Pegou o desenho e desamassou. Respirou fundo e apertou o papel contra o peito. Como ela faria para ver o Adriel de novo? Será que eles sabiam o que tinha acontecido? Quem sabe não conseguiriam abrir um portal e fossem buscá-la?
Resolveu puxar o armário para onde estava o buraco para que ninguém visse aquilo e perguntasse o que aconteceu, ela não saberia responder. Depois ficou horas deitada na cama lendo o caderno dos sonhos. Era incrível que cada coisa que escreveu foi visto naquele lugar. Sorriu sozinha com as lembranças. Acabou dormindo com o caderno em cima do peito.
No dia seguinte sentiu uma cosquinha na bochecha e abriu os olhos. A mãe dela a acordava. Será que aconteceu algo com ela? Nunca foi uma mãe carinhosa e agora estava a acordando com carinhos em vez de gritos?
- Está bem?
- Sim.
- Vamos.
- Aonde?
- Pra escola, onde mais?
- Ah não! Eu ainda estou muito mal! - Cobriu a cabeça com o travesseiro.
- Você acabou de dizer que está bem, July.
- Mas eu perdi um tempo de aula!
- Não tem problema, os professores vão te ajudar. Foram só alguns meses.
July resmungou contrariada.
Ter que vestir aquele uniforme cafona de novo a fez ficar com um grande mau humor. Sem falar no grande calor que estava sentido! Já tinha se acostumado com o frescor daquele lugar, agora voltar para o forno ia ser difícil!
- Tenha um bom dia - o pai dela falou isso depois de beijar sua testa.
- Vocês estão bem? - perguntou com a testa franzida.
- Por que não estaríamos?
- Nunca foram assim comigo.
Os dois trocaram olhares e July percebeu que ficaram incomodados com o que ela disse.
- Quando chegar, vamos conversar melhor.
- Por que não conversamos agora e amanhã eu volto pra escola?
Os dois cruzaram os braços e ela suspirou.
Saiu de casa e respirou fundo, até respirar ali era mais difícil. Caminhou até a escola, que agora era bem perto e não vinte minutos de distância a pé. Praticamente se arrastou até sua turma e quando apareceu na porta, todos olharam para ela. Alguns vieram em sua direção e perguntaram se estava bem, se não ficou com sequelas.
July espantou os curiosos quando as perguntas começaram a irritar. Agora ela entendeu porque o Adriel reclamava tanto das perguntas dela! O professor entrou na turma e cumprimentou ela. No fim da aula, quando ia embora, ele pediu para que ficasse. Parou em frente à mesa do homem careca e esperou o que ele queria falar.
- Sei que está cansada e quer ir pra casa, só queria falar sobre a matéria que se acumulou.
- Eu vou repetir, não é? Perdi muito tempo.
- Não vai repetir se você se esforçar.
- Isso quer dizer estudar até morrer...
- Quer dizer estudar para conseguir nota. Você só perdeu quatro meses de aulas.
- Dá no mesmo - resmungou e o homem olhou a porta do lugar. Se alguém visse ela falando assim, poderia dar problemas.
- Controle-se! Acho que não esqueceu as regras sobre comportamento, ou esqueceu?
- Se eu tiver esquecido por causa do acidente, ninguém pode brigar comigo, não é?
July percebeu que ele segurou o sorriso.
- Melhor você ir descansar.
- Obrigada.
- Até amanhã.
Voltou para casa reclamando sozinha por ter que ficar com o nariz enfiado em livros. Quando entrou, viu seus pais parados em pé um ao lado do outro e tinham expressões suspeitas no rosto.
- Que foi?
Os dois se afastaram e ela viu um pequeno bolo de aniversário em cima da mesa. A menina se aproximou e deixou a mochila cair no chão. Se passaram dez meses desde a guerra... Era aniversário de dezessete anos dela.
Isso não podia ser bom!
- Feliz aniversário, minha filha!
A mãe dela a abraçou e depois o pai.
- Não pode ser meu aniversário! Eu perdi dez meses da minha vida?
Os dois trocaram olhares.
- Sei que ainda está tudo complicado para você, mas as coisas não pararam enquanto você estava lá - disse o pai dela e July olhou para o chão. Realmente enquanto ela estava com Adriel, o tempo não deve ter parado. Mas por que será que eles achavam que ela ficou em coma?
- Eu não quero comemorar, por favor, não me levem a mal.
- Claro que não. A gente entende.
- Obrigada. Só quero deitar na minha cama...
Ela foi para o quarto e encostou na porta. Precisava voltar para a casa de Adriel antes que começasse a aparecer homens querendo se casar com ela! Mas não fazia ideia do que fazer!
***
Os dias começaram a passar depressa. Quanto mais os dias passavam, mais aflita July ficava. Os pais dela já tinham recebido três pessoas em casa para se casar com ela e isso estava a deixando louca! Precisava agir e já!
Passou pelo corredor como uma bala e apareceu na sala com um short curtinho, que ela cortou com a tesoura. Os pais do garoto que estava se apresentando a olharam com os olhos arregalados.
- Com licença... - A mãe de July a agarrou pelos braços e a arrastou para o quarto. - O que está fazendo?
- Evitando uma tragédia!
- Aquele foi o melhor partido que encontramos até agora!
- É mesmo? E quem disse que eu ligo?
O rosto da mulher endureceu.
- Acho melhor você começar a se controlar, July. Sabe que as coisas têm que ser feitas perante a lei.
- Eu não ligo pra essa lei idiota! - falou alto.
- Fala baixo, July! - repreendeu com o rosto vermelho, a menina não soube dizer se de raiva ou vergonha. - Comece a se acostumar! E se ficar de gracinha, escolheremos o marido mais velho que chegar aqui! - Saiu do quarto batendo a porta e July sentou na cama.
Em pouco tempo começou a chorar de soluçar. Precisava fugir dali. Como se casaria com alguém depois de encontrar o Adriel? Se antes já era ruim, agora ficou pior ainda.
***
Entrou em casa depois de mais um tedioso dia de aula. Ao passar pela sala, ficou paralisada olhando sua mãe e um homem. Estava sozinha com ele. A mulher sorriu ao ver July e o homem a olhou também. July arregalou os olhos ao ver o médico que cuidou dela. Ele sorriu ao vê-la e a olhou de cima para baixo. July estava com a roupa da escola e um pouco descabelada, mas tinha a boina na cabeça. Não encontrou reação para aquela cena que presenciava. No fundo ouvia sua mãe dizer que era o melhor partido que tinha entrado naquela casa, mas parecia até sonho. As vozes pareciam estar baixas, como se fosse um rádio tocando no volume baixo.
Saiu do transe quando o homem parou na frente dela.
- Até mais, July.
Não respondeu, pois estava chocada demais para isso. Viu sua mãe se aproximar com um largo sorriso e revirou os olhos.
- É ele!
- E se eu não quiser?
- Você não tem que querer!
July bufou estressada. Jane passou a mão no cabelo dela e tirou a boina de sua cabeça. Ela analisou a garota.
- Que é?
- Seu cabelo está muito grande - falou apontando para o cabelo que batia na altura do cotovelo. - Vamos cortar.
Quando ela falou isso, a memória de Adriel colocando o cabelo dela atrás da orelha veio sem que pudesse evitar.
- Não vai cortar nada!
- July não piora as coisas!
- Eu não quero cortar o meu cabelo por causa de um cara que nem conheço! Não quero me casar com ele e viver, comer e dormir com uma pessoa que nem sei o caráter!
- Pare de falar besteiras, July!
- Eu me nego.
- Você não pode fazer isso. Quem escolhe somos eu e seu pai.
- Mas a vida é minha!
Jane segurou o braço dela com força.
- Pare de pedir para morrer, July! Você sabe que quando faz dezessete tem que se casar com alguém!
- Eu não quero mãe...
A mulher soltou o braço dela ao ver seus olhos cheios de lágrimas.
- Eu não quero...
- Eu sei que está assustada, July, mas estamos fazendo isso para te proteger. Se não fosse essa lei, você não se casaria tão cedo.
July fechou os olhos e as lágrimas escorreram pelo seu rosto.
- Vem cá.
Quando sentiu os braços de sua mãe em volta de sua cintura, chorou mais ainda. Nunca tinha acontecido isso antes e a mãe dela nunca conversou com ela sobre nada. Absolutamente nada!
- Estou escolhendo-o porque conheço e sei que vai te tratar bem. Entendeu?
July concordou.
- Confie em mim. Ele é o melhor de todos.
Não tinha muita opção mesmo, não é?
***
Alguns dias se passaram e o médico sempre visitava July depois do trabalho. Isso também era uma regra. O homem que quisesse se casar, deveria cortejar a garota até que firmasse o compromisso.
July estava sentada na varanda da casa com um grande bico. Ele chegaria a qualquer momento. Viu ele aparecer e revirou os olhos. Podia falhar pelo menos um dia, não é? Assim teria desculpa para falar que era ruim!
- Olá.
- Oi - respondeu emburrada.
- Não precisa ficar com raiva de mim.
- Não tenho raiva de você, só dessa situação.
- Você não tem travas na língua mesmo, não é? Por isso gostei de você.
Ela levantou o olhar que estava em seus pés e o encarou. O homem sorriu de lado.
- Já posso entrar?
Ele deu uma risadinha.
- Não. Vou te levar para sair hoje.
- Fala sério... - resmungou.
- Ande logo! - Agarrou o pulso dela e fez com que levantasse da cadeira.
- Não me apresse! Não gosto disso.
- Quanto mais rápido formos, mais rápido você volta.
July ficou pensativa.
- Aonde vamos? - perguntou já indo na frente dele e escutou sua risada.
- Vou te levar para conhecer meus pais.
Ela parou de andar na mesma hora e olhou para trás.
- Você está indo rápido demais!
- Pra que demorar tanto? - Ele deu de ombros.
- Não gosto que fiquem me pressionando...
- Olha eu sei que tudo isso deve ser horrível pra você. Tão nova e tendo que se casar. Mas eu estou disposto a te fazer feliz.
- Por que acha que consegue? - July riu.
- Muitas meninas queriam estar no seu lugar, sabia?
- Ótimo! Ainda por cima é convencido! - Revirou os olhos e o homem deu uma gargalhada alta.
- Vamos, eles estão esperando a gente.
- Droga! - reclamou e foi com ele.
Quando chegaram na casa dele, July ficou um pouco mais tensa do que já estava. A casa era imensa e muito bem arrumada. Olhou o loiro e ele sorriu. Entraram no lugar e ela reparou tudo. Tanta gente passando fome e eles com estátuas de ouro? Jura? Agora que não queria casamento mesmo!
- Olá! Bem-vinda! - Um homem baixinho e gorducho se aproximou e abraçou July.
Ela franziu a testa e olhou para o médico. Ele fez sinal para ela abraçar de volta e ela deu um leve tapa no ombro do homem.
- Meu nome é Augustin! É um prazer receber uma menina tão bonita como você!
July sorriu sem graça.
- Pena que eu já sou casado... - sussurrou para ela, que ergueu uma das sobrancelhas.
- Pai!
O homem deu uma risadinha.
- É brincadeira, filho! Entre! Minha esposa espera ansiosa.
Os dois seguiram o homem e entraram em um lugar bem grande com uma mesa lotada de comida. Logo uma mulher magra e bem vestida se aproximou dela. Usava um vestido extravagante até os pés e um salto alto enorme. Aparentava ter uns quarenta anos.
- Bem-vinda, querida! Estamos muito felizes em conhecer você.
- Obrigada.
- Sente-se. - Apontou para a cadeira e July seguiu até lá. - Anthony me disse que você era muito bonita, mas achei que estava exagerando.
- Talvez estivesse mesmo...
Os dois riram e July olhou o loiro, que sorria.
- Não, ele tem toda a razão.
July sentiu as bochechas esquentarem e desviou o olhar.
- Ela é tão fofa!