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CAPÍTULO UM
- Luazinha... - ouço uma voz fina e suave chamando meu nome baixinho em algum lugar do quarto - Por favor, acorda. Hoje é seu aniversario.
Abro lentamente os olhos, separando os longo e pesados cílios escuros, quando escuto uma doce voz infantil ecoando algumas vezes seguidas por toda a extensão do quarto. Um clarão invade meus olhos e os cubro com a palma da mão protegendo minhas íris sensíveis da forte e intensa claridade, ainda sonolenta viro meu rosto para o lado direito da minha cama deixando meus olhos deslizarem pela extensão do comodo e vejo dois pares de belíssimos olhos caramelados. Anna, a filha da governanta que papai havia contratado desde que me lembro por gente, sorria graciosamente em minha direção e deixei um meio sorriso surgir em meus lábios quando percebi que estava faltando dois dentes de leite em sua boca pequena. Anna tem seis anos de idade, olhos cor de caramelo e um lindo e comprido cabelo loiro, que adoro inventar novos penteados quando estamos entediadas dentro de casa.
- Bom dia, pequena Anna. - Sorrio a pegando no colo e a enchendo de beijinhos. - Como você está? Aprontando muito, eu imagino - brinco enquanto trabalho os dedos em sua barriga, aumentando a investida das cocegas que fazia em seu corpo.
Anna gargalha divertida rolando comigo em minha cama. Brincar com Anna tem sido meu maior passatempo nos últimos meses, a mãe dela, Risky trabalha muito aqui em casa e fora também. A pequena fica metade do dia trancada em seu quarto, para não bagunçar ou aprontar no restante da casa e seria um desperdício não fazer aquela anjinha sorrir sempre que possuo a oportunidade, já que tenho uma paixão inexplicável por crianças e por qualquer animal.
- Eu vim te desejar feliz aniversario, Lua - comentou com um sorriso belíssimo em seu rosto.
- Ah, muito obrigada pequena - dou um beijo suave em seu rosto.
- Mamãe que me contou, mas ela contou muito em cima da hora, nem consegui te comprar um presente - resmungou e em seus lábios surgiu um biquinho fofíssimo, que arrancou um sorriso dos meus lábios.
- Não tem problema, nem precisa se preocupar com isso, só de você ter lembrado e vindo aqui me dar um beijo, já me deixou muito feliz, sabia? - indago apertando-a bem forte, arrancando sorrisos.
- você é incrível, Lua!
Brincamos por alguns momentos gargalhando e sorrindo quando um ruído agudo e irritante se fez presente atrás de mim, em direção a porta do quarto. Me separo de Anna e encaro com um pouco de aflição a expressão severa de meu pai.
Me sento na cama, minha felicidade aumenta ao mesmo tempo em que diminui na mesma quantidade. Lorenzo Gonsalles, meu pai, está parado no batente da porta de meu quarto. Seu rosto está com linhas severas e sérias, seus lábios estão em uma linha firme, seu nariz delineado e robusto demonstrando marcas de sua idade e experiência de vida.
- Saia. - rosna encarando Anna que treme diante de sua potente e ameaçadora voz. - Filha, podemos conversar?
Senti sua voz firme, Anna já havia saído correndo do quarto. Ela não mostrou, mas podia jurar que ela saíra magoada. Fico hesitante, durante toda minha vida meu pai me preparou para esse dia. Se a conversa que teremos for sobre minha herança posso sentir o medo que corre por minhas veias. A ansiedade, o desejo de descobrir logo qual é o presente, desvendar o mistério que durante anos fez parte do meu dia a dia, e tudo isso está na palma da minha mão.
Eu não vou mentir.
Estou puramente empolgada em saber o que me aguarda, quando papai comentava sobre minha herança ele sempre ficava sério e me instruia como eu deveria me portar, dizendo maneiras de agir, palavras certas, formas de andar e até mesmo como me vestir. Papai nunca me deu muitos detalhes, mas sempre foi claro que eu seria a causadora de uma revolução. Eu, desde pequena, fui contagiada sobre esse detalhe. Desde nova pedi para papai me colocar como aprendiz de uma médica mesmo antes de entrar na faculdade, na verdade terminei o ensino fundamental ano passado. A médica no princípio relutou bastante, papai lhe ofereceu uma pequena quantia em dinheiro que a fez mudar de ideia e a convenceu a me deixar ser sua assistente em seus procedimentos medicinares.
- O dia finalmente chegou. - declara com sua expressão seria e impassiva, como se desejasse falar mais coisas do que lhe era permitido, e seus olhos me analisaram com calma e cuidado, observando cada mínimo detalhe que pudesse sobre mim - O dia em que você conhecerá sua estrada, que antes foi minha e seguirá todos os meus passos.
Eu o ouvia atentamente. Admirava meu pai, o achava arrogante, às vezes, mas talvez seja por causa da perda que ele teve. Papai me contou que tinha um irmão gêmeo que teve a vida tirada na juventude, depois da morte de meus avós sobrava apenas mamãe e eu. Mamãe morreu num acidente em uma clínica, papai me disse que um dos animais do experimento havia atacado-a e desde então sua vida nunca mais foi a mesma, sua personalidade havia mudado da agua para o vinho, transformando-se quase em uma pessoa totalmente desconhecida. Entendo a sua dor, até mesmo compartilho o mesmo sentimento, já que eu havia perdido minha mãe e ele sua esposa.
Nessa época não existia muitos sorrisos, era raro observar um traço feliz no rosto de meu pai. Então fui crescendo e ele envelhecendo até que há dois anos ele revelou sobre a herança que eu ganharia.
- Você está pronta?
Sua pergunta me animou. Sim. Eu estava pronta. Me sentia pronta, o nervosismo caminhava em cada centímetro do meu corpo, a ansiedade me fazia morder os lábios em antecipação, mas esforcei me para parecer neutra e tranquila.
Será que ele me daria uma clínica médica inteira para que eu cuidasse? Eu planejo fazer faculdade de medicina um dia, isso seria bom.
- Estou. - declaro convicta sentindo meu corpo tenso em ansiosidade.
- Certo, vamos tomar um café da manhã, merendamos, você se arruma apropriadamente e antes do pôr do sol chegar, nós partimos. - faz uma pausa vendo minha expressão de desapontamento - Queria levá-la agora, mas tenho uma reunião importante com o governador.
Papai trabalha com uma associação ligada ao governo, pelo pouco que sei papai lidera um grupo de pesquisadores sobre alguns tipos de doenças. Franzo o cenho ao perceber que eu mesma não sabia muito sobre o trabalho de meu pai, sei que ele havia assinado um termo de confidencialidade quando começou a trabalhar, mas não sei muitas coisas a respeito.
Talvez seja para não dar falsas esperanças de uma cura.
Papai sai do quarto e suspiro deitando as costas novamente na enorme e confortável cama. Ele não me desejou feliz aniversário, apesar de saber que eu estava completando a maioridade, mas sei que no fundo ele está feliz por mim. Ele deve estar, sou sua filha, ele jamais desejaria minha infelicidade, certo?
Desde antes da mamãe falecer, papai e eu eramos muito ligados, passávamos a maior parte do tempo juntos, fazendo atividades em dupla, até mesmo no seu trabalho ele me levava para ajuda-lo em algumas coisas, entretanto, depois que mamãe faleceu, esse aproximação e liberdade aos poucos foi sumindo e desapareceu antes mesmo que eu pudesse perceber e tentar fazer alguma coisa que pudesse impedir seu afastamento. De repente, passávamos a nos ver no café da manhã, no almoço, jantar e depois no dia seguinte, almoço, jantar e café da manhã e depois com as viagens de trabalho a distancia foi aumentando até o ponto em que raramente conversávamos.
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Já é quase cinco horas da tarde, havia tomado meu banho, me alimentado e aproveitando o tempo que tinha fui no quarto de Anna me desculpando pela atitude rude de meu pai. Anna já havia esquecido, às vezes invejo a pureza e inocência que as crianças possuem. Diferente delas, guardo todas as lembranças e rancores antigos, até as coisas mais bobas e pequenas, guardo em uma caixa no fundo da mente para usa-las no momento em que mais for necessário e conveniente, me chame de rancorosa se desejar, por que sei que sou.
Eu estou no sofá da sala, esperando meu pai aparecer para podermos sair a quase duas horas, entediada e pensativa. De repente a porta de entrada é aberta apressadamente e observo Tyler entrando sorrateiramente, porém quando percebe minha presença sobressalta, assustado, com seus grandes olhos arregalados na minha direção, por ter sido pego em flagrante entrando dentro de casa.
Tyler é meu melhor amigo, ele é um dos seguranças particulares que meu pai insistiu em contratar para ficar no meu pé. Segundo ele, eramos pessoas importantes e inteligentes que trabalhavam para o governo e possuíamos inimigos por esse fato, pessoas ruins ou que não concordassem com sua maneira de trabalhar poderiam pensar em coisas negativas para fazer conosco e até mesmo tentaram contra sua vida alguns anos atrás, felizmente nada de ruim aconteceu, mas o deixou preocupado e cismado ao ponto dele contratar mais de uma dúzia de seguranças para cuidar e nos proteger.
- Desculpe invadir sua casa assim, baixinha. - se desculpa enquanto se aproxima.
Não havia vestígio algum de culpa em seus olhos e me permito sorrir. Tyler é bem mais alto que eu, seus cabelos escuros caem suavemente sobre seus olhos castanhos.
- Você tem livre acesso pela casa. - comento cruzando as pernas, encarando-o com um sorriso divertido em meus lábios.
- Eu sei, sou o único homem além de seu pai que tem passe livre aqui dentro. - declara com um sorriso perverso nos lábios, enquanto aponta com o indicador em direção ao próprio peito - Mas não foi por isso que vim aqui. - faz uma pausa - Feliz aniversário, baixinha. - ergue os braços entregando-me uma caixa embrulhada.
Meus olhos brilharam em surpresa em receber seu presente. Levanto do sofá em um pulo rápido, ficando de pé e quebro a distancia entre nossos corpos, dando-lhe um forte abraço, envolvo os braços ao redor do seu corpo, abraçando o com força e sinto os seus braços fortes e musculosos envolvendo meu corpo, retribuindo meu gesto carinho enquanto meu rosto está pressionado contra seu peito, amaldiçoo a diferença gritante de altura que nós dois possuímos e sinto os olhos ardendo diante da vontade de chorar, engulo em seco enquanto respiro fundo, emocionada.
- Obrigada, Tyler - o encaro com os olhos marejados - Muito, muito obrigado mesmo! Você lembrou de mim.
- É claro que eu me lembrei de você, jamais conseguiria esquecer, mesmo se tentasse muito - sorri esfregando a mão na minha cabeça, seus dedos bagunçando os fios loiros que possuo.
Tyler me entrega o embrulho, pego voltando a me sentar sobre o sofá, estou curiosa e ansiosa para saber o que me aguardava. Desfaço lentamente o laço dourado com extrema expectativa, abro a caixinha e encontro uma bolsa azul clara com rendas escuras, detalhes decorados em tom preto e roxo. A bolsa era de tecidos firmes, refinados e caros, e duraria a eternidade.
Era a bolsa que eu queria comprar no começo do ano mas não consegui encontrar de jeito nenhum. Meus olhos brilharam quando ergui o material e o levei aos braços o apertando. Eu não sou uma pessoa materialista, mas eu desejei muito mesmo essa bolsa, o estilo retro e vitoriano, os detalhes, as tiras e rendas. Pulo no pescoço de Tyler novamente o abraçando fortemente. Ouvimos um som de carros se aproximando e rapidamente nos afastamos. Papai não gosta que os seguranças fiquem próximos a mim, era uma regra.
Eu era intocável.
O que eu achava idiota em algumas ocasiões.
Tyler se despede me dando um beijo na bochecha e corre para o corredor que leva a saída dos fundos, suspiro alegre segurando a caixa nas mãos. Junto a caixa e o embrulho e subo correndo para meu quarto para guardar o presente antes que papai entrasse em casa, encontrasse o embrulho em minhas mãos e começasse a me fazer perguntas. Passo pelos corredores e entro em meu quarto, coloco minha bolsa dentro do closet, a guardando ao lado de um porta joias.
- Senhorita Gonsalles, o senhor Gonsalles está solicitando sua presença na sala principal. - um dos seguranças exclama após entrar dentro de meu quarto.
Dou um pulo fechando a porta de meu guarda roupa com força.
- Se eu tenho privacidade? Nem comento. - reclamo revirando os olhos. - Já estou descendo.
O segurança da um meio sorriso e sai do cômodo deixando a porta entreaberta. Em poucos minutos o sigo escada abaixo. A cada passo estou mais próxima do meu futuro. Mais próxima da minha herança.