A Criada
img img A Criada img Capítulo 5 Memórias Dolorosas
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Capítulo 6 Indo Ás Compras img
Capítulo 7 Aulas Dinâmicas img
Capítulo 8 Festa Na Mansão img
Capítulo 9 Cristal Misterioso img
Capítulo 10 Corrigindo Poções img
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Capítulo 5 Memórias Dolorosas

Ponto de Vista Charles Prescott

As memórias de uma infância nem sempre fazem muito sentido, descobri isso vendo móveis que pareciam grandes demais e quadros com cores que não combinavam, tudo muito distorcido e visto da visão dela, uma forma incômoda de ver algo. Precisei passar por esses obstáculos para entender que a velocidade que o grande corredor passava era apenas Angelique, aos seis anos de idade, andando de triciclo pela casa, tenho que admitir que era bem corajosa, fazendo curvas rápidas sem se importar com o que encontraria ao dobrar a esquina.

Seu riso sendo o único som em um casarão vazio, um corredor seguido do outro até ser interrompida por alguém que parou no caminho.

A menina apoiou os pés no chão, derrapando no tapete grosso que enrugou em grandes ondas, o triciclo tombou fazendo-a cair, seu bico de choro foi de partir o coração. No joelho, uma marca vermelha que apareceu nítida.

- Seu pai está morto – a voz forte e sem emoção da mulher esguia quase se comparava a minha.

Lacey levantou os olhos para a mulher que não expressava nenhuma emoção.

- Ele volta quando? - a voz confusa já estava chorosa. Ela entendeu as palavras, mas não sabia o peso delas,

- Eu disse que está morto, ele não vai voltar - a mulher apontou a varinha de barro, provavelmente a magia nela era rasa ou não aguentaria um equipamento tão frágil, para o triciclo e o levitou pela janela do corredor até o lado de fora - sou sua tutora, agora. Acredito que isso não deixa nenhuma de nós feliz.

Angelique correu para a janela, no gramado abaixo havia uma pilha com brinquedos pegando fogo onde o triciclo pousou.

A menina começou a chorar copiosamente.

- Algumas coisas vão mudar por aqui a partir desse momento. Primeiro, nada de brinquedos barulhentos ou que danifiquem a mobília. Segundo, você fica fora da minha vista durante o dia e engole o choro a noite. Eu não vou lhe dar beijos de boa noite ou arrumar sua cama pela manhã, você está sozinha agora.

- Quando eu for pra Cambug você vai ver.

- É Cramburg e você não vai - a mulher se abaixou, deixando o nariz quase encostado no rosto da menina - você, Angelique. É um braçal, pior que um humano, nasceu em uma família magica, mas sem um pingo de mana. Um peso sem magia alguma que eu vou ter que carregar.

Ela se afastou, Lacey se sentou no chão cutucando um joelho ralado, seu sentimento era confuso, mesmo chorando baixinho o luto não atingiu como deveria, imaginei que pela pouca idade. Eu quis pegá-la no colo e dizer que ela cresceria, se tornaria uma bela mulher e que teria eu para lhe ensinar sobre seu mana.

Retirei o cristal da testa e peguei o seguinte colocando no lugar, dessa vez eu queria uma experiência diferente, ao invés de fechar os olhos, olhei fixamente para o centro do cristal, fui transportado para a lembrança, mostrava Lacey um pouco mais velha, dez anos talvez, estava magra e tinha hematomas pelos braços e joelhos.

Ela estava ajoelhada, esfregando o piso com uma escova e um balde cheio de sabão. Ouviu vozes no hall e levantou os olhos. Olhei pela janela e vi uma carruagem se aproximando, era bonita e uma vez foi luxuosa, mas assim como tudo na casa estava se deteriorando. Da carruagem desceu um homem muito enigmático.

Voltei meus olhos para Angelique, ela estava alerta. A mulher que a afligia, deduzi ser a madrasta, recebia o homem jovem e bem-vestido. Lacey se encantou com ele, era nítido em seu olhar, observou enquanto os dois entravam no escritório e se levantou rapidamente, curiosa. Ela parou encostada na porta e espiou pela fechadura, as vozes estavam abafadas, mas audíveis.

- Como vai fazer isso? - perguntou o homem, sua voz deixava claro que ainda era muito jovem, não mais que vinte anos.

Entrei no escritório para ver mais de perto, o homem tinha o seu charme e isso eu tenho que admitir, assim como a carruagem, seu casaco de veludo estava gasto.

- Aos poucos, não podemos levantar suspeitas.

- E quando ela for à escola? Pretende contratar alguém lá?

- Não, ela não vai. Por isso você está aqui, será professor dela.

A expressão de espanto dele, dizia tudo. Ele não era um instrutor, talvez mal tivesse mana.

- Eu? Não entendo quase nada de magia, fui expulso, lembra?

- Angelique não tem magia, ela é um braçal e não vou voltar nesse assunto.

- Edith, o que vou ensinar então?

- A escrever, a menina vai fazer onze anos e mal sabe assinar o nome, depois que Edward morreu ela nunca mais pegou um livro.

- Crianças precisam ser incentivadas.

- Não faça eu me arrepender, Simon. Nós temos um objetivo, o quanto antes acabar melhor.

Observei o homem dar a volta em torno da mesa e pegar a madrasta pela mão, seus corpos se juntaram, olhei em direção á Angelique, o estômago da menina embrulhou e ela se afastou da fechadura.

Ela correu de volta para o balde com sabão quando ouviu se aproximarem da porta, abaixou a cabeça voltando a esfregar.

A memória é cortada e Lacey estava escovando o cabelo na cômoda, o quarto era pequeno e não tinha quase nenhum luxo, com certeza a madrasta havia trocado.

A porta atrás dela se abriu e Edith passou trazendo uma bandeja, a expressão de desconfiança de Angelique refletida no espelho me deixou alerta. Me aproximei e olhei dentro do copo, havia uma massa densa, um liquido espesso embaixo do chá, azul brilhante.

Eu conhecia aquilo, tártamo era um poderoso veneno embora muito lento, indetectável depois da morte.

- Beba - a madrasta apoiou o chá sobre a penteadeira vazia.

- Obrigada, senhora - Angelique deu um gole e fez careta - está estranho.

- É um elixir, para sua saúde.

A mulher esperou até que Angelique tomasse todo o chá antes de sair do quarto, eu tinha uma teoria do que ela estava fazendo mas resolvi ver a próxima memória.

Na última, Angelique suspirava e se ajeitava em uma carteira escolar, única em uma sala, à frente dela, Simon tamborilava os dedos sobre uma mesa.

- Mais vinte minutos.

A menina olhou fixamente para a folha de papel na mesa, inúmeros cálculos e respostas grifadas.

- Eu não consigo, as questões estão erradas.

- Não estão, não. Me deixa ver - ele estendeu a mão e pegou a prova - certo, talvez eu tenha confundido alguns números.

Ao ver a prova por cima do ombro dele, vi que as habilidades intelectuais de quem elaborou a prova eram muito baixas.

- Isso é chato.

- É, mas você progrediu muito em três anos.

- Pode só me dar um dez? - Angelique perguntou divertida - aí a gente fica de bobeira até passar o tempo.

Ele foi até a porta e olhou para os dois lados do corredor antes de fazer sinal pedindo silêncio. Simon se serviu de chá preto e tomou em um gole.

- Aqui, leia para mim - entregou a xícara para ela e se sentou na mesa grande.

Angelique segurou firme e começou a virar de um lado para o outro, quando ganhou confiança se levantou, encarou o homem e andou lentamente.

- Eu vejo garras e dentes em um corpo coberto de pelos - Simon ficou tenso mas deu um sorriso de canto, tentou pegar a xícara e Lacey não permitiu - uivos na lua cheia, flor de acônito mal preparada. Motivo de dores de cabeça terríveis.

Ele suspirou e ela o deixou apanhar a xícara.

- Não diz nada disso aqui.

Angelique se sentou ao lado dele, os maus tratos sofridos por ela eram visíveis, causando-lhe profundas olheiras.

- Eu sei, mas queria que você soubesse, não julgo você por ser um lobisomem.

Angelique era esperta, eu não teria desconfiado.

- Podemos...

- Guardar segredo? Ela não sabe?

- Com os pensamentos conservadores é capaz de me queimar numa fogueira ou pior.

- Eu não vou contar nada.

Angelique teve um ataque de tosse e Simon lhe entregou um lenço, quando ela afastou o tecido do rosto havia sangue.

- Você está bem?

- Não muito, me sinto pior. O elixir não está funcionando.

- Fique calma - Simon apoiou a mão no ombro dela - continue se cuidando e logo vai melhorar.

Ele mentiu, eu sabia disso, mas Lacey não, ela o olhou como se fosse o consolo dela naquela casa sinistra. E ele a traia.

- Angelique? - Edith apareceu à porta com a expressão rude - a aula acabou, está na hora do seu chá.

A memória acabou, me levantei pronto para pegar todas as restantes quando notei que Arthur havia voltado. Seu rosto sereno e sorriso discreto me irritaram mais uma vez.

- Eu precisava - me limitei a dizer.

- Eu sei, não tem problema, Charles. O que acha?

- A estavam envenenando - andei até a frente dele e me sentei junto a mesa - a salvei para que sofresse anos de abuso.

- Bem, ela está aqui agora para ser cuidada.

- Vou ensiná-la magia, mas não serei babá de ninguém. E não sei por que está insistindo nisso.

- Você está distante, sua motivação com a causa se apagando.

- Atuar como professor, esperando pela volta de um ataque que nunca acontece, vivemos uma guerra fria, tem sido entediante.

- É por isso que estou lhe dando um propósito

- Deixe-me ver se entendi - eu certamente havia entendido - para me distrair do trabalho como professor você está me dando a oportunidade de ensinar depois do horário também?

- Você destruiu diversas vidas, Charles. Agora falta apenas um ano para a sua aposentadoria e espero que termine o que lhe pedi antes disso, é hora de você começar a reparar as consequências de suas escolhas. A começar pela Srta. Lacey e com isso talvez entenda o peso que uma nova guerra tem.

A vida de celibato de Arthur o fazia enxergar apenas relações puras e inocentes. Eu estava intrigado com Angelique, principalmente em saber o que tinha em outras memórias e embaixo das suas saias.

                         

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