Capítulo 4 mentiras Havven

CAPÍTULO 03

Três dias.

Haviam se passado três longos dias desde que descobri sobre a organização Havven. Durante todo esse período nenhum vestígio de sorriso apareceu em meu rosto. Desde que coloquei meus olhos em 130 e vi a situação precária em que ele se encontrava, a forma com que vivia, como as pessoas que trabalhavam lá dentro o viam e era tratado, como um animal, como uma besta, sujeito a agressões, violência, experiencias horríveis e suspeito que até o usavam em cirurgias para testar seu organismo, minha vida e meu ponto de vista mudou completamente. Quando conheci a empresa, depois que papai revelou que fazia experimentos ilegais usando humanos de cobaias eu não fui a mesma. Durante o dia eu me assombrava relembrando suas duras e cruéis palavras e durante a noite, sonhava com os olhos gélidos e magoados de 130. E durante a noite, meus sonhos transformavam-se em pesadelos, cenas horripilantes, sangrentas, cruéis e selvagens rondavam meus sonhos transformando-os em pesadelos, arrancando gritos vindos do fundo da minha alma, arrancando lágrimas grossas, espessas e pesadas banhando todo o meu rosto e o suor que escorria por minha pele, molhando todo o lençol deixava claro que minha saúde mental estava em um completo colapso.

Por Deus... Nem nome ele possuia. Ele simplesmente era rotulado com um número qualquer. 130. O misterioso homem... não uma das misteriosas cobaias das empresas Havven. Nenhumd eles possuía nome, apenas eram catalogados com números que eu ainda não conseguia entender o que significava.

Seus olhos cristalinos assombravam minhas noites, eu o imaginava com tanta riqueza de detalhes que o sonho de algum modo parecia imensamente real. Durante esses três dias participei de reuniões sobre as pesquisas. Os cientistas e médicos se reuniam e discutiam métodos para triplicar a habilidade das cobaias. Um dos especialistas estava animado com a possibilidade de aumentar suas habilidades para em seguida começarem a trabalhar em suas mentes, com o objetivos de treina-los, deixarem os espécies doceis para começarem a negociar com o governo com o intuito de vende-los para o exercito.

"Eles podem ser bons soldados, quando conseguirmos domestica-los, vendemos cada um para o exercito por bilhões de dólares, eles serão mais rápidos, mais fortes, mais inteligentes e sanguinários, sua carga genética os permite fazer tudo isso e sua aceleração rápida de ferimento os tornam maquinas mortais. Se nossas pesquisas derem certo, superarem nossas expectativas, seremos mais do que ricos. Imagine, esses homens ganhando guerras, nós que os desenvolvemos e saberíamos suas fraqueza, venderíamos as informações para os dois lados, ganharíamos o dobro e estaríamos isentos de qualquer responsabilidade!" lembro das palavras de um dos especialistas quando apresentou sua ideia, antes de começar a explicar uma nova forma de enxergar a carga genética de uma das cobaias.

Consegui invadir o sistema de um dos médicos e vi que não existia apenas uma cobaia. Havia outros como 130, havia outras cobaias, homens colossais e robustos. Todos eles tinham uma característica diferente, porém alguns traços de seu rosto eram semelhantes. Haviam homens e mulheres, pessoas ruivas, morenas, negras, brancos, loiros, cada qual com uma característica diferente, porém consegui enxergar algumas semelhanças, o que os tornavam iguais, a parte genética que havia sido misturado. As cobaias que haviam tido o código genético misturado com traços felinos possuíam um nariz mais arrebitado, olhos excêntricos e uma musculatura interessante, enquanto os que haviam sido misturado com DNA canino possuíam presas fortes, traços mais grossos e protuberantes, mas selvagens e arriscos.

No arquivo que consegui acessar tinha dois vídeos gravados.

O primeiro mostrava uma "tentativa de multiplicação". No vídeo, uma mulher entrava numa cela, o cômodo parecia extenso, sujo e precário. A jovem tinha cabelos curtos e castanhos, era magra. Seus olhos me lembrava um gato. A jovem se aproximou e uma cobaia apareceu.

142.

Ele era alto e forte. Seus cabelos eram longos como o de 130. A cobaia andou de forma predatória até a jovem e a atacou sem qualquer explicação. Choque percorreu meu corpo quando os gritos da mulher ecoaram. Ele não estava parecendo muito a vontade com a presença da mulher em sua cela e sequer tentou ser gentil, sua reação foi de destroça-la quase que imediatamente, lento e dolorosamente, ele a fez sofrer antes de morrer e seus gritos altos ecoavam por todo o prédio. A cena arrancou o restante de alegria e felicidade do meu corpo, meu coração se apertou dolorosamente, minha mente entrou em um limbo de dor e angustia.

Estava em busca de argumentos, formas de defende-los, mas a cada vídeo que encontrava, cada ataque, cada gesto selvagem, minha mente me convencia de que era melhor mantê-los trancados e longe de outras pessoas.

No segundo vídeo havia dois cobaias. O 142 e outro que se nomeava 127. A segunda cobaia era assustadora. Seus traços faciais eram semelhantes à uma cobra. Seu corpo era muito bronzeado e alguns riscos marcavam sua pele. Não tenho certeza, mas do jeito que esses médicos são sádicos, posso jurar que eles haviam mexido em seu código genético e adicionado traços de cobra e serpentes em seu DNA.

Do nada ambos são postos lado a lado e um duelo mortal começa. No meio da briga o segundo cobaia fez algo que me surpreendeu: Seu corpo desapareceu e em seu lugar uma grande serpente apareceu.

Eu não compreendia como isso era possível.

Caramba! Nada que eu via era possivel. É contra a natureza um humano se transformar em serpente ou em qualquer outro animal. Não possuo muitas informações sobre as cobaias. Não me deixavam saber mais sobre eles, mesmo se eu perguntasse.

Caramba! Eu herdei essa merda e não posso sequer perguntar as coisas.

Minha herança.

Com certeza superou todas minhas expectativas. Pena que de uma forma ruim.

Desde que cheguei não pude ir à sala em que 130 está aprisionado. Infelizmente estou restrita a ficar apenas nesse andar da empresa.

Mas hoje é diferente.

Saio do elevador com uma jaqueta médica no corpo, que havia roubado de uma das enfermeiras junto com seu crachá. Que Deus me ajude nesse momento. A enfermeira estava flertando com um médico e nem percebeu quando eu entrei na cozinha e peguei seus pertences. Seu jaleco, sua carteira com documentos, inclusive o cartão de acesso que abre e fecha as portas. Rezo silenciosamente enquanto passo pelos corredores. Consigo chegar sem restrições à porta da cela do 130. Repouso meus dedos sobre o painel e coloco o código de segurança. A porta então se abre e meu coração balança forte dentro da caixa toráxica causando um sentimento retumbante em meu peito.

Estou arriscando minha vida para ver ele.

Por que estou fazendo isso?

Entro no cômodo e no mesmo segundo a luz se acende. Meu peito se aperta quando consigo enxergá-lo. Ele estava parado. Imóvel. E me encarava profundamente. Seus olhos azuis demonstravam raiva e dor. Aprisionado por tantos anos, sendo tratado como uma bactéria, um verme por tanto tempo, é de se esperar que a única coisa que ele possa sentir é raiva e ódio das pessoas que o maltratam e o tratam como um nada. Questiono-me o que ele sente, quais pensamentos passam por sua mente e como é ficar dia a pós dia preso em uma cela nojenta, sendo tratado como nada, sendo usado para coisas que tenho até medo de pensar.

Me aproximo um passo e ouço um rosnado que me faz querer recuar. Eu não havia tido contato com nenhum deles antes. Não sabia como agir ou como falar, sabia somente o que haviam me falado, não se aproxime o suficiente, não os toque, não os encare.

- Me desculpe... - sussurro erguendo as mãos, dizendo silenciosamente que não sou um perigo ou que não quero machuca-lo como todos ali estavam fazendo - Não quis assustá-lo.

Seus olhos se estreitam em minha direção. Me aproximo mais um passo olhando dentro de seu mar azul, sem querer quebrar a conexão que estava estabelecida.

- Eu não quero machucá-lo. - Lembro-me do vídeo que havia visto e penso que não poderia machucá-lo mesmo se desejasse, eles podem me machucar, podem até me matar muito facilmente levando em consideração a força que possui, não sou nada comparada a ele - Você sabe falar? - Uma ideia surge em minha mente. - Ônix?

Seus olhos azuis celestes ficam confusos por alguns segundos mas logo depois voltam a tomar um brilho raivoso.

- Você não deve ser muito esperta. - Sibilou. Sua voz rouca, grossa, ameaçadora e arrastada entram calmamente e suavemente por meus ouvidos, chegando ao fundo da minha mente. - Não... Se cruza a linha amarela.

Olho confusa para o chão e percebo ultrapassar uma pequena linha com o traço pintado com tinta amarela. Dou de ombros e volto minha atenção a ele e percebo que estou bem próxima, mas próxima do que havia imaginado. Sua mão esquerda se move rapidamente, rápido e preciso na minha direção, tão hábil que não tenho tempo o suficiente para me esquivar ou recuar, e seus dedos alcançam meu cabelo, entrelaçando os dedos em meus fios escuros, segurando-os com força.

A unica área que ele podia alcançar.

A área que ele alcançou e agarrou.

Me deixando a sua mercê.

- Ah... - grito quando sua mão pega um punhado de meu cabelo e o puxa bruscamente.

Abro os olhos encarando um muro amarelado. Minhas mãos estão espalhadas sobre seu peito, passo a mão sentindo sua carne dura e lisa. Ele é uma parede de músculos. Sem perceber minhas mãos descem por suas costelas e tocam sua barriga, checando o abdômen.

- O que está fazendo, humana? - sua rouca voz me faz despertar.

Retiro minhas mãos de seu corpo e sinto minhsa bochechas se esquentando a medida que deixo meus olhos deslizarem na direção dos seus olhos, encarando-o com intensidade.

- Por favor, desculpe-me, Ônix - sussurro em um fio de voz, lembrando-me da mulher da própria espécie que o outro ônix havia executado sem uma gota de piedade - Eu não vou machucar você.

Eu estou tão perto do seu corpo, posso sentir alguns de seus músculos tensionados. Elevei a cabeça encarando seus olhos azul bebê e o encontrei me encarando sem um pingo de piedade ou remorso.

- Pare de me chamar assim. O que infernos isso significa? - rosna contra meu rosto e sinto-me tremer.

- Soube o que fizeram com você. Soube que existem outros, vocês não são cem por cento humanos. Eu entendo e não julgo, eles o chamam de animal. Eu prefiro Ônix. Você é um Ônix, sua espécie é um Ônix. Não são animais, são pessoas únicas e... Um pouco diferentes. - engulo em seco procurando as palavras certas, sei que minha vida está em jogo e pondero cada uma das minhas palavras - vocês são uma nova espécie, são os ônix.

Ele estreita ainda mais os olhos e parece absorver minhas palavras enquanto me analisa. Por mais que ele me encare como se a qualquer momento fosse me rasgar ao meio eu não sinto medo o que só pode ser descrito como burrice ou estupidez, sendo que tenho completa noção do que ele e sua espécie pode fazer com alguém como eu.

- O que está fazendo? - Questiono quando seus olhos azuis me encaram e em momento algum desvia.

Ele rosna alto e num ato brusco solta meu cabelo. Caio para trás e deixo um gemido dolorido sair por meus lábios. Arregalo os olhos percebendo o que estava acontecendo. Eu fui na cela de um homem que foi geneticamente modificado, que atacou vários homens e pulou de uma altura impressionante de cima de uma arvore, que rosna e tem presas e por algum motivo esta acorrentado.

E ele não quebrou meu pescoço como poderia simplesmente fazer. Ele me libertou.

- Não pense que sou bondoso por polpar sua vida, humana. - Ele sibila baixo me encarando. - Da próxima vez que eu ver você, tão perto assim, será diferente. Isso eu prometo a você, dou minha palavra.

Me levanto, afastando-me de seu corpo. Suas mãos estão ainda mais presas e havia uma marca bem vermelha e inchada em cada um de seus pulsos. Observo sua coleira e isso parece irritá-lo.

- A coleira de couro... Ela... Ela está incomodando você? - Questiono apontando com o dedo indicador em direção para o tecido de couro ao redor de seu pescoço. Ao redor do couro, nas bordas era possível ver sua pele branca, ligeiramente bronzeada vermelha por causa da fricção do couro em sua pele, dava para ver que estava machucando.

Ele rosna em resposta.

- Está caçoando de mim? - Arregalo os olhos negando com a cabeça.

- Não, não estou. - Ele rosna novamente. Alto, forte e profundo, sua voz ecoando por todo o cômodo - Por favor, para de rosnar.

Em resposta ele rosna ainda mais alto. Abro a boca para perguntar se podia retirar a coleira quando a porta é aberta e papai e dois seguranças adentram como furacões. O homem colossal atrás de mim começa a rosnar, mas não como antes. Seu rosnar agora parecia cruel, raivoso e assassino, seu olhar se tornou duro e brutal, lembrando-me do vídeo que eu havia assistido pela manhã, onde os ônix de sua espécie assassinavam outras pessoas sem uma gota de piedade. Um dos seguranças de papai se aproxima de mim esticando as mãos para me alcançar.

- Está irritado 130? - Um dos seguranças questiona retirando um aparelho de dar choque de dentro do seu bolso, apontando perigosamente na direção do homem que estava acorrentado. - Quer cheirar o rabo de algum outro animal?

- Se afasta dele. - Grito me debatendo nos braços do segurança que aumenta a pressão sobre meus braços. - Não machuca ele!!

O segurança ficou imóvel quando percebeu que eu estava falando com ele, e não com o homem loiro que era mantido em cativeiro, e se virou com os olhos arregalados na minha direção, como se eu fosse uma criatura bizarra, mesmo o segurança que estava me prendendo ficou paralisado. Olho para o 130, seus olhos estão me encarando em um misto de surpresa, desconfiança e fúria.

Ele sempre foi machucado por pessoas como eu, maltratado, tratado como um animal e de repente, uma mulher aparece e o defende com unhas e dentes, mesmo ele tendo acabado de ameaça-la. Isso é estranho em varias formas. Nem eu entendo direito o por que de estar defendendo ele. Será por que não consigo aceitar tudo isso que está acontecendo? Minha mente me impede de ser imparcial, de trata-lo como se fosse inferior a mim, sendo que o enxergo como um igual.

- Levem ela daqui. - Papai ordena friamente no fundo do cômodo. - Esse não é o lugar adequado para alguém como você estar. No meu escritório conversaremos calmamente sobre esse ocorrido.

O segurança me arrasta para fora do cômodo. Eu não queria ir, eu não queria deixá-lo. Mas não tenho escolha.

- Mas, eu... - sou cortada bruscamente.

- Em casa conversamos. - Papai sibila e sai pelo corredor.

Os seguranças me levaram a saída do prédio e me deixaram no portão para ir embora. Atravessei alguns quarteirões e antes que eu pudesse chegar ao carro que me esperava a pedido de papai, uma van preta estacionou bruscamente na minha frente, fazendo-me cambalear alguns passos incertos para trás, sou pega de surpresa quando dois homens encapuzados me abordam e arregalo os olhos recuando ainda mais.

Viro-me para correr quando sinto a mão de um deles em minha cintura me prendendo no lugar, começo a me debater, buscando me livrar do seu aperto e alcançar a liberdade e abro a boca para gritar quando uma mão grande e pesada desliza pela minha boca abafando o grito. Arregalo os olhos, preocupada, assustada e apavorada quando percebo que talvez nada do que eu faça seja o suficiente para escapar desses homens. Mentalmente me xingo por ter tirado sarro da ideia de papai de colocar seguranças em nosso encalço, desde que os mantive por perto nada disso aconteceu e no primeiro dia que os deixei de lado, dispensando seus serviços, sou abordada por homens perigosos.

Pisco os longos cílios escuros com força, sentindo os olhos marejados, uma enorme vontade de chorar se apodera de mim e engulo em seco tentando controlar a respiração e limpar a mente para conseguir pensar em um plano para conseguir escapar, porém antes que eu conseguisse fazer ou pensar em qualquer coisa, sinto algo incomodando meu pescoço, vejo um homem se afastar com um seringa nas mãos e pisco com força.

Medo percorre meu corpo. O que estavam injetando em mim??

A agulha foi retirada e sinto meu corpo ficando pesado, não consigo pensar coerentemente. Estava tonta, sentia tudo girar como se eu estivesse dentro de um liquidificador. E então percebi que haviam injetado em mim algum tipo de sedativo ou calmante.

Eu queria correr, queria gritar ou ao menos lutar, mas meus olhos se fecharam e meu corpo se tornou uma gelatina. Antes que eu caísse num abismo escuro, posso ver os olhos azulados e profundos de 130.

            
            

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