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CAPÍTULO DOIS
O caminho até a clínica é silencioso, um detalhe que vale atenção é que passei o trajeto com uma venda nos olhos. Papai havia ordenado que eu fosse vendada, pois ele não poderia ariscar minha segurança ou a do projeto com que trabalha. Assim que desci para a sala de estar, após guardar minunciosamente o presente que Tyler havia me dado, encontrei papai de pé próximo a porta de entrada, o abracei por alguns segundos antes dele perguntar se eu estava realmente pronta, acenei positivamente com a cabeça e seguimos para o lado de fora, onde o carro estava estacionado. Antes que eu pudesse dizer algo ele entregou uma venda para seu segurança que me pediu para ficar de costas, o encaixou cuidadosamente sobre meus olhos e me ajudou a entrar dentro do carro, colocar o cinto de segurança e começamos a viagem em completo e absoluto silêncio.
Suspiro vendo o escuro, podia ouvir sussurros ao meu redor. Algumas vezes vindas de meu pai, outra de algum de seus homens. O carro balançava tão suavemente que me dava uma sensação de estar flutuando. Eu estava meio consciente. Estava sendo embalada pelos braços dos doces sonhos e estava tão avulsa em voar que mal percebi quando o sono venceu e acabei adormecendo contra o banco do carro, apoiada com a cabeça contra o vidro do carro, ouvindo os sussurros e sons avulsos.
- Acorde, filha. Chegamos. - desperto sendo balançada de um modo não tão gentil por meu pai.
Eu ainda estava dentro do carro e a porcaria da venda ainda estava cobrindo meus olhos o que não permitia que eu descobrisse onde estou.
- Chegamos?! - questiono atordoada, comprimindo os longos cílios escuros contra a venda grossa.
Recosto-me no banco do carro e sinto alguns músculos protestarem com meu movimento. Comprimo os lábios segurando um xingamento.
- Sim, passaremos pela entrada do condomínio e depois retirarei a venda. - papai explica, sua voz vinda do meu lado esquerdo do carro.
Aceno com cabeça, ansiosa. Odeio ficar na espera sem saber o que me aguarda. Odeio também ter essa tranqueira vendando meus olhos. Infelizmente, um dos meus defeitos, é que sou muito curiosa e obstinada, não consigo deixar uma coisa para trás e não consigo controlar minha enorme vontade de descobrir o que estava acontecendo.
Papai se afasta um pouco, ouço o som da porta do carro se abrindo e em seguida sinto um par de mãos me guiando para um lado do carro. Ando cegamente agachada pelo pequeno espaço, quando dou mais um passo e não encontro o chão do carro, vacilo.
Meu corpo caí para a frente e um grito escapa de meus lábios. Levo as mãos para cima porque, se eu cair, pelo menos não dou de cara no chão, quando sinto duas mãos segurando minha cintura, ele me prendia firmemente e evitou que eu caísse.
- Mais que droga... Eu detesto todo esse ar de suspense e mistério!... - interrompo meu xingamento afastando-me do homem que me segurou.
Sinto minha respiração acelerada aos poucos se acalmando, assim como as batidas tamboriladas de meu coração. Sou guiada para frente, mas cesso meus passos e olho para trás.
- Podia ter avisado que o chão não era chão, babaca. - resmungo ainda um pouco irritada, sentindo o coração batendo forte dentro do peito.
Viro-me novamente e continuamos nossa trajetória. Ainda estou fula da vida com o acontecimento com o carro. Subitamente a venda é arrancada de meus olhos e me encontro dentro de um elevador.
Papai e mais três homens estão ao meu lado. O elevador era de metal e o detalhe que mais me surpreendeu foi o fato que existe uma ordem de números que seria provavelmente de andares.
109.
Não podia existir 109 andares podia??
Eu como uma consumidora "experiente" sempre quando vou às compras reparo nas lojas e por Deus...Eu nunca havia visto um prédio com 109 andares.
- Todos esses andares foram construídos no subsolo. - Papai exclama orgulhoso.
Meu queixo vai ao piso inferior do elevador.
Puta merda, 109 andares construídos abaixo da terra!!
Será que falta muito para chegar ao núcleo da terra? Ouvi falar que construções em subsolo não são muito seguras. Eu poderia morrer aqui em baixo e ninguém jamais saberia. Quando o elevador parece pequeno demais, a porta se abre e sou a primeira a sair.
Observo o enorme corredor, desde as paredes, piso, portas e teto toda extensão é da cor branca.
- Por aqui, querida. - Papai instrui começando a andar.
Observo que nesse corredor existem muitas portas brancas. Muitas, muitas mesmo e o sigo em passos rápidos e precisos, observando tudo nos mínimos detalhes, sem deixar nada passar despercebido.
- Hoje você recebe o que ninguém nunca imaginou receber. Depois de tantos anos de espera finalmente poderá reivindicar sua herança. - Papai exclama entusiasmado. Uma moça usando roupas brancas aparece ao seu lado e lhe entrega alguns papéis. Papai segura os papeis entre os dedos, os encara por alguns segundos conferindo se tudo está da forma correta antes de erguer o braço na minha direção, oferecendo-me os documentos que estava segurando - Assine esse contrato de confidencialidade e poderá ver seu prêmio.
Diz me entregando os papéis. Os assino aceitando suas fortes palavras. Devolvo o contrato, papai entrega a moça e entra no cômodo ao lado. Entro em seguida.
- Luana Gonsalles, hoje você recebe pleno direito sobre a organização Havven. Todos os meus direitos passados para você, trinta e nove por cento. - Papai suspira parecendo emocionado. - As empresas Havven trabalham com testes de drogas, substâncias, doenças e problemas virais em animais. - Papai da uma pausa, respirando profundamente, como se estivesse muito emocionado. - Você vai ser minha aprendiz enquanto ainda é nova, conheça seu animal de estimação.
Papai estrala os dedos e uma claridade aparece do lado oposto do cômodo. Arregalo os olhos horrorizada com à imagem a minha frente. Puta merda... Meu peito se aperta dolorosamente e sinto como se ele estivesse esmagando meu coração sem uma gota de piedade.
- Esse é o 130. Esse animal é um dos que não incomodam muito, dou ele de presente para você. - Papai fala sem nenhuma emoção na voz atingindo um ponto de desinteresse e indiferença congelante.
Ele olha com desprezo através da parede de vidro.
- Ensinarei você usando-o como instrumento. Um animal como ele me da náusea. - Da uma pausa e volta sua atenção a mim. - Sei que não se da um animal tão repulsivo para alguém, mas gostou? Você pode fazer o que quiser com ele, pode abri-lo e estudá-lo por dentro se desejar. Ele é seu para usa-lo da maneira como desejar.
Eu não entendo, eu enxergava um homem colossal acorrentado a parede. Seus braços e tornozelos estão imóveis por uma corrente de ferro. Sua cabeça está abaixada e compridos cabelos loiros com mexas castanhas claras caem por seus ombros, deixando-o selvagem. Ele é grande.
Ele é colossal.
Sua camiseta é amarelada e de mangas longas, gastadas e sujas. Sua calça estava do mesmo modo com alguns rasgos. Minha respiração se prendeu quando ele levanta a cabeça e intensos e profundos olhos azuis cristalinos carregados de dor e raiva me encontram.
Por Deus... Seu rosto está sujo, mas sua barba é evidente, sua pele, seus olhos belos, seu nariz tinha um traço diferente. O formato de seu rosto é diferente.
Engulo em seco quando vejo algo em seu pescoço e estreito os olhos.
Aquilo é uma coleira??
Uma tira de grossa espessura, provavelmente de couro esta amarrado a seu pescoço.
- Meu Deus do céu... - sussurro assombrada. - papai, o que é isso...? o que está acontecendo?
O homem colossal encara fixamente meus olhos. Suas íris azuis claras me encaram fixamente, isso é impossível. Não tem como ele me ver, estou num cômodo atrás de um espelho que só pega visão de um lado.
O meu lado.
Mas ele me olha tão intensamente e tão profundamente que eu posso jurar que ele consegue me ver. E o sentimento que consigo ver em seus olhos é o mais puro e intenso ódio.
- Venha, vamos ao meu escritório.
Ouço a voz de papai enquanto sinto sua mão tocando meu ombro em um aperto firme e sem espaço para ser contrariado.
Não o encaro, meus olhos estão fincados no homem que está sendo mantido preso como um animal. Ele é seu animal de estimação. As palavras de papai ecoam em minha mente causando um forte embrulho em meu estômago.
Sinto uma mão repousando em meu ombro, me guiando para a saída do cômodo de observação. No instante que a mão toca meu ombro o homem colossal começa a se mexer bruscamente, ele abre a boca e posso ouvir um som semelhante a um assustador rosnado.
Arregalo os olhos o vendo rosnar em minha direção. Sou forçada a sair do quarto por um dos seguranças de meu pai.
Como isso é possível?
Papai estava me dando de presente um homem e falava dele de um modo como se ele fosse nada mais que um animal.
Sinto meu estômago se revirar e a bile subir a minha garganta quando lembro-me que papai sugeriu que eu o abrisse para estudá-lo.
Como...? Por Deus... Como eu iria abrir um homem vivo só por "curiosidade"?
Isso é desumano. Manter um homem tão belo... Não!! Manter qualquer pessoa presa dessa forma. É horrível e no mínimo cruel. Percebo as portas que passam por mim, começo a conta-las discretamente. Antes de entrar na sala indicada contei quinze portas brancas.
Não sei por que, mas sinto que existiam muitas portas a mais e não descobertas nesse lugar.
- Sente-se. - Papai ordena.
Observo uma extensa sala de reuniões, no centro havia uma grande mesa retangular de mogno cercada por seis cadeiras por cada lado. A sala era da cor cinza e não existia nenhum móvel decorando o ambiente. Aceito sua sugestão puxando uma cadeira e me sento com as pernas cruzadas, encarando-o fixamente em busca de respostas.
- Por que aquele homem estava preso como um animal, pai? - Questiono encarando os olhos cinzas de meu pai.
- Ele não é um homem, aquela coisa é um animal!! - Papai grita dando um forte tapa na mesa de mogno. Ele toma algumas respirações e parece mais calmo. - As indústrias Havven trabalham com experimentos em cobaias, animais. Não humanos, pessoas como você ou eu.
Encaro-o incrédula. Ele está mesmo falando que o homem que eu vi acorrentado na parede é um animal? Que ele não é humano, uma pessoa comum e sim um pedaço vazio de nada?
Eu vi seus olhos, eles me encaravam com tanta intensidade que tenho certeza que possui sentimentos. Então como é possível que consiga ser tão indiferente ao homem que vi acorrentado contra a parede? Ele realmente o enxerga dessa forma? Como uma espécie de bactéria. Como se fosse algo indiferente e sem importância e não como um ser vivo que come e respira, que sangra como nós.
- Ele... É um homem. - Sussurro. - O que o faz diferente de nós?
Papai pega o celular que estava em cima da mesa e após alguns minutos passa o aparelho para mim. Pego o pequeno aparelho e observo um vídeo, aparentemente de alguma câmera de segurança.
Ela mostrava o homem colossal numa área cercada por árvores, dentro de uma relva. Ele andava lentamente, um passo cuidadoso de cada vez. Olhava a todo segundo para os lados, preocupado, cauteloso, predatório. Seus longos cabelos estavam soltos, caíam de um jeito bagunçado por seus ombros o deixando com uma aparência exótica.
Ele trajava o mesmo conjunto amarelado e velho que vi através do vidro, no homem ao qual papai chamo de 130. Ele de repente se vira para uma parte da floresta e da um forte pulo, a câmera se movimenta seguindo-o e o mostra no alto de uma árvore. Ele havia conseguido pular mais de três metros de altura sem nenhum problema, era sobre-humano e constatar isso me fez engolir em seco, não era possível, o que ele era?
Prendo a respiração, ele parece farejar o ar e observa tudo com os olhos estreitos. No canto da tela uns homens aparecem, uns cinco ou seis homens vestidos totalmente de preto. Minha atenção volta a ele, sua respiração fica calma. Seus movimentos cessam e sua atenção fica redobrada.
Ele abre a boca e caramba... Vejo duas presas como se fossem dentes afiados de vampiros. Seus caninos são compridos e afiados e então ele pula sobre os homens e começa a rasga-los em pedaços. As cenas seguintes são brutais, selvagens e de embrulhar o estomago, sua selvageria, seu desejo e ânsia por sangue, o ódio em cada movimento e o meio sorriso em seus lábios, como se apreciasse toda a brutalidade que estava causando, como se gostasse de causar dor e morte.
Afasto o aparelho e o coloco sobre a mesa devolvendo a papai. Algumas lágrimas caíam sobre minha bochecha.
Eu estava assustada.
Isso é surreal, não pode ser verdade. Ele agia como um animal, um predador caçando sua presa.
- Como pode ver, aquela coisa não é um homem, um humano. - Papai exclama cruzando as mãos em cima da mesa.
- Ele é diferente... Seu rosto, seus movimentos, seus dentes... Como? - Questiono. Minha voz fraquejando, minha testa franzida. Eu estou confusa, caramba. Ele triturou os homens de preto. Ele saltou uns dois metros para subir na árvore e depois pulou simplesmente. Isso não o fazia um animal, ele apenas... Tem habilidades que pessoas comuns não possuem.
- A coisa quando estava nos seus primeiros dias de vida passou por testes envolvendo seu código genético. Bom, resumindo, aquela coisa tem o DNA de lobo em seu código genético. Ele é um animal com pequenos traços humanos.
Meu coração falha.
Minha respiração para.
E minha mente voa tentando absorver essa notícia.