos são longos e escuros e nas pontas há pequenas ondas que dão um charme a mais.

- Sou Fernanda. - Toca em minha mão sem cerimônia. Seus grandes olhos castanho-escuros me analisando, me deixam fascinados logo de cara. - E falando em atraso estou atrasada para minha aula. Se quiser pode ir à coordenação, eles têm alguém específico para apresentar o campus para você. Talvez, seja melhor do que você ficar perdido. - Sorrio, pois ela deve estar me confundindo com um aluno. Às vezes isso acontece, não sou de me vestir muito formalmente, o que acaba confundindo os alunos.

- Ah, eu não sou... - tento dizer.

- Merda! Desculpe, Heitor, eu realmente tenho que ir. Hoje eu vou ter aula com um professor novo de direito penal e eu detesto essa matéria, porque é chata pra caralho e eu não consigo entender absolutamente nada! - Suspira, e eu realmente quero rir da forma natural como fala. - Espero que este professor substituto seja melhor do que o que lecionava antes. Porque se for outro palerma eu estou fodida. - Abro a boca surpreso pela sua sinceridade e ao mesmo tempo deslumbrado por sua beleza e simplicidade.

- Falando em professor... - Saio do meu estado de inércia e tento contar a ela sobre o mal-entendido, porém novamente sou interrompido.

- Desculpe, mas eu realmente tenho que ir, não dá pra conversar agora. Depois da aula podemos combinar algo, caso queira, eu te mostro o campus e daí você me explica que curso está fazendo, tá bom? Até mais! - avisa, saindo rapidamente, e eu apenas sorrio achando engraçado a ventania em forma de mulher que acabou de passar por mim.

Confiro no meu cronograma a sala em que deveria dar a minha primeira aula e sigo até ela, observando os outros alunos que me olham com curiosidade.

Depois de alguns minutos perdido, finalmente encontro a respectiva sala. Entro, notando os alunos falando ao mesmo tempo, inúmeras conversas diferentes e assim que me veem ajeitando as coisas sobre a minha mesa, começam os burburinhos sobre a minha pessoa. Caminho até o quadro, pego o pincel atômico e já vou colocando meu nome e a matéria que lecionarei à turma. Volto-me para sala e para aqueles olhares curiosos e a primeira coisa que enxergo ao fundo é Fernanda. Ela ainda não me notou, está concentrada separando seus materiais e falando com uma garota da mesa ao lado, começo a me apresentar chamando a atenção de todos para mim.

- Boa noite, pessoal! Eu sou Heitor Bianchi. Novo professor de Direito penal, vou dar continuidade ao que o antigo professor estava trabalhando com vocês. Espero que apreciem a minha didática. A matéria parece chata, mas vou mostrar o quão interessante ela pode ser. - Olho para ela com semblante divertido e a primeira coisa que ouço é um Puta merda! Que sai de sua boca de forma espontânea e baixa. Fernanda me observa com uma cara totalmente sem graça, acho que agora ela se deu conta que deu uma bola fora.

Depois da apresentação que fiz sem deixar de encarar a garota que esbarrou em mim, volto à atenção ao quadro elencando os tópicos da aula. Decidindo por um debate com os alunos sobre os princípios da legalidade. Não deixo de notar que mesmo Fernanda dizendo não dominar a matéria, o quanto é inteligente e astuta. Consegue junto aos outros alunos debater de forma muito hábil sobre o assunto. Já no final da aula, assim que o sinal toca, caminho até Fernanda querendo saber se ela entendeu bem o conteúdo da matéria, o que achou da aula e da minha didática, já que direito penal, pelo que entendi não é uma das suas matérias preferidas.

- O que achou da aula, Fernanda? - pergunto, observando-a enquanto guarda seu material.

- Você explica muito bem, o jeito que trabalhou o conteúdo de hoje foi bem dinâmico e ficou fácil de entender. - Sorri, e eu retribuo.

- Que bom. Se ficar com alguma dúvida pode me procurar - aviso.

- Obrigada - agradece. Meneio com a cabeça concordando e me viro para sair, porém ela volta a falar.

- Acho que fiquei te devendo uma volta pelo campus - comenta.

- É verdade, eu já iria cobrar. Mas fiquei com medo que você fugisse, afinal, já não vai muito com a cara da minha matéria - gracejo.

- A matéria continua sendo chata. Mas agora o "Prof" parece ser legal. - Abre um sorriso matreiro.

- Estou livre na próxima aula - informo.

- Tenho uns 20 minutos de intervalo. Se quiser ir agora.

- Claro. Vamos! - Abro espaço para que ela passe.

Começamos a caminhar e ela vai me explicando sobre cada ala.

- Faz tempo que é professor? - pergunta, enquanto andamos até o outro bloco.

- Faz uns 3 ou 4 anos.

- Sempre quis ser professor? - indaga, observando-me de soslaio.

- Na verdade, sim. Eu sempre amei essa área da profissão, nunca me vi advogando. Ser professor foi uma descoberta feliz.

- Você leva muito jeito - afirma. - Aqui é o bloco de quem faz administração, arquitetura e urbanismo. - Aponta para a esquerda e eu vejo algumas maquetes em exposição, elas estão distribuídas em algumas mesas que estão encostadas na parede no canto do corredor.

- Logo ali temos o auditório - aponta para o lado direito, onde há uma porta com um placa indicando o auditório -,e mais à frente à biblioteca e depois nesse corredor à nossa frente temos os restante das salas das turmas de Direito e no final o refeitório, bom, é isso - finaliza, apontando para o lado direito, mostrando uma aconchegante biblioteca, onde há uma parede de vidro em que conseguimos ver perfeitamente várias prateleiras com livros, além de pequenas mesas, assim termina nosso tour pela faculdade.

- Obrigado, acho que agora ficarei menos perdido - confesso.

- Espero que sim, na verdade, daqui a pouco você acostuma - fala, colocando as mãos no bolso de trás do jeans.

Ouvimos o sinal tocar novamente e sorrimos um para o outro. O jeito dela me deixa encantado, e é como se depois de tanto tempo finalmente encontrasse uma mulher que realmente tenha chamado minha atenção de uma maneira diferente.

- Acho melhor voltarmos, não posso deixar a turma esperando. Mas obrigado por ter me mostrado a faculdade - digo sorrindo

- De nada, professor - assente de forma divertida a palavra professor. E voltamos para o nosso bloco.