Pois eu prometi a mim mesma, no dia do sepultamento da minha mãe, ajoelhada e com as minhas duas mãos em cima de sua lapide, eu prometi que eu seria uma grande médica e que eu seria a melhor!
Assim eu poderia salvar a vida de muitas pessoas, já que eu não pude salvar a dela. (eu pensei e o meu coração partiu em mil pedaços, só por me recordar dessa fase difícil da minha vida)
E enquanto eu estava aqui presa não só nesse carro, mais também em meus pensamentos, eu pude perceber que nós estávamos subindo uma rua extensa e íngreme.
E na medida que o carro ia subindo nessa rua, esse tal de chefe abaixou o vidro do carro e eu pude perceber que as pessoas o cumprimentavam por onde o carro passava, como se ele fosse uma autoridade desse lugar.
Era um lugar bastante estranho, com muitas pessoas passando de um lado para o outro, com bastante agitação e muito barulho, pessoas falando alto mesmo elas estando uma do lado da outra, casas mal feitas e apenas em tijolos, umas casas mal arquitetadas, uma em cima das outras.
E enquanto o carro subia a rua fazendo várias curvas, eu conseguia perceber o quanto a vida humana era injusta, ou melhor dizendo, o quanto a sociedade era injusta.
Tinham tantas pessoas, e algumas delas aparentavam uma expressão tão sofrida em seus rostos e no meio delas tinham tantas crianças.
E elas estavam brincando no meio da rua, sem uma roupa decente, ou até um calçado nos pés.
Eu também percebi que tinham várias lojas e todas pareciam ser clandestinas, elas vendiam de tudo quanto era produtos, e eu percebi que muitos deles eram de várias marcas famosas.
E enquanto o carro ia subindo cada vez mais, passavam por nós vários motoqueiros subindo e descendo levando as pessoas e ambos estavam sem capacete, em uma velocidade assustadora.
E eu pensei...
...Como eles podem andar assim com essa velocidade toda, com esse tanto de crianças brincando no meio da rua?
E esses idosos? Subindo e descendo esse lugar íngreme, embaixo desse sol forte e escaldante.
Sem contar que hoje estava muito calor e o sol do Rio de Janeiro estava castigando qualquer um que se expusessem a ele. (eu pensei)
Me deu tanta pena de ver isso, eram coisas que eu nunca tinha visto antes, um mundo totalmente diferente do que eu imaginava.
E eu fiquei perplexa ao ver tudo isso.
Era como se eu fosse de outro planeta ou que eles fossem. (eu pensei)
E de repente o carro finalmente parou, eu fiquei tão distraída com tudo o que eu estava vendo que eu nem se quer percebi que nós tínhamos chegado em algum lugar.
E quando eu olhei de um lado para o outro, sentada ainda dentro do carro eu percebi que eu estava em um lugar muito alto.
E eu pensei...
...Aí meu Deus é agora que eles vão me matar e me jogar daqui de cima lá embaixo.
Eu senti um frio na espinha e as minhas mãos começaram a suar frio, quando um deles disse...
?: - Chefe o que nós faz com ela? (ele saiu do carro enquanto falava)
E esse tal de Junico também saiu do carro sem se quer responder a pergunta daquele homem e ele só fez um gesto com a cabeça e um deles puxou o meu braço me puxando para fora do carro e com a força que ele me puxou eu disse...
Aline: - Aiiii... Isso dói! (eu falei alto e olhei pra ele já franzindo a testa e fechando o meu semblante com raiva)
?: - Mermão já nu falei cutigo pra tu cala essa merda da tua boca! (ele disse praticamente gritando comigo e quando ele levantou a mão)
E eu jurava que ele iria me bater de novo, esse tal de Junico disse...
Junico: - Já chega Fraldinha! Na favela não porra! Você não está vendo os moradores?!!! (ele falou grosso com ele e ele abaixou a mão na mesma hora)
?: - Foi mal aí chefe. (ele disse igual um cachorrinho com o rabinho entre as pernas)
?: - Chefe e o que tu vai faze com a mercadoria? (ele disse se referindo a mim)
E me deu tanta raiva por ser tratada como um objeto sem valor algum.
Mas eu precisava ficar calada, eu não queria apanhar de novo.
E ele respondeu...
Junico: - Levem ela pra minha casa! (ele disse e saiu andando e subindo em cima de uma das motos que estavam ali paradas, ligando-a e dando partida indo para algum outro lugar)
[...]
____ Junico narrando ...
Eu me chamo Marcos Santos, mais conhecido como Junico mestiço, o dono do morro do Vidigal.
Eu lutei muito para chegar à onde estou hoje, eu tive que superar os meus próprios medos, traumas, frustrações, momentos de iras e raivas, eu tive que guardar o meu ódio muito bem escondido dentro de mim, para não mostrar aos meus verdadeiros inimigos que estavam tão perto que eu os odiava e que eu os considerava como tal.
Depois de presenciar a queda do meu padrinho e também a sua morte a sangue frio, eu tive que me alto superar, me alto amadurecer, naquela época eu só tinha oito anos de idade, e ver o meu padrinho sendo massacrado daquela forma foi a pior visão que eu já tive na vida, eu prometi pra ele e para mim mesmo que um dia eu iria vinga-lo, e eu cumpri!
Estudei todas as táticas e estratégias dos meus inimigos de perto, me infiltrei no meio deles, até que me tornei o sub do dono do morro do Vidigal, o mesmo que matou a sangue frio o meu padrinho naquela tarde sombria e aterrorizando, que até hoje não saí da minha mente.