Saiu de casa e caminhou lentamente pela rua indo à biblioteca. Quando chegou lá, deu os nomes dos livros que precisava para a recepcionista e ficou esperando ela buscar. Enquanto esperava, viu uma movimentação esquisita do lado de fora. Franziu a testa e foi até a porta para ver o que era. Várias pessoas corriam fugindo de algo, mas não conseguiu ver o que. Ficou na ponta dos pés e então viu carros luxuosíssimos subindo a rua. Aquela com certeza não era uma cena normal para aquela cidade!
Viu vários carros passando e entre eles um de cor diferente. Arregalou os olhos ao ver quem estava dentro desse carro. O criador das regras, o imbecil sem piedade, o motivo de sua infelicidade. Fechou as mãos com força e trincou os dentes. Virou para trás com pressa ao sentir algo em seu ombro.
- Minha nossa! - a mulher disse depois de ver o que July estava vendo. Ela tocou o ombro da menina para chamar sua atenção, mas não tinha visto nada.
- O diabo em pessoa.
A mulher agarrou July pelo braço e a tirou da porta.
- Cuidado, menina! Não fale esse tipo de coisa! Ainda mais com ele aqui! Ouvi falar que viria à cidade esse ano, mas achei que eram rumores.
- O que ele faz aqui?
- Está atrás das meninas que não se casaram. Todo ano ele vai em determinadas cidades e em cada casa se certificar disso. As que não estão casadas, vão com ele e as que não tem pais também.
July engoliu em seco.
- Era só o que faltava... - sussurrou com desespero.
- Quantos anos tem, menina?
- Dezessete.
A mulher a olhou com pena.
- Já tem marido?
- Acabei de fazer aniversário, mas já tenho um pretendente. Só falta marcar a data.
- Melhor fazer isso logo.
July fechou os olhos e apertou as mãos com força, como se aquilo fosse fazer ela acordar daquele pesadelo.
- Tome seus livros. Vá pra casa. Vai dar tudo certo - falou com as mãos nos ombros dela.
July voltou para casa com certa pressa. Quando entrou, foi recebida com um abraço apertado.
- Onde você estava?
- Fui buscar os livros para estudar...
A mãe dela olhou em suas mãos. July olhou ao redor e viu seu pai e Anthony sentados no sofá.
- Kirovs...
- Eu sei - interrompeu. - Vi ele.
Os três ficaram surpresos.
- Maldita hora para escolher essa cidade!
- July!
A menina passou a mão nos cabelos fazendo eles ficarem revoltos.
- Anthony veio marcar a data antes que ele passe por aqui.
July revirou os olhos e se sentou no sofá. Agora a coisa era pior. Ou se casava com ele, ou poderia ser obrigada a ir com Kirovs sabe-se lá para onde e para que.
- Quando vocês acham que é o melhor?
- O mais rápido possível. Não quero que leve minha filha.
- Semana que vem?
July cobriu o rosto com as mãos.
- Sim. Quanto mais rápido melhor.
- Tudo bem. - Olhou July, que encarava o chão com um grande bico. - Quarta-feira está bom pra vocês?
- Perfeito - respondeu o pai dela.
- Nos vemos na quarta então - falou olhando July.
Jane o acompanhou até a porta e ele foi embora.
- Sinto muito, mas assim é melhor, você tem que entender, minha filha.
- Tudo bem - disse em um sussurro e os dois trocaram olhares.
- Você está bem?
July concordou com a cabeça, mas era óbvio que não.
- Melhor descansar um pouco.
- Sim. - Levantou e seguiu para o quarto. Quando lá dentro, percebeu que ele estava vazio, mas não pôde olhar debaixo da cama, pois sua mãe estava atrás dela.
- July... Sabe que se você se casar com ele, não vai salvar só você, não é?
- Como assim?
- Se você se mostrar rebelde perante aquele homem, pode mandar matar todos nós. Então, por favor, se controle.
- Tudo bem.
A mulher beijou a testa dela e saiu do quarto fechando a porta.
July se jogou na cama e agarrou o travesseiro com força. Em pouco tempo sentiu braços fortes a envolver, mas continuou chorando na mesma posição. Adriel tinha o rosto enfiado nos cabelos dela e fazia carinho em sua cintura. A garota estava deitada de costas para ele.
- Olha pra mim, pequena.
July soluçou e olhou.
- Vai dar tudo certo.
- Como? Você ouviu o que eles disseram?
- Sim. Você se casa em uma semana.
July olhou o teto.
- Como é esse casamento?
- Vamos em um lugar, assinamos um papel e eu tenho que morar com ele.
- Nossa!
- Nossa...
- Mesmo que você tenha que ir pra casa dele, a gente ainda pode dar um jeito nisso.
- Como? - perguntou entrando em desespero de novo. - Eu não quero morar com ele! Não quero viver com ele! Não quero ver a cara dele e não quero dormir com ele!
Depois que ela falou isso, ele ficou em silêncio um bom tempo. Absorvia o que ouviu.
- Dormir...? - perguntou em um sussurro.
- Sim.
- Isso é melhor do que ter que fazer coisas a mais com ele, não é?
- Quando eu disse dormir, quis dizer exatamente o que você está falando agora. Só não quis falar descaradamente.
Adriel engoliu em seco. Ele sentou na cama com certa pressa. Agora que ela disse isso, tinham que correr contra o tempo. Até porque se ela fosse morar na casa dele, como faria para ficar perto dela?
- July você pode abrir o portal.
- Eu não posso...
- Pode sim! Você também faz magia!
- Mas eu não posso...
- Não pode ou não quer?
Ela sentou na cama de frente para ele.
- Se eu descobrir como fazer para abrir, o que acontece com meus pais?
- Quer ficar aqui por eles? - perguntou com o semblante triste.
- Não quero ficar aqui, mas também não posso deixá-los! Vão morrer!
- Eu entendo. - Se aproximou e segurou a nuca dela, puxando para perto e fez com que encostasse a testa na dele. - O que você achar melhor eu apoio.
- Não tem melhor, Adriel! Estou com a corda enrolada no pescoço! Não quero ficar nesse lugar horrível, mas também não posso ir embora sabendo que isso provocaria a morte dos meus pais!
- Então você se casa com ele e depois nós vamos embora.
- Mas...
- Sei que vai arrumar um jeito de abrir o portal.
- Vou ter que descobrir isso para poder ir na própria quarta.
- Tem pouco tempo.
- Eu sei, mas eu preciso! - falou com desespero.
- Por que?
July apertou o braço dele com força.
- A noite de núpcias é no mesmo dia do casamento!
Adriel arregalou os olhos e depois mordeu o lábio com tanta força que July viu sangue pingar.
- Para com isso! Olha o que você fez... - Se afastou e pegou uma camiseta no armário. Logo limpou a boca cortada dele com o pano. Teve que ficar pressionando um pouco para parar de sair sangue e o obrigou a ficar de boca fechada esperando.
Percebeu que o sangue parou e observou o lábio dele por um momento. Ele deve ter ficado com muita raiva para fazer aquilo.
- Me ajuda a pensar... O que tem que ser feito para abrir o portal? Viu o que as fadas fizeram?
- Elas usaram um desejo.
July deixou os ombros caírem.
- Eu desejei muito um portal e ele não abriu!
- Talvez seu desejo não tenha sido forte o suficiente.
July ficou pensativa. Ele tem razão. Desejou o portal para fugir daquele mundo. Talvez não tenha a ver com fuga e sim algo maior.
- Que desejo usaram para você vir?
- O meu.
- Qual foi?
- Ver com meus olhos que você estava bem.
- Além do desejo, o que mais fizeram?
- Uma magia, mas não entendo disso.
July suspirou.
- Eu vou descobrir e a gente vai embora! Quem disse que eu posso abrir portais?
- Malfin. Ele disse que foi você que abriu daquela vez que fomos pra lá. Eu sei que o portal se abre quando deseja, mas agora está diferente, aquele cara fez alguma coisa. Por isso você não conseguiu abrir só pedindo.
- Hum... Mas acho que sei porque meus desejos não eram o suficiente.
- Por que?
- Queria que abrisse para não ficar aqui. Principalmente quando vi o bolo de aniversário em cima da mesa. Estava morrendo de medo.
Adriel não falou nada, só ficou observando-a, que brincava com os dedos enquanto contava porque queria ir para o mundo dele.
- Não pensou nenhuma vez em mim?
- Todos os dias, mas isso também não foi suficiente. Tenho que descobrir o que será.
- Sem pressão, mas descubra rápido!
- Tenho uma semana, é realmente sem pressão - falou irônica. Os dois riram e Adriel deslizou a mão na coxa dela. Ele levantou os olhos para olhar o rosto de July e ela olhava a mão dele passear em sua coxa.
- July, àquela hora eu não quis dizer que não quero fazer aquilo com você. Eu quero...
A menina ficou vermelha e ele sorriu.
- Só não acho que é o momento certo pra isso, você entende?
- Está tudo bem. Eu entendo. Só não sabia que vocês tinham essas coisas...
- Que coisas? - Franziu a testa.
- De esperar o momento, a hora certa. Essas coisas.
- Acha que somos muito diferentes dos humanos nessa parte? - perguntou com uma sobrancelha levantada.
- Me diga você.
- Tem gente que sai por aí com várias pessoas diferentes e isso deu no que deu para o nascimento ser modificado.
- Por causa das raças diferentes e abandono.
- Sim.
- Você é como esses?
- Não.
- Mas já ficou com alguém dessa forma, não é?
Adriel tentou morder o lábio e fez uma careta de dor.
- Foi com aquela menina?
- July, não vamos falar disso.
- Eu quero falar disso - falou de maneira dura.
- Tudo bem. Foi.
- Só ela?
- Sim e me arrependi no mesmo momento.
July cerrou os olhos e ele sorriu.
- Se você tiver um filho com ela?
- Claro que não!
- Como sabe que não?
- Não tem como saber...
Ela se aproximou bastante do rosto dele e percebeu que engoliu em seco.
- E se eu achar?
- Como acharia?
- Quanto tempo tem que isso aconteceu?
- Cerca de dois anos.
- Ok... - Se afastou dele e ficou encarando a parede com os olhos cerrados.
- July eu não tenho filho com ela.
- Tem como você saber quando engravidou alguém?
- Não... Acho que não. Mas ela saberia.
- Safira disse que nem sempre sabem. - O olhou sugestiva.
- Vamos parar de falar disso, está me assustando.
- Medo da paternidade? - perguntou, cínica.
- Não. Medo de você e seus ciúmes...
Os dois ficaram se olhando em silêncio. July tinha a cara amarrada e um grande bico e Adriel sorria.
- Vamos pensar no portal agora? - perguntou e deu um selinho nela.
- Claro, mas não vou esquecer isso.
Adriel revirou os olhos.
- Tem alguém vindo. - Correu para debaixo da cama.
Em pouco tempo a mãe de July entrou no quarto. Ela se aproximou da cama e parou ao lado de July. Adriel viu os sapatos dela bem próximos ao seu rosto.
- Que foi?
- Tenho que dar um jeito em você.
- Como assim?
- Ele vai vir qualquer dia e você precisa estar bem.
- Estou ótima!
- Eu preciso cortar o seu cabelo.
- Não!
- July...
- Não! Que droga! Eu não vou cortar meu cabelo! - falou nervosa.
- Está muito grande. - Pegou uma mecha de cabelo dela.
July pulou da cama e se afastou.
- Não vai cortar nada!
- July para de ser teimosa! - Se aproximou dela com a tesoura na mão.
- Fica longe de mim! - falou alto.
- Acho que depois do acidente você ficou pior do que antes!
- Então fica longe! - Agora as duas estavam aos berros uma com a outra.
- Para com isso agora!
July bateu as costas na parede ao lado do armário. Estava andando de costas fugindo da tesoura.
- Não toca no meu cabelo... - disse empurrando as mãos da mãe para longe, mas ela continuava insistindo.
- Eu vou cortar de qualquer jeito. Então para de ser mexer que vai ser melhor.
- Não... Para! - Se esquivou de todas as formas possíveis e começou a deslizar pela parede. Em pouco tempo estava sentada no chão e continuava empurrando as mãos da mãe para longe. Não usava muita força com medo de jogar sua mãe longe.
- Assim vai ficar torto!
- Me deixa em paz... - pediu chorando, mas não parou de empurrar as mãos dela.
Adriel apertou as mãos com força e respirou fundo para não sair debaixo da cama e tirar aquela mulher de cima de July.
Jane empurrou a mão de July com força e ela bateu na parede. July sentiu a mão formigar e então encostou a mão com os dedos abertos na parede. O que era aquilo? Ela segurou o pulso da mãe quando ia cortar uma mecha do cabelo.
- July eu estou perdendo a paciência!
A campainha tocou e Jane respirou fundo. July fechou os olhos e suspirou, relaxando o corpo que estava todo tenso. A mulher levantou do chão e arrumou a roupa que estava amassada de July segurar com força.
- Volto depois e acho bom você deixar eu fazer isso!
- Não mesmo!
Jane a encarou séria, mas não falou nada. Ela saiu do quarto para atender a porta. July encostou a cabeça na parede e olhou para debaixo da cama. Adriel a olhava com as mãos apertadas. July levantou a cabeça e olhou para a parede. O que será que foi aquilo afinal? Passou a mão na parede e de novo sentiu formigar os dedos. Franziu a testa e depois arregalou os olhos.
O buraco!
Encostou na parede do outro lado e começou a empurrar o armário fazendo força com as pernas. Adriel ficou confuso. Queria sair dali debaixo, mas sabia que a mãe dela ia voltar a qualquer momento. July empurrou o armário até que conseguiu ver o buraco que fez no dia que jogou o desenho de Adriel na parede. Ela se aproximou e tocou a parede perto do buraco. Sentiu as mãos formigarem mais forte ainda. Se aproximou e olhou através dele. Em vez de ver o lado de fora da casa, via o gramado da terra de Adriel. Ela sorriu. Talvez o portal estivesse aberto ali, mas como passariam naquele buraquinho?
Ouviu passos e se apressou em cobrir o buraco com o armário de novo. Em pouco tempo a mãe dela estava no quarto e a encarava.
- Prenda esse cabelo e venha até a sala.
- Pra que?
- Sem perguntas! - Saiu do quarto batendo a porta.