Capítulo 4 Quem engana quem

Thomas Fagundes.

Beatriz passou a tarde inteira revirando na cama, especulando o porquê do rapaz ter mentido o seu nome. Por que ele não queria que ela soubesse quem era de verdade?

Sequer conseguiu almoçar direito, com tanta ansiedade. Na mesa, durante a refeição, Júlia quase precisou morder a língua para não falar daquele assunto na frente de sua mãe. A mulher não parava de comentar sobre o ocorrido. Ela não chegou a ver o assalto, mas ficou sabendo pela boca de terceiros. No meio da tarde, aproximadamente às três horas, Luísa viajaria para Minas Gerais, onde teria o casamento de uma prima. Passaria alguns dias lá, visitando alguns parentes, mas agora, com o que tinha acontecido na frente da mansão, estava com medo de deixar as meninas sozinhas.

- Primeiro, a minha irmã e o meu cunhado são assassinados daquele jeito. Sempre achei São Paulo perigoso, mas daí, Rosa Rosso, que mesmo tomada por aquele mafioso que mais parece o rei da cidade, sempre foi pacata, acontece aquele tiroteio na frente daqui de casa.

- Não foi bem um tiroteio... - Observou Júlia, logo ao lado da mãe.

- Como posso viajar desse jeito? - Luísa levou a mão ao peito, em um gesto dramático.

- Tia, não se preocupe conosco. Não vamos ficar saindo, e podemos levar um dos seguranças conosco. - disse Beatriz.

Luísa semicerrou os olhos, desconfiando das palavras de sua sobrinha.

- Prometem que não vão ficar batendo perna por aí? Mesmo com o tal Sorrentino foragido da cidade, ainda pode haver alguma briga com o pessoal do " El diablo". Esses mafiosos não descansam nunca.

- Acho que só teria um confronto belicoso se a tal Camila aparecesse aqui em Rosa Rosso. - Comentou Beatriz, parecendo se divertir com a situação.

Tanto Luísa quanto Júlia a encararam, lívidas com a capacidade dela de achar graça em uma confusão como aquelas.

- Não me olhem assim. Sei que foi grotesco o que aquela moça fez com a irmã do tal Gallo, mas sinceramente? Acho que ela precisa aprender uma lição pelo que fez.

- Você parece bem informada do assunto. - disse Luísa, não gostando muito daquilo.

- Tenho a melhor fonte de Rosa Rosso. - Ela olhou de soslaio para a sua prima, ao deixar o nome da mesma nas entrelinhas. - Mas confesso que andei olhando os noticiários da internet. Falam muito sobre esse tal Gallo, não é? - Beatriz forçou um tom de voz indiferente, para que sua tia não percebesse o seu interesse no homem.

- Com certeza não é o tipo de homem que gostaria que minha filha ou minha sobrinha tivesse algum tipo de contato.

- E por que teríamos contato com um homem assim? - Perguntou Júlia, temerosa.

As vezes não sabia se sua mãe tinha pressentimentos tão fortes, ou se elas que deixavam muito na cara as suas pretensões.

- Um homem muito bonito, muito poderoso. Jovens bem nascidas como vocês duas podem se deslumbrar. Afinal de contas... Mulheres geralmente têm uma forte atração com homens malvados, não é? - Instintivamente Luísa se abanou com uma de suas mãos, levando as duas moças a estranharem a ação dela.

- Não está falando isso por experiência própria, está? - Perguntou Júlia, estreitando os olhos. Luísa a lançou um olhar tão fulminante, que a fez se encolher.

- Respeito é bom, e eu gosto. - disse a mulher, ofendida.- O único homem na minha vida foi o seu pai.

- Não se preocupe, tia. Homens perigosos não me atraem... E tampouco a Júlia.

- A Júlia eu sei que não. Sempre foi medrosa demais para isso. Já você.

- Eu não gosto de bandido. Não gosto de mafioso, ou fora da lei. Prefiro homens certinhos. Não se preocupe, titia. Nunca vou me interessar por alguém como o tal Léo Gallo. - disse Beatriz, convicta.

Afinal, aquilo era verdade. Ela precisava da proteção dele, e o que aconteceu na frente de sua mansão foi uma prova disso. Poderia ser um simples assalto, mas também...

Beatriz gelou só de imaginar. Alguém a queria morta, e talvez essa pessoa a tivesse encontrado. Na proteção de Gallo, ninguém se atreveria a fazer nada contra ela.

As três mulheres voltaram a almoçar. Depois da refeição, Luísa descansou, e logo partiu para a sua viagem até Minas Gerais.

- Foi muito conveniente essa ida da mamãe. Imagina só se ela estivesse aqui e se deparasse com um mafioso na sala de jantar. - Comentou Júlia, enquanto ambas caminhavam para o segundo ambiente da sala de estar, para que pudessem conversar com mais privacidade.

- Não apenas um mafioso, o el diablo, O rei deles. - Beatriz deu uma risada alta de seu próprio comentário. - Parece coisa de livro, não é? Sinceramente, estou me sentindo a personagem de um. Se isso não fosse a vida real, eu não saberia que o homem que nos livrou do assalto era o Léo Gallo, me apaixonaria por ele acreditando que era o meu salvador, e viveria um romance proibido. É até clichê, não acha?

- Você ainda pode acabar gostando dele. Só não entendi o porquê do Gallo ter mentido o nome para nós. - disse Júlia, pensativa. - Mas se quer saber? O achei muito interessado. De certa forma, deu a impressão que ele já estava te observando

- Também achei isso. Afinal, ele não teria percebido o homem á espreita se não tivesse de olho, vigiando a casa. - Falou Beatriz, também refletindo. - E como se não bastasse esse mistério, por algum motivo o Gallo não quer que eu saiba quem ele é.

- E o que você vai fazer quando ele estiver aqui para o jantar? Bom... Se é que vem.

- É claro que ele vem, Júlia. Você mesma disse o quanto o Gallo parecia interessado em mim... - Beatriz mordeu os lábios, empolgada com o desfecho daquela história. - O único que posso fazer é jogar o jogo dele. Vou fingir que não sei de nada. Vou fingir que não sei sua verdadeira identidade, e você, também vai brincar disso conosco.

- Eu? Bea, eu não sei fingir.

- Ah, sabe sim, boba. Basta não dizer nada, e nem ficar olhando para ele com aquela cara de susto e apreensão que você fez. Se o homem não estivesse tão anestesiado com toda a situação do possível assalto, teria lido na sua cara que você estava morrendo de medo.

- Não é todo dia que se vê um mafioso em cena.

- É, não é. Mas na minha companhia, aquele homem não é o Léo Gallo. Para mim, ele é o Thomas. Thomas Fagundes.

- Estou achando essa brincadeira muito perigosa. E quer saber, Beatriz? Algo me diz que isso não vai terminar bem.

...

Ao escurecer, Beatriz não deixava de conferir o grande relógio da sala de estar. Ela caminhava de um lado para o outro, na expectativa de que o homem chegasse. Eles não haviam trocado número, mas por algum motivo, ela tinha a certeza... Por algum motivo desconhecido, Gallo também estava interessado nela.

Os seguranças já estavam esperando a visita do homem, por isso, ao chegar, ele foi diretamente conduzido para a sala de estar. O coração de Beatriz palpitou quando uma de suas empregadas avisou que o mesmo havia chegado. Tanto Júlia quanto ela ficaram de pé, prontas para recebê-lo.

- Fico muito feliz que tenha aceitado o meu convite. É o mínimo que minha prima e eu podemos fazer, depois de você ter nos salvado. - disse Beatriz, seus olhos dourados capturando a atenção dos dele.

Ela era muito bonita. Isso, Gallo percebeu desde que olhou a foto dela nos noticiários.

- Não precisa agradecer. É o mínimo que poderia fazer como ser humano. Espero que não tenha se assustado com a arma, tenho porte. - Disse Gallo.

O que obviamente era mais uma mentira. Vindo de um homem como ele, nada poderia ser legalizado.

- Não especulei nada, não se preocupe. Nem teria esse direito. Não quando você nos salvou. Mas, mudando de assunto, posso te servir uma bebida de entrada?

- Claro! O que você costuma beber?

- Não vou mentir e dizer que gosto de uísque, a bebida é muito forte para mim, mas tenho ótimas opções, se quiser. Eu te acompanho com um drinque de gin.

- Ótimo, pode servir, eu aceito o uísque.- Respondeu o homem.

- Por favor, fique a vontade. - disse Beatriz apontando para o sofá, indicando que o visitante deveria se acomodar nele.

Gallo seguiu a recomendação.

- E você, Júlia? O que quer beber? - Perguntou Beatriz para a sua prima.

- E-eu? - Júlia apontou para si mesma, ainda parada no mesmo lugar.

Ela percebeu que estava sendo patética, mas estava assustada demais para conseguir mudar a postura.

- Eu vou até a sala de jantar para me certificar de que tudo está sendo servido corretamente. Estou faminta. - Falou a jovem, com a voz esganiçada. Ela se apressou a caminhar para fora dali, deixando Beatriz constrangida.

- Ela não está acostumada a receber rapazes. Minha prima mal sai de casa.

- Ela é daqui de Rosa Rosso? - Perguntou Gallo, vendo Beatriz abrir a garrafa de uísque, e servir um copo para ele, antes de devolver o objeto para o aparador de bebidas.

- Sim, sim. A família do meu pai é daqui. Inclusive sou natural de Rosa Rosso, mas fui para São Paulo ainda muito pequena. - Ela respirou fundo discretamente, antes de se sentar ao lado dele, e continuar com a conversa. - Mas e você? É daqui?

- Minha história é parecida com a sua. - disse Gallo, fração de segundos depois.

Aquilo fez Beatriz perceber que, mais uma vez, ele estava inventando uma de suas mentiras. - Minha família é daqui, cresci aqui, mas fiz faculdade no Rio de Janeiro.

- É? E qual a sua formação? Com o que você trabalha? - Perguntou a moça, já sabendo exatamente da resposta.

Em uma cidade pequena como Rosa Rosso, era fácil saber de tudo.

- Sou formado em economia, cuido das finanças da empresa de exportadora de vinhos que era da minha mãe.

Mentira, mais uma vez.

De fato, Gallo estava cuidando das finanças de uma exportadora de vinhos, da qual ele recentemente adquiriu. Precisava de uma faixada, e aquele estabelecimento seria a sua. Contava com a ajudava de Leonora para administrar o seu mais novo negócio, já que Arthur era os seus olhos e ouvidos nos cassinos, quando ele não estava presente. Beatriz fingiu acreditar na mentira da exportadora. Na verdade, ela não duvidou que de fato ele tivesse uma, mas sabia muito bem que o seu principal negócio eram os cassinos clandestinos. Só não fazia a menor ideia de que ela estava em seus planos. Que Gallo precisava do poder que o sobrenome dela exercia na alta sociedade, para conseguir regularizar os seus negócios diante da justiça, e atrair a nata da sociedade de Rosa Rosso, e proximidades, para lá.

- Muito interessante isso, porque eu estudo economia, me formo no próximo ano. Sempre fui boa com números, e vou assumir os negócios do meu pai, em São Paulo.

- Pretende voltar para São Paulo?

Beatriz engoliu em seco ao ouvir aquela pergunta.

Ela sequer sairia de lá, se não estivesse correndo risco de vida.

- Sim. Meu pai é... Era dono de uma indústria de mineração de pedras preciosas, e agora cabe a mim trabalhar daqui e entrar em contato com o meu padrinho, que é sócio minoritário, mas acima de tudo, o único de nossa confiança.

- Eu não vou fingir que não sei quem é você. Já vi noticiários na internet, e sinto muito pelo que houve com seus pais. Não quero te fazer repetir o que aconteceu com eles. Sinto muito por você, mesmo. - disse o homem, com sinceridade.

De tudo o que já falou, aquilo era o único que parecia verdade.

- Obrigada pela empatia, Thomas. Não é todo mundo que tem. - Ela abriu um sorriso contido, ficando sinceramente emocionada ao lembrar dos pais. - Bom... Acho que já podemos passar para o jantar.-

- Ah, eu trouxe um vinho da minha exportadora, e pedi para a empregada colocar para gelar. Espero que não se importe.

- Me importar? De forma nenhuma, vou te agradecer. Sou apaixonada por vinhos.

- Então quando tiver um tempo, pode ir lá para degustar os vinhos da minha exportadora. - Ofereceu Gallo, solícito.

- Eu vou adorar. Por favor, vamos lembrar de trocar os números dessa vez.

Gallo estendeu uma das mãos, pegando o celular da moça, e colocando o seu numero lá.

- Fico te esperando entrar em contato. Pode ir quando quiser. - Ele devolveu o aparelho, em seguida, assim que salvou o seu número.

- Já mandei uma mensagem para você também salvar o meu número. - disse Beatriz, assim que terminou de digitar e enviar.

- Agora, por favor, não vamos fazer a sua prima esperar.

- Não, não vamos. Até mesmo porque, também estou faminta. - Beatriz tomou a iniciativa de passar da sala de estar para a sala de jantar, Gallo foi logo atrás dela.

O homem estava muito feliz com o seu desempenho. Tinha a total certeza que deixaria Beatriz envolvida o suficiente, ao ponto de conquistá-la. Já Beatriz, tinha a total certeza de que, agora, mesmo que sejam algo um pouco distante até de amigos, estava começando a criar o seu elo com Gallo, e em breve, não correria mais perigo algum.

            
            

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