Capítulo 5 fugindo dos monstros

CAPÍTULO QUATRO

Sinto meu corpo se mexer de um modo brusco e abro lentamente os olhos, aos poucos, lentamente e cuidadosamente, separo os longos cílios escuros, que parecem mais pesados e doloridos que o normal, assim que faço esse movimento observo estar sentada em um banco pequeno de metal, constato isso quando me remexo desconfortável e um leve ranger soa. Observo uma pequena lâmpada que estava pairada no centro da mesa, iluminando um pouco toda a escuridão e clima sombrio de todo o ambiente. Estou em um cômodo relativamente grande, mas pode ser apenas impressão já que grande parte do lugar está coberto pelas sombras e escuridão, e o pouco que enxergo deixa muito para a imaginação. Estreito os olhos ao sentir um forte incômodo em meu pescoço e o medo começou a correr por minhas veias, lembrando-me da situação em que estou atualmente.

Lembro que estava saindo do escritório de papai, após todo o incidente, após eu ter entrado escondido em sua cela para ver se ele estava bem e se ainda estava vivo, porém minha intenção de cuidar dele causou efeitos inesperados. Quebrei diversas regras impostas a mim quando assinei o contrato de confiabilidade, roubei os códigos de segurança, rakeei as câmeras de vigilância, invadi uma cela e ainda defendi o homem que eles julgam como animal, sem qualquer direito a sua vida. Em seguida fui praticamente convidada a me retirar, voltar para casa e ter uma reunião com meu pai, o que provavelmente seria horrível. Entretanto, eu não esperava que na saída, enquanto eu caminhava tranquilamente em direção ao carro, seria abordada por homens encapuzados que me agarrou e me sedou para me trazer a esse lugar sinistro.

Meus olhos percorrem toda a extensão do cômodo, procurando algum sinal de alguma janela ou porta, até mesmo de qualquer objeto ou utensilio para que eu conseguisse usar para me defender ou escapar, porém não consegui visualizar ou encontrar nada, apenas a cadeira em que estou sentada, a mesa no centro e uma segunda cadeira metálica que está do outro lado da mesa.

- Vejo que acordou. - Um homem que estava em pé escondido em alguma parte do cômodo entre as sombras e escuridão, exclama se revelando sobre a pouca luz.

Estreito os olhos o encarando muito seriamente, analisando suas expressões, tentando descobrir o que diabos está acontecendo.

- Onde estou? - questiono em um sussurro baixo, com os olhos estreitos, atento em todos os seus movimentos, tentando ser o mais cautelosa o possível.

O medo de ser um sequestro invade meu peito, engulo em seco pensando no quanto papai estaria disposto a pagar para me libertarem. Vinte, trinta, cinquenta milhões? E se eles pedirem um valor absurdo? Papai teria coragem e deixaria o orgulho de lado para pedir emprestado?

Não entendo o que está acontecendo. Eu fui sequestrada, mas minhas mãos nem minhas pernas não estão presas ou amarradas em cordas firmes e grossas. Coloco minha mão em meu pescoço sentindo uma pequena ardência. Lembro que foi o local onde eles picaram com a agulha da seringa. O homem que saiu da escuridão abre uma porta que estava camuflada na sombra do cômodo e uma forte claridade invade o quarto fazendo-me piscar varias vezes seguida meus longos cílios escuros.

- Espera!! - Peço, mas ele já havia se retirado do cômodo.

Me levanto do banco de metal antigo e que range, demonstrando o quão antigo e maltrapilho ele é, e sorrio quando noto que minhas pernas assim como minhas mãos não possuem qualquer objeto que me aprisionem. Dou um passo ao redor da mesa e uma claridade ofuscante novamente aparece. Cubro os olhos com a palma da mão e observo um homem de calça social cor de carvão, uma camiseta social branca de botões e um sapato social marrom claro.

Franzo o cenho.

Ai meu deus...

Será que esses homens fazem parte daquela organização que sequestra mulheres e vendem seus órgãos para alguém que tem a poupança gorda? Já assisti varias vezes no jornal a reportagem de uma organização criminosa que sequestra pessoas com o objetivo de pegar seus órgãos e vende-los para pessoas de caráter duvidoso. É um padrão, é comum e horroroso, na maioria dos casos a policia não consegue encontrar o corpo, apenas fica como desaparecido, mas em alguns casos raros, conseguem encontrar o corpo com os órgãos faltando.

O homem adentra mais o cômodo e cessa seus passos firmes e confiantes do lado oposto da mesa de metal. Eu podia observá-lo agora com mais atenção.

Ele tinha olhos castanhos escuros, o cabelo era curto, repicado mas perfeitamente cortado. Estava com a barba por fazer, mas esse detalhe o deixava atraente. Um criminoso ligeiramente charmoso, eis um clichê ou posso está sofrendo de inicio da síndrome de Estocolmo? Não. Não sou tão idiota para pensar ou ponderar isso.

- Se não me engano a senhorita é filha de Lorenzo Gonsalles, estou certo?

Ergo uma sobrancelha com seu questionamento, seu tom de voz é cauteloso e simpático, não rude ou grosso, questiono me internamente se entraram em um personagem como nos filmes policiais onde tem o policial bom e o policial ruim.

- Sou Luana Gonsalles, e sim Lorenzo é meu pai. - exclamo o encarando. - Quem é você?

O homem ergue uma sobrancelha e vestígios de um sorriso brota levemente em seus lábios.

-Alec Myller. - Se apresenta sorrindo, segundos depois seu sorriso desaparece e uma expressão seria aparece. - Creio que precisamos conversar seriamente.

Volto a me sentar na cadeira velha e antiga, encarando-o com os olhos estreitos, confusa com sua mudança de personalidade e com o motivo da conversa.

Não me lembro de conhecê-lo, mas para ele me sequestrar, me dopar e me assustar desse modo, espero que seja algo realmente importante.

- Prossiga. - Exclamo impaciente depois de um grande intervalo silencioso.

- Creio que soube sobre as pesquisas da organização Havven. Correto?

Decido ficar em silêncio. Eu havia assinado um termo que eu tinha que ficar de boca fechada.

- Sua resposta é muito vaga, senhorita. - Exclama zombeteiro. - Vou dizer o por quê solicitamos sua presença.

- Solicitou? - Exclamo furiosa. - Vocês me perseguiram, me doparam, me sequestraram, me enfiaram numa van com sei lá quem e provavelmente sem segurança, e me deixaram sentada aqui desacordada. - Dou uma pausa o fuzilando com o olhar. - Vocês não me solicitaram, solicitar alguém é quando você convida ou pede a pessoa para ir à um determinado lugar. O que vocês fizerem se chama sequestro. Com todas as letras.

O homem ergue uma sobrancelha e deixa escapar uma risadinha debochada.

- Certo, nos desculpe pelo modo como convidamos você.

Reviro os olhos.

- Convidamos - sou debochada nas minhas palavras - Você não parece arrependido. - comento.

- Sem enrolações, Senhorita Gonsalles. Creio que seu pai já comentou com você sobre as indústrias Havenn. Meu pessoal observou você nos últimos dias e percebemos que você tem ido constantemente na dita empresa.

Mordo o lábio tentando conter o nervosismo. Esse cara estava me espionando e eu não havia percebido. Nunca descobriria se ele não tivesse me falado, pergunto-me onde estão os vários seguranças que papai pagava todo mês para nossa segurança, será que eles não haviam percebido? O que diabos estavam fazendo? Será que papai havia percebido minha ausência?

- Sabia que nessa empresa fazem experiências com humanos? - Arregalo os olhos.

Como ele sabia disso? Será que ele trabalhava lá dentro e estava vazando informações para todos? Se era esse o caso, por qual motivo.

- Hipoteticamente... Caso eu saiba alguma coisa. - inicio.

- Como você trabalha lá dentro e pode ter contato com eles...

- Ônix. - O interrompo.

Alec ergue a sobrancelha confuso.

- Eles, foram modificados geneticamente. Não são animais, aquela espécie é única. Ônix. Chame-os assim. - explico.

Alec expressa um sentimento que não pude identificar, acho que ele não gostou de minha sugestão. Mas não me importo, 130 havia gostado. Pelo menos gostou o suficiente para não quebrar meu pescoço em um único movimento, ao invés disso ele apenas me largou, mandando eu me manter afastada.

- Continuando, como você tem contato com os Ônix, com os documentos e... Enfim, como você esta lá dentro queríamos pedir sua ajuda.

Estreito os olhos. Alec gesticulava com as mãos enquanto falava:

- Queremos libertar todos que estão presos e sendo mantidos em cativeiro como animais. E para isso precisamos de provas para incriminar a empresa e fazer justiça. - faz uma pausa - não podemos chutar a porta entrando lá como terroristas, precisamos liberta-los, mas da maneira correta, com provas, com a justiça e o governo certo, ao nosso lado.

Fito seus olhos procurando algum sinal de que ele estava brincando e não encontro. Sorrio admirada por sua consideração. Alec me olhava com os olhos brilhando, ele demonstrava ser um homem bom e gentil, mas...

- Você quer que eu faça isso? - Grito me levantando. - Aquela empresa tem um alto sistema de segurança. Sempre que questionava sobre qualquer assunto lá dentro ouvia que se eu fizesse perguntas demais eu seria punida.

Alec se levanta da cadeira de metal que estava sentado e passa as mãos sobre o cabelo num gesto impaciente.

- Acha que não sei disso? Precisa aceitar Luana, é o modo mais rápido para ajudar aquelas pessoas. Eles sofrem naquela cela, eles são maltratados e judiados.

Desvio o olhar lembrando de 130, os seguranças não o tratavam como um rei. Se eu não tivesse impedido creio que ele seria cruelmente espancado. Minha mente cria esse cenário, imagino o segurança agredindo 130 e ele imobilizado sem poder se defender ou revidar. Uma vontade enorme de chorar me atinge e tento afastar essas imagens.

Eu tenho que tentar ajudar a todos que estão presos, não posso deixar que eles vivam desse modo, mas o que acontece se eles forem soltos? 130 e as outras duas cobaias que vi são violentas, quase... Quase selvagens.

- E o que acontece se eles forem soltos? - questiono baixo fitando o chão.

Alec suspira e se senta novamente na pequena cadeira de metal. Acompanho seus movimentos.

- Eles lutarão por seus direitos.

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Dois meses depois.

Sinto meu corpo se arrepiar e me encosto ainda mais na parede branca como papel numa tentativa de me apoiar. Olho ao redor tentando ver através das paredes brancas e sem vida, se algum médico ou segurança passava. Suspiro frustrada e passo as mãos por minha túnica de enfermeira, dessa vez a túnica era minha. Eu havia ganhado ela há pouco tempo, era branca como papel, seu comprimento chegava aos meus joelhos, possuía mais de doze botões mas eu a deixava aberta, ter espaço para me movimentar era muto importante nesse caso.

Olho as horas em meu relógio de pulso e tremo em antecipação. Essa é a hora. Me levanto e saio em disparada pelo corredor, ando em passos calmos, firmes, porém calmos e silenciosos. Entro na sala de segurança onde inspecionavam e vigiavam as câmeras de vigilância.

- Theo. - forço um sorriso encarando o sujeito.

- O que foi? - questiona carrancudo seus olhos escuros se quer vem na minha direção, continuando sua inspeção nas telas.

Suprimo a vontade de revirar os olhos.

- A câmera sul, no vigésimo oitavo andar falhou e papai quer que você de uma olhada. - Exclamo olhando fixamente para seus olhos.

Não era uma desculpa sem fundamento. Eu mesma havia quebrado essa câmera usando um cabo de vassoura, e tenho conhecimento de que e ele ficaria um bom tempo arrumando.

- Certo, tudo sou eu que arrumo nessa porcaria mesmo. - Resmunga se levantando e pega uma mala vermelha. - E olha que o salário nem é essas coisas.

Theo sai do cômodo resmungando com sua maleta de ferramentas de reparos, e sorrio aproveitando o tempo que possuía. Marcos, o segundo vigia se atrasou e deverá chegar em menos de dez minutos. Foram praticamente dois meses de analise, dois meses estudando todas as possibilidades e comportamento dos funcionários para que eu pudesse conseguir entrar, pegar os arquivos e sair sem ser detectada ou interceptada por nenhum segurança.

Sento diante do computador e dou um meio sorriso encarando as câmeras, procuro silenciosamente 130 e o vejo. Uma médica recolhia um exame de sangue dele e ele se debatia e rugia como um lobo. Vê-lo tão impotente, sendo tratado tão mal e a mercê dos desejos e vontades de outras pessoas mexe com algo dentro do meu peito, causando um incomodo inexplicável em meu ser e nesse momento, percebo que, talvez, eu não havia sido a melhor escolha para ajuda-los, já que sou muito impulsiva.

Foram dois meses planejando os mínimos detalhes do que faria nesse dia, mas vendo-o tão frágil e maltratado, sei que tenho duas opções, continuar o plano e ignora-lo ou ajuda-lo.

- Eu vou ajudar você, 130. - sussurro.

                         

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