Crescer ouvindo que você é uma aberração inútil tem suas vantagens. Uma delas é se contentar com tudo como se fosse algo maravilhoso.
Esse quarto apertado, o trabalho árduo, esse carinho elétrico vibrando dentro de mim, me levando á um ápice de segundos que logo me traria de volta á monotonia de uma vida sozinha e sem graça.
Deixei o objeto cair entre minhas pernas abertas. Ofegante e suada, virei a cabeça para a iluminação pobre que vinha da cerca viva que refletia a luz no lago, muitas interrupções até a luz direta, era o momento de melancolia intensa depois do orgasmo. Algo se remexeu perto do meu pescoço, eu sorri enquanto tentava tirar Alexa do emaranhado de cabelo. Ela esfregou o nariz com as patinhas, a coisa mais fofa que já vi na vida.
- Se fosse você, também não esperaria grandes coisas de mim.
Um som riscado chamou minha atenção para a porta, me levantei pegando o pequeno envelope. Dentro, em letras longas e finas havia uma única instrução.
"Na minha sala o quanto antes."
Além dessas palavras não havia nada, como se eu fosse uma adivinha. Bufei e revirei os olhos, essa escola ia me enlouquecer e ainda nem havia alunos.
Depois de um banho e de me vestir, saí para o corredor,Jones se aproximava com um sorriso forçado que chegava a doer, o latido da cadela fez Alexa se aninhar mais entre meus seios.
- Bom dia, David.
- Bom, não pegou seu carrinho ainda?
- Ainda não, recebi esse bilhete - mostrei ao zelador o papel e ele torceu o nariz - sabe de quem é essa grafia?
- Prescott. Mas posso ir no seu lugar, ele deve estar precisando de alguém para polir suas varinhas de prata.
Recusei, a sala de encantamentos ficava perto e o bilhete me deixou curiosa. Há dias eu estava me perguntando porque o professor mais importante da escola mantinha sua sala no porão, toda aquela madeira circulando as paredes, janelas pequenas no topo.
Subi as escadas da masmorra para o porao, abri a porta e espiei dentro, Prescott se virou para mim com a testa franzida, em reprovação. Levantei o bilhete para ele.
- Devia assinar.
- Não achei necessário já que meu nome estava no envelope.
Virei com atenção vendo a marca dágua bem nítida na parte de trás do envelope.
- Ah, eu não olhei. Desculpe.
- Na próxima vez bata antes de entrar.
Mais uma vergonha e eu pediria demissão, o pensamento fez meu estomago revirar. Apesar de tudo, Cramburg foi o único lugar que me contratou e eu precisava pagar minha dívida antes que acabasse na forca.
O professor fez sinal para que eu entrasse e apontou a varinha dourada, fechando a porta sem nenhum encantamento.
- Em que posso ajudá-lo?
- Sente-se, Lacey.
Essa era a primeira vez que ele falava com a voz mansa, mesmo que ainda evitasse olhar para mim, eu era esperta o suficiente para saber que quando pedem para você sentar é porque o assunto não é nada fácil.
- Fiz algo errado, professor?
Ele não respondeu de imediato, fiz o que ele pediu, a carteira não era tão pequena quanto parecia, o que era justo visto que alguns alunos adolescentes eram maiores do que eu. Senti uma apreensão repentina, Prescott não parecia o tipo que eu gostaria de irritar.
- Eu vou ser direto com minhas perguntas e espero que você faça o mesmo com as respostas - ele fechou o sueter fino que usava sobre a camisa, abraçando o próprio corpo.
Eu estava apenas com o vestido preto com renda branca e avental e já estava com calor, um uniforme nada prático. Imaginei que talvez ele escondesse algo grotesco com aquelas roupas, um corpo queimado ou uma grave doença de pele. Ele pareceu impaciente.
- Sim, senhor - respondi imediatamente.
- O que fez com sua carta de admissão em Cramburg?
- O que? - eu ri fraco, surpresa com a pergunta.
- Respostas diretas.
- Eu não recebi uma carta.
Ele pegou uma folha dobrada em três, um brasão dourado podia ser visto na parte de trás do papel azul claro.
- Foi emitida em julho de 1.879 - levantou os olhos para mim depois de ler - eu verifiquei.
Havia algo incômodo em estar sentada em uma carteira escolar olhando de baixo um professor rígido em pé na minha frente, me senti ainda menor e insignificante.
- Eu não sei onde quer chegar, mas está enganado. Eu sou...
- Um braçal?
- Sim, senhor.
- Venha até aqui.
Eu estava confusa e até com um pouco de medo, não era algo comum e realmente me incomodava não saber o que estava acontecendo.
Me levantei seguindo até a frente da sala, fiquei aliviada mas ainda longe de me igualar a ele. Prescott pegou um estojo comprido e escuro e o abriu tirando uma varinha comprida e cobreada de dentro dele.
- Pra que isso?
- Sabe como segurar? - Prescott me ofereceu, eu peguei com cuidado, usando as duas mãos ao longo do objeto antes de segurar a empunhadura de couro, era mais confortável do que eu imaginava.
Ele pegou um globo de vidro pequeno e o levou até a carteira onde eu havia me sentado pouco antes.
- Está perdendo seu tempo, professor. Eu até entendo sua ambição de ensinar mas logo os alunos estarão de volta, você ficará bem ocupado.
- Você só vai sair daqui quando terminarmos, sugiro que faça o que eu mandar - ele não estava sendo tão rude como nos outros dias.
- Estou de castigo? - eu ri mas sua expressão séria e bruta logo fez eu me arrepender da brincadeira.
Prescott parou atrás de mim, um choque irradiou da minha lombar onde ele apoiou a mão, percorrendo toda minha espinha em direção á nuca, fazendo meus pelos se arrepiarem, olhei brevemente por cima do ombro mas com sua proximidade era impossível ver mais que a capa escura.
- Faça o que eu pedir. A palavra que vem antes é aluc...
- Aluc.
- Espere.
Um lampejo branco brilhando partiu da varinha em minhas mãos, iluminando toda a sala, objetos voaram de todo lugar em nossa direção, desde pequenos cristais até cadeiras pesadas, eu fiquei apavorada, me virei afundando o rosto no peito do homem atrás de mim, ele abraçou meu corpo colocando as mãos sobre minha cabeça, como se tivesse intenção de proteger e colocou seu rosto no topo. Fiquei assim até que o barulho cessasse. e ele começou a me soltar devagar. O choque maior não vinha da bagunça que provavelmente eu teria que arrumar ou da dor no meu joelho onde algo pesado me atingiu, mas eu havia usado magia.
Magia de verdade, senti a vibração saindo de mim, percorrendo meu corpo e canalizando completamente na varinha. Levantei o rosto para o professor, havia um corte pequeno na parte mais alta da sua bochecha, em torno ficando roxo rapidamente. Levantei a varinha para ele.
- Desculpe, eu quebrei.
***
Ponto de Vista Charles Prescott.
Abaixei os olhos, passar pela distração de seus seios subindo e descendo com a respiração pesada não foi fácil mas consegui chegar em suas mãos. Peguei a varinha e a levantei contra a luz, estava rachada a partir da base, os fios de cobre no núcleo escapava em fios brilhantes.
Seria difícil controlar Angelique. Todo poder que ela tinha, bloqueado por anos, explodiria com muita facilidade.
- Vamos avançar mais devagar - ela assentiu, parecia assustada, como a coelha que espiava por cima do tecido em seu busto - vai precisar de outra varinha, sugiro prata ou ouro, é mais resistente.
Tirei uma folha comprida da gaveta e entreguei á ela. Lacey olhou por um longo tempo para a lista em suas mãos.
- Isso é,,,
- Lista de materiais, do primeiro ao terceiro ano. Pode conseguí-los no centro ou em Semset, há algumas lojas esotéricas para braçais e humanos, fique longe dessas, precisa de mateial legítimo.
- Não posso aceitar suas aulas - Angelique colocou a lista em minha mesa, cuiidando para que ficasse perfeitamente alinhada.
- Você é uma maga que passou a vida acreditando o contrário, agora estou te dando a oportunidade única de aprender comigo, um dos mais poderosos magos da atualidade e você recusa?
Talvez ela não percebesse como isso me insultava, seus olhos se abaixaram mais, os segui até seus sapatos, couro legitimo, costuras decorativas feitas á mão, amarras finas e resistentes. Um belo sapato de grife mas estava gasto, manchado e velho.
- Sinto muito, professor. Como eu disse, não posso aceitar.
- Pensei em fazer uma troca - ela me olhou com curiosidade genuina - eu ensino magia á você todos os dias depois do expediente e você coloca seus serviços á minha disposição, copa e limpeza.
- Além do meu trabalho para Cramburg, eu teria que te servir pessoalmente? - sua pergunta era carregada de indignação.
- Sim, pense em algo como uma dama de companhia - tentei manter a voz sutil para não constrangê-la.
- Está mais para serviçal. Uma criada.
Lacey era astuta e ousada, seu temperamento seria difícil quebrar mas eu poderia fazê-lo. Ela pensou por um tempo.
- Os livros são caros, quanto tempo terei para comprá-los?
Ela estendeu a mão para a folha, mas eu a peguei antes.
- Consiga a varinha, o restante deve ter na escola. Não vai ser de primeira linha, mas vai servir.
- Está bem, volto amanhã?
- Depois do expediente.
Seu sorriso se abriu, por mais que ela tentasse esconder, Angelique saiu da sala com um andar confiante. Não importa o que Arthur tinha em mente, meus olhares para ela jamais seriam paternais, não com todas aquelas curvas volumosas.
Mais uma vez, segui para a sala do diretor, o segredo não mostrou resistencia ao toque da minha varinha, mas ao subir encontrei a sala vazia, o ármario de memórias ficava aberto. Não hesitei em tirar não um mas três cristais impregnados com as lembranças de Lacey.
A primeira era curta mas o suficiente para me causar pavor.