Capítulo 7 2.2 Capítulo- HEITOR

Paro minha moto na área destinada aos professores e sigo até meu armário, pegando alguns livros didáticos que utilizo para montar minhas aulas, caminho até uma salinha na biblioteca e começo a organizar a temática das aulas de cada turma. Varro meu olhar pelo VadeMecum um livro grosso que reúne as principais leis brasileiras. Estudar direito sempre foi um sonho apesar de ter herdado a vinícola e de amar a vida na Toscana, a vontade de cursar direito sempre foi muito clara na minha cabeça.

Meu pai sempre sonhou com o dia que comandaria a empresa de vinhos da família e por um tempo achei que realmente seguiria seus passos. Depois que me formei, até voltei para perto dos meus irmãos. Porém, depois de tudo o que houve, voltar para lá era algo que me causava nostalgia e por isso optei por voltar para São Paulo. Ingressei como professor em algumas faculdades, até chegar nesta onde estou atualmente.

Termino de montar as atividades da semana e olho no meu relógio de pulso, notando que ainda resta muito tempo da minha hora atividade. Sigo até um barzinho que fica quase em frente ao campus, inclusive, ele é muito frequentado pela galera da faculdade por ser o único na região com música ao vivo e uma boa mesa de sinuca para jogar, além de ter um ambiente bem aconchegante com uma área externa feita de jardim. Sempre que tenho um tempinho sobrando, venho até aqui tomar uma cerveja e falar com Marcelo, dono do bar e um amigo que fiz assim que cheguei a São Paulo e que também me indicou a essa vaga para professor.

- Olha quem deu o ar da sua graça, é como diz o ditado: quem é vivo sempre aparece. - Marcelo passa o pano sobre o balcão enquanto me encara com um sorriso divertido. - O que vai querer, Superman?

- O de sempre, irmão - afirmo, sentando em uma das banquetas de madeira de frente para o bar que agora neste horário está vazio, geralmente começa a lotar no horário de saída dos estudantes mais para o final da noite.

- E aí, e o trabalho novo, já começou?

- Sim, há alguns dias. O reitor é uma pessoa bem solícita, aliás, obrigado por ter me indicado à vaga. - Ergo minha garrafa em sinal de agradecimento. - E Jordy e a pequena Sara como estão?

- Bem, graças a Deus! - Sorri lembrando de sua esposa e filha. - Sara está cada vez mais espoleta e Jordy, você sabe, naquela rotina intensa entre faculdade e casa. - A esposa de Marcelo também é professora, foi assim que ela me indicou a vaga nesta faculdade.

- Sei bem como é. - Dou um pequeno sorriso enquanto o observo organizar algumas garrafas de bebidas.

- Heitor, já volto, vou receber algumas mercadorias que chegaram - avisa, deixando o pano sobre a bancada e indo receber o fornecedor que chegou ao bar.

- Vai lá!

Tomo mais um gole da minha cerveja e ouço alguém chamar meu nome atrás de mim.

- Heitor? - Vejo-a me olhando surpresa. - Professor? - repete enquanto fito seus olhos castanho-escuros.

- Tudo bem, Nanda? - digo, abrindo um pequeno sorriso, não há como negar que ela é uma mulher linda. - Pode me chamar apenas de Heitor. - Pisco e seus lábios se expandem em um sorriso discreto.

- Está sem aula hoje? - indaga.

- Hoje é meu dia de hora atividade. Como já fiz tudo que tinha pra fazer, vim dar uma espairecida aqui. E você? O que faz no bar tão cedo? - pergunto curioso, já que a vejo com uma pasta em sua mão.

- Ah! Bom, eu vim falar com o gerente, preciso de um trabalho - afirma, olhando para o bar e procurando Marcelo.

- Já tentou pegar um estágio em algum escritório de advocacia? - questiono, oferecendo-lhe o banco ao seu lado para que ela se acomode. - Cerveja?

- Pode ser - confirma, volta a me olhar e eu peço para um dos atendentes que Marcelo tem lhe entregar uma garrafinha long neck.

- Já tentou ver um estágio? Pelo que conversei com os professores suas notas são excelentes, acho que pra você seria melhor - afirmo, pois já falei sobre ela com outros colegas que comprovaram com entusiasmo sua capacidade a um bom cargo em uma empresa jurídica.

- Já. Mas eles exigem experiência e eu não tenho. - Bufa irritada. - Como querem que tenhamos experiência se não nos dão oportunidade. Cambada de idiotas! - diz chateada, e eu rio.

- O quê? É que é engraçado te ver irritada e xingando meio mundo! - digo com um sorriso matreiro em meu rosto pela forma como ela é totalmente transparente.

- Ah, Heitor, é sério? - Sorri encabulada. - Eu preciso muito de um trabalho, queria muito que fosse na área de atuação que escolhi, mas está parecendo impossível. Por isso resolvi pegar no pub mesmo ou em qualquer outra coisa - declara meio sem ânimo.

- Vamos fazer o seguinte, tenho um amigo que tem um escritório de advocacia. Posso tentar ver com ele se não consegue uma vaga de estágio para você - digo, tomando um gole da minha cerveja, sabendo que alunos que estudam e trabalham o dia todo em serviços que fogem da sua área de estudo tem grandes chances de abandonar o curso.

Mais de sessenta por cento deles desistem por causa da rotina maçante de trabalhar em uma profissão que foge do currículo que estão formando. Trabalhar fora o dia inteiro, estudar a noite e não ter como comprovar as teorias ensinadas é sempre desestimulante a continuar o curso.

- Está falando sério? - indaga admirada, fitando-me com um olhar cheio de esperança.

- Claro. Dê-me um ou dois dias - afirmo, lembrando que Rick talvez possa me ajudar.

Ele é um amigo de longa data da faculdade e se tornou um advogado renomado, sempre saímos juntos, porém estamos alguns meses sem nos falarmos por conta de sua rotina e de eu ter ido para a Itália, mas ainda assim, tenho certeza de que não se negará a me ajudar caso eu peça.

- Nossa eu nem sei como agradecer, Heitor. - Levanta-se, surpreendendo-me com um abraço caloroso. Ficando poucos segundos em meus braços. A forma espontânea como age e fala me faz perceber que ela é alguém incrivelmente diferente de algumas mulheres que conheço.

- Sei que sou um velho cheiroso, mas acho que você vai perder a oportunidade de ser "azarada" por um novinho se continuar agarrada assim comigo - brinco, jogando o verde, e ela sorri.

- Primeiro, que eu detesto esses garotos da faculdade. E segundo, que você nem é tão velho - responde com divertimento.

- Humm. Então se hipoteticamente eu lhe chamasse para um jantar, você não veria problema? - indago, não sou nenhum hipócrita, percebi pelas conversas que tivemos que é solteira e se fiquei interessado nela não há empecilho para não a chamar para sair.

- Bom. Se você hipoteticamente estivesse interessado em sair comigo, eu ficaria lisonjeada. Mas isso não seria um problema? - pergunta um tanto preocupada.

- Por que você é aluna e eu professor? - concluo. Talvez isso aconteça em outras universidades, mas aqui não. Não há nenhum código de conduta que repreenda o envolvimento de professor e aluna. - Não. A faculdade não tem regras quanto a isso. - Observo seu olhar atento. - O que acha de neste sábado sairmos para jantar? - inquiro novamente.

- Hum. Eu adoraria, mas neste sábado tenho uma exposição da minha irmã. Ela é artista plástica.

- Então que tal semana que vem? - sugiro.

- Por mim perfeito - diz e levanta do banco. - Acho melhor eu ir, tenho aula daqui a pouco. Obrigada pela conversa e pela cerveja.

- Quem agradece a companhia sou eu. Vou ver com meu amigo e te ligo. Falando nisso, me passa seu telefone - peço gentilmente.

- Claro.

Trocamos nossos números, observo-a se afastar com aquele ar de matreira a me acenar ao longe. Peço mais uma cerveja. O dia pede uma comemoração. Indago-me, se o momento que tanto esperei que me libertasse de vez, fazendo-me esquecer meu passado com Valentina, finalmente chegou. Trombando em minha em minha vida, transformando-a em uma divertida ventania e de quebra, deixando-me encantado...